O prefeito Ricardo Nunes (MDB) e o deputado
federal Guilherme Boulos (PSol) vão disputar o segundo turno da eleição à
Prefeitura de São Paulo, que ocorre no dia 27 de outubro. Os resultados foram
divulgados na noite deste domingo (6/10) pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
Com 99,88% das urnas apuradas,
Nunes tinha 29,48% dos votos, enquanto Boulos somava 29,07%. Os dois
desbancaram o influenciador Pablo Marçal (PRTB), que marcava 28,14%, em
terceiro lugar, na disputa para prefeito da capital paulista mais acirrada
desde 1985, ano da primeira eleição direta pós ditadura militar.
A deputada federal Tabata Amaral (PSB) ficou em quarto, com 9,91%, enquanto que o apresentador José Luiz Datena (PSDB) não conseguiu ultrapassar a marca dos 2% - tinha 1,84% -, no pior desempenho de um tucano na história das eleições paulistanas. Atrás dele, Marina Helena (Novo) somava 1,38%.
Nunes se manteve na frente
durante toda a apuração. Boulos largou em terceiro lugar e ultrapassou Marçal
quando havia 30,69% das urnas apuradas. A disputa pela liderança chegou a ficar
bem apertada e, com 47,7% de apuração, a diferença entre o atual prefeito e o
candidato do PSol era de apenas 1.716 votos.
No final, cada um dos três
candidatos teve mais de 1,7 milhão de votos.
Campanha agressiva
A campanha foi a mais bélica da
história recente da política paulistana. Marcada por ofensas
pessoais em série, agressões físicas em debates e acusações de corrupção,
ligação com o tráfico e até de uso de drogas, a disputa contou com o uso
sistemático das redes sociais, reverberou em batalhas jurídicas e colocou à
prova a influência de padrinhos políticos e de grandes alianças partidárias.
A corrida eleitoral começou com
os nomes apoiados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
e pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL)
à frente nas pesquisas eleitorais. O deputado federal Guilherme Boulos (PSol),
aliado do petista, e o prefeito Ricardo Nunes (MDB),
que atraiu o clã bolsonarista, lideravam os levantamentos e apostavam na
polarização esquerda versus direita para chegar ao segundo
turno, em uma espécie de recall das eleições de 2022.
Durante meses, o
atual prefeito e candidato à reeleição costurou uma extensa coligação
partidária com o objetivo de impedir uma candidatura genuinamente
bolsonarista e embarcar na eleição como o nome ?consensual? da direita para
derrotar Boulos, em uma espécie de "frente ampla" contra o que ele chama de "extrema esquerda".
A articulação rendeu frutos: o
emedebista conseguiu evitar
as candidaturas de Ricardo Salles (então no PL) e Kim Kataguiri (União
Brasil), e garantiu uma aliança com 12 partidos, o que lhe rendeu mais de 60%
do tempo de propaganda eleitoral no rádio e na TV. O prefeito também recebeu o
apoio oficial de Bolsonaro, que
indicou seu vice de chapa, o Coronel Mello Araújo (PL).
O plano de chegar na campanha
como o único representante da direita, no entanto, acabou frustrado aos 45
minutos do segundo tempo, quando o influencer
Pablo Marçal (PRTB) entrou em campo. Famoso na internet por
sua atuação como coach, Marçal se apresentou como o candidato "antissistema" da vez e passou a competir com o prefeito pelos votos do
eleitorado bolsonarista.
Com discurso típico da extrema
direita, como a existência de um "consórcio comunista" de seus adversários, e
disseminação de fake news, como a acusação de que Boulos consome cocaína, o
influencer rachou a direita, atraiu uma leva de bolsonaristas, e passou
a crescer nas pesquisas de intenção de voto, até empatar numericamente
com Nunes, ameaçando o projeto de reeleição do emedebista.
Marçal também despertou interesse
no clã Bolsonaro, de quem chegou a ganhar elogios no início da campanha, e
ajudou a escancarar o desconforto da família com o apoio ao prefeito
paulistano. A relação com o ex-presidente e seus filhos, no entanto, seria marcada
por um intenso ?morde e assopra? durante a campanha, com direito a Marçal
chamando Carlos Bolsonaro de "retardado" e ao ex-presidente
dizendo que "falta caráter" ao influencer.
Além de Marçal, outra novidade na
corrida eleitoral também movimentaria a disputa em São Paulo, por motivos
diferentes. Depois de desistir quatro vezes de se candidatar em outras
eleições, o apresentador de TV José Luiz Datena (PSDB)
confirmou que tentaria a Prefeitura de São Paulo em 2024, abandonando
a então aliada Tabata Amaral (PSB), com quem vinha discutindo compor uma chapa
como seu vice.
Com desempenho ruim nos primeiros
debates e uma
postura de anticandidato nas ruas - sem pedir votos e mostrando
desconhecer até mesmo o número do próprio partido -, Datena saiu de uma posição
de destaque nas pesquisas até derreter à quinta posição nos levantamentos mais
recentes, ficando atrás de Tabata, inclusive.
