Cunha põe evangélicos no comando da Câmara

O presidente da Câmara dos
Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), nomeou na última semana a servidora Maria
Madalena da Silva Carneiro para comandar a Diretoria de Recursos Humanos da
Casa. O ato de nomeação, que seguiu para publicação na quinta-feira (19), foi
obtido pelo Congresso em Foco antes de ser publicado. Ele
designa Maria Madalena para exercer a função a partir da última quarta-feira
(18). Evangélica, a advogada e teóloga de formação chefiará o setor da
Câmara responsável pela maior dotação orçamentária da instituição: nada menos
que R$ 4,189 bilhões, segundo o descritivo
[despesa com pessoal]
.

Ou seja, mais de 80 do
orçamento da Câmara para 2015.

Do ponto de vista político, a
Diretoria de RH só está abaixo da Secretaria-Geral da Mesa e da
Diretoria-Geral. A primeira tem papel determinante em todo o processo
legislativo. A segunda é a mais importante instância administrativa da Câmara.

Madalena
disse ao Congresso em Foco que Eduardo Cunha foi o
[instrumento de Deus] para sua indicação à diretoria, mas negou que sua escolha
tenha caráter religioso. Professora universitária, ela diz que sua promoção é
fruto de competência profissional e dos longos anos de atividade na Câmara ?
onde ela começou a trabalhar em 1º de junho de 1984, sempre ocupando funções
relativamente modestas, e jamais exerceu nenhum cargo de chefia.

Em sua última ocupação na
Câmara, o seu trabalho consistia basicamente em guardar os livros nas
estantes da biblioteca. Anteriormente, era responsável pela emissão de
segunda via de crachás ? tarefas de complexidade muito menor que a de
diretora de Recursos Humanos.

A nova
diretora entrou na Câmara dos Deputados sem passar por concurso público, mas se
tornou funcionária de carreira da Casa em razão de dispositivo incluído na
Constituição de 1988 que efetivou servidores que à época trabalhavam na
administração federal. Uma semana antes de escolher Madalena para a sua equipe,
Eduardo Cunha obteve do
Plenário a aprovação de projeto de resolução da Mesa Diretora que dá ao próprio
presidente da Câmara o poder de escolher o secretário de Comunicação Social da
Casa entre os deputados no exercício do mandato
.

Com a resolução, já promulgada,
Cunha pode substituir o secretário de Comunicação a qualquer tempo e sem
apresentar justificativa. O escolhido para chefiar a estrutura comunicacional
da Câmara ? que inclui serviços de TV, rádio, mídia impressa e internet ? foi o
deputado Cleber Verde (PRB-MA). Cleber integra a chamada bancada evangélica e
seu partido, o Partido Republicano Brasileiro, é ligada à Igreja Universal do
Reino de Deus.

Tanto o projeto de resolução
quanto a opção por Cleber Verde foram questionados por alguns parlamentares,
que invocaram o apartidarismo e o caráter laico e técnico que devem orientar a
administração pública no país. É a primeira vez que a Câmara terá um deputado à
frente do setor de comunicação, e não um servidor especializado. Cleber é [vendedor
autônomo, professor, servidor público e bacharel em Direito], segundo seu
registro oficial.

Colegas de
culto

O que há
em comum entre Eduardo Cunha, Cleber Verde e Madalena é que os três costumam
participar de cultos evangélicos nas dependências da Câmara, junto com outros
parlamentares e servidores evangélicos. No último dia 11 de fevereiro, a página
de Cunha na internet reproduziu material atribuído à Agência Câmara Notícias,
noticiando a participação
do presidente da Câmara em um desses cultos
. Na ocasião, conforme o
texto, Cunha ?agradeceu o apoio, praticamente unânime, dos deputados
evangélicos na disputa pela presidência da Casa? e ouviu do coordenador da
bancada evangélica, João Campos (PSDB-GO), o compromisso de lealdade e respaldo
político.

 

É prerrogativa da Diretoria de
RH, entre outras, o acesso a toda e qualquer informação referente a cada um dos
milhares de servidores da Câmara. Cada um deles reúne uma minuciosa ficha de
informações pessoais e funcionais. Assim, ficