A presidenta afastada Dilma Rousseff divulgou há pouco uma carta à população
propondo a realização de plebiscito sobre a convocação de eleições
presidenciais antecipadas.
[Estou convencida da necessidade e darei meu apoio irrestrito à convocação de um plebiscito, com o objetivo de consultar a população sobre a realização antecipada de eleições, bem como sobre a reforma política e eleitoral, diz o documento.
Na carta, Dilma aborda a crise política e defende que a
população decida sobre a realização de um novo pleito presidencial. [A
restauração plena da democracia requer que a população decida qual o melhor
caminho para melhorar a governabilidade], disse, ao ler o documento,
direcionado à nação e aos senadores, durante entrevista coletiva à imprensa no
Palácio da Alvorada. A presidente afastada apenas leu o documento e não
respondeu perguntas.
No documento, intitulado [Mensagem ao Senado e ao povo brasileiro],
Dilma reafirma que não cometeu crime de responsabilidade e classifica o processo
de impeachment contra ela de [golpe].
Dilma diz que caso o Senado decida pelo afastamento definitivo dela da Presidência
da República haverá [ruptura da ordem democrática baseada em um impeachment sem
crime de responsabilidade].
Na carta, Dilma também reconhece erros cometidos durante seu
governo e acena com mudanças na política econômica caso retorne à presidência.
A presidenta disse ainda que o processo é injusto, pois foi
[desencadeado contra uma pessoa honesta e inocente.]
Dilma disse ainda que apoia a luta contra a corrupção e que
ela é [inegociável].
[Não tenho contas secretas no exterior, nunca desviei um único
centavo do patrimônio público e não recebi propina de ninguém], disse Dilma ao
ler a carta, em referência ao deputado afastado e ex-presidente da Câmara dos
Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
A presidenta afastada convocou uma coletiva de imprensa no Palácio
da Alvorada para explicar os argumentos da carta, debatidos nos últimos dias
com aliados. O texto que será encaminhado aos senadores aponta um dos últimos
posicionamentos de Dilma antes do julgamento final do processo de impeachment.
Na semana passada, 59 senadores votaram pela aceitação do
parecer que dá continuidade ao processo. Com isso, o julgamento de Dilma por
crime de responsabilidade terá início no próximo dia 25, uma quinta-feira. Para
barrar o impeachment, Dilma precisa do voto de, no mínimo, 28 do 81 senadores.
A presidenta afastada não informou se irá ao Senado para apresentar
pessoalmente sua defesa.
Acompanharam Dilma na entrevista os ex-ministros Eleonora Menicucci (Secretaria Especial de Políticas para Mulheres), Jaques Wagner (Casa Civil), Ricardo Berzoini (Secretaria de Governo) e Aloizio Mercadante (Educação).
Leia a íntegra da carta:
Mensagem da Presidenta da República Dilma Rousseff
AO SENADO FEDERAL E AO POVO BRASILEIRO
Brasília, 16 de agosto
de 2016
Dirijo-me à população
brasileira e às Senhoras Senadoras e aos Senhores Senadores para manifestar
mais uma vez meu compromisso com a democracia e com as medidas necessárias à
superação do impasse político que tantos prejuízos já causou ao País.
Meu retorno à
Presidência, por decisão do Senado Federal, significará a afirmação do Estado
Democrático de Direito e poderá contribuir decisivamente para o surgimento de
uma nova e promissora realidade política.
Minha responsabilidade
é grande. Na jornada para me defender do impeachment me aproximei mais do povo,
tive oportunidade de ouvir seu reconhecimento, de receber seu carinho. Ouvi
também críticas duras ao meu governo, a erros que foram cometidos e a medidas e
políticas que não foram adotadas. Acolho essas críticas com humildade e
determinação para que possamos construir um novo caminho.
Precisamos fortalecer
a democracia em nosso País e, para isto, será necessário que o Senado encerre o
processo de impeachment em curso, reconhecendo, diante das provas irrefutáveis,
que não houve crime de responsabilidade. Que eu sou inocente.
No presidencialismo
previsto em nossa Constituição, não basta a desconfiança política para afastar
um Presidente. Há que se configurar crime de responsabilidade. E está claro que
não houve tal crime.
Não é legítimo, como
querem os meus acusadores, afastar o chefe de Estado e de governo pelo
[conjunto da obra]. Quem afasta o Presidente pelo [conjunto da obra] é o povo
e, só o povo, nas eleições.
Por isso, afirmamos
que, se consumado o impeachment sem crime de responsabilidade, teríamos um
golpe de estado. O colégio eleitoral de 110 milhões de eleitores seria
substituído, sem a devida sustentação constitucional, por um colégio eleitoral
de 81 senadores. Seria um inequívoco golpe seguido de eleição indireta.
Ao invés disso, entendo que a solução para as crises política e econômica que enfrentamos passa pelo voto popular em eleições diretas. A democracia é o único caminho para a construção de um Pacto pela Unidade Nacional, o Desenvolvimento e a Justiça Social. É o único caminho para sairmos da crise.
Por isso, a
importância de assumirmos um claro compromisso com o Plebiscito e pela Reforma
Política.
Todos sabemos que há
um impasse gerado pelo esgotamento do sistema político, seja pelo número
excessivo de partidos, seja pelas práticas políticas questionáveis, a exigir
uma profunda transformação nas regras vigentes.
Estou convencida da
necessidade e darei meu apoio irrestrito à convocação de um Plebiscito, com o
objetivo de consultar a população sobre a realização antecipada de eleições,
bem como sobre a reforma política e eleitoral.