Mesmo assim, foi protagonista de
um dos momentos mais tensos da eleição: a cadeirada
em Marçal, no debate da TV Cultura, em setembro. O episódio aconteceu
em meio a uma escalada de agressividade na campanha, que começou hostil já no
primeiro debate, em agosto.
Os debates seguintes também
acabaram marcados por atos violentos. Marçal insinuou que Boulos era usuário de cocaína. As provas da acusação nunca
apareceram. Ao invés disso, uma reportagem do jornal Folha de S. Paulo mostrou
que a equipe de Marçal se utilizava de um processo envolvendo um homônimo de
Boulos para atacar o deputado.
Marçal nunca voltou atrás na fala
e o episódio foi levado por ele até os últimos dias antes do primeiro turno,
gerando condenações na Justiça
Eleitoral que obrigaram o influencer a publicar uma série de direitos de resposta de Boulos em suas redes
sociais. No debate da TV Globo, na última quinta-feira (3/10), o candidato do
PSol exibiu um exame toxicológico para provar que não usa drogas e desafiou o
rival do PRTB a fazer o mesmo.
A postura agressiva de Marçal se
estendeu também a outros adversários, que ganharam apelidos jocosos, como "bananinha", no caso de Nunes, e "para-choque de comunista", no caso de Tabata,
e foram alvo de provocações e mentiras. Depois do segundo debate, quando
o influencer usou uma carteira de trabalho pagar fingir
?exorcizar? Boulos, que reagiu dando um tapa no documento, as campanhas passaram a exigir
regras mais duras das organizações dos eventos televisivos.
Outro episódio de violência
envolveu um produtor da campanha de Marçal, que deu um soco no marqueteiro de Nunes, Duda Lima. O caso
aconteceu nos bastidores, logo após Marçal ser expulso do debate do Flow por
desrespeitar as regras da organização e fazer ofensas pessoais a Nunes durante
suas considerações finais.
Frustrada com a sequência de
baixarias e a não discussão de propostas, Tabata Amaral (PSB) viralizou nas
redes ao comentar o episódio. "Sabe qual é a merda maior? Eu estava lá que nem
uma filha da puta falando sobre as minhas propostas, fazendo um debate sério, e
eu tenho certeza que amanhã só vão falar do soco. Não vão comparar as
propostas. Eu tenho uma teoria, quase uma teoria da conspiração, de que
colocaram o Pablo Marçal para que a gente não visse as merdas que estão
acontecendo em São Paulo", disse Tabata.
Perfil dos candidatos
Ricardo Nunes (MDB)
Ricardo Luís Reis Nunes nasceu em
13 de novembro de 1967, na capital. Chegou a estudar Direito na Faculdades
Metropolitanas Unidas (FMU), mas, endividado, abandonou o curso para que
pudesse trabalhar, segundo conta.
Criado na região de Interlagos,
bairro de classe média da zona sul, ele é filho de uma dona de casa e de um
comerciante português. Costuma dizer que se filiou ao MDB aos 18 anos, no mesmo
dia em que tirou seu título de eleitor. Aos 21, disputou pela primeira vez as
eleições para vereador da cidade, sem sucesso.
Em 2012, o prefeito conseguiu se
eleger pela primeira vez vereador na Câmara Municipal da capital, com cerca de
30 mil votos. Quatro anos depois, em 2016, foi reeleito com mais de 55 mil
votos.
Nunes é prefeito de São Paulo desde maio de 2021, quando assumiu o comando da maior cidade do país após a morte de Bruno Covas (PSDB), de quem era vice.
Guilherme Boulos (PSol)
Formado em filosofia,
especializado em psicologia clínica e com mestrado em psiquiatria, Boulos é
psicanalista e professor. Hoje, é casado com a advogada Natália Szermeta, que
conheceu na militância do MTST, e vive no Campo Limpo, bairro da periferia da zona
sul da cidade.
O casal é pai de duas filhas
adolescentes, com 13 e 14 anos, respectivamente. À Justiça Eleitoral, ele declarou um patrimônio de R$ 199,6 mil, incluindo duas
aplicações financeiras, metade de sua casa e seu carro Celta 2009/2010, que
virou sua marca registrada em outras campanhas.
Boulos ganhou projeção nacional
com a onda de manifestações em 2013 e com a ocupação, em 2014, de um terreno em
Itaquera, na zona leste, chamado de Copa do Povo. O local foi ocupado pelo MTST
durante protestos contra as desapropriações na região para a construção da
Arena Corinthians para a Copa do Mundo. Ironicamente, ele é corintiano.
A militância do MTST alavancou
Boulos à política. Ele entrou para o movimento aos 19 anos, quando foi viver em
uma ocupação em Osasco, embora venha de uma família de classe média. Nascido em
São Paulo, em 19 de junho de 1982, Guilherme Boulos é filho de pais médicos e
professores da Universidade de São Paulo (USP) e foi criado em Pinheiros, na zona oeste da cidade.
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(Thomaz Molina / Metropoles)
Foto: Montagem Metropoles/Divulgação