Devemos concentrar
esforços para que seja realizada uma ampla e profunda reforma política,
estabelecendo um novo quadro institucional que supere a fragmentação dos
partidos, moralize o financiamento das campanhas eleitorais, fortaleça a
fidelidade partidária e dê mais poder aos eleitores.
A restauração plena da
democracia requer que a população decida qual é o melhor caminho para ampliar a
governabilidade e aperfeiçoar o sistema político eleitoral brasileiro.
Devemos construir,
para tanto, um amplo Pacto Nacional, baseado em eleições livres e diretas, que
envolva todos os cidadãos e cidadãs brasileiros. Um Pacto que fortaleça os
valores do Estado Democrático de Direito, a soberania nacional, o
desenvolvimento econômico e as conquistas sociais.
Esse Pacto pela
Unidade Nacional, o Desenvolvimento e a Justiça Social permitirá a pacificação
do País. O desarmamento dos espíritos e o arrefecimento das paixões devem
sobrepor-se a todo e qualquer sentimento de desunião.
A transição para esse
novo momento democrático exige que seja aberto um amplo diálogo entre todas as
forças vivas da Nação Brasileira com a clara consciência de que o que nos une é
o Brasil.
Diálogo com o
Congresso Nacional, para que, conjunta e responsavelmente, busquemos as
melhores soluções para os problemas enfrentados pelo País.
Diálogo com a
sociedade e os movimentos sociais, para que as demandas de nossa população
sejam plenamente respondidas por políticas consistentes e eficazes. As forças
produtivas, empresários e trabalhadores, devem participar de forma ativa na
construção de propostas para a retomada do crescimento e para a elevação da
competitividade de nossa economia.
Reafirmo meu compromisso com o respeito integral à Constituição Cidadã de 1988, com destaque aos direitos e garantias individuais e coletivos que nela estão estabelecidos. Nosso lema persistirá sendo [nenhum direito a menos].
As políticas sociais
que transformaram a vida de nossa população, assegurando oportunidades para
todas as pessoas e valorizando a igualdade e a diversidade deverão ser mantidas
e renovadas. A riqueza e a força de nossa cultura devem ser valorizadas como elemento
fundador de nossa nacionalidade.
Gerar mais e melhores
empregos, fortalecer a saúde pública, ampliar o acesso e elevar a qualidade da
educação, assegurar o direito à moradia e expandir a mobilidade urbana são
investimentos prioritários para o Brasil.
Todas as variáveis da
economia e os instrumentos da política precisam ser canalizados para o País
voltar a crescer e gerar empregos.
Isso é necessário
porque, desde o início do meu segundo mandato, medidas, ações e reformas
necessárias para o país enfrentar a grave crise econômica foram bloqueadas e as
chamadas pautas-bomba foram impostas, sob a lógica irresponsável do [quanto
pior, melhor].
Houve um esforço
obsessivo para desgastar o governo, pouco importando os resultados danosos
impostos à população. Podemos superar esse momento e, juntos, buscar o
crescimento econômico e a estabilidade, o fortalecimento da soberania nacional
e a defesa do pré-sal e de nossas riquezas naturais e minerárias.
É fundamental a
continuidade da luta contra a corrupção. Este é um compromisso inegociável. Não
aceitaremos qualquer pacto em favor da impunidade daqueles que,
comprovadamente, e após o exercício pleno do contraditório e da ampla defesa,
tenham praticado ilícitos ou atos de improbidade.
Povo brasileiro,
Senadoras e Senadores,
O Brasil vive um dos
mais dramáticos momentos de sua história. Um momento que requer coragem e
clareza de propósitos de todos nós. Um momento que não tolera omissões,
enganos, ou falta de compromisso com o país.
Não devemos permitir
que uma eventual ruptura da ordem democrática baseada no impeachment sem crime
de responsabilidade fragilize nossa democracia, com o sacrifício dos direitos
assegurados na Constituição de 1988. Unamos nossas forças e propósitos na
defesa da democracia, o lado certo da História.
Tenho orgulho de ser a
primeira mulher eleita presidenta do Brasil. Tenho orgulho de dizer que, nestes
anos, exerci meu mandato de forma digna e honesta. Honrei os votos que recebi.
Em nome desses votos e em nome de todo o povo do meu País, vou lutar com todos
os instrumentos legais de que disponho para assegurar a democracia no Brasil.
A essa altura todos sabem que não cometi crime de responsabilidade, que não há razão legal para esse processo de impeachment, pois não há crime. Os atos que pratiquei foram atos legais, atos necessários, atos de governo. Atos idênticos foram executados pelos presidentes que me antecederam. Não era crime na época deles, e também não é crime agora.
Jamais se encontrará
na minha vida registro de desonestidade, covardia ou traição. Ao contrário dos
que deram início a este processo injusto e ilegal, não tenho contas secretas no
exterior, nunca desviei um único centavo do patrimônio público para meu
enriquecimento pessoal ou de terceiros e não recebi propina de ninguém.
Esse processo de
impeachment é frágil, juridicamente inconsistente, um processo injusto,
desencadeado contra uma pessoa honesta e inocente. O que peço às senadoras e
aos senadores é que não se faça a injustiça de me condenar por um crime que não
cometi. Não existe injustiça mais devastadora do que condenar um inocente.
A vida me ensinou o
sentido mais profundo da esperança. Resisti ao cárcere e à tortura. Gostaria de
não ter que resistir à fraude e à mais infame injustiça.
Minha esperança existe
porque é também a esperança democrática do povo brasileiro, que me elegeu duas
vezes Presidenta. Quem deve decidir o futuro do País é o nosso povo.
A democracia há de
vencer.
Dilma Rousseff
Luciano Nascimento - Repórter da Agência Brasil
Edição: Carolina Pimentel
Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
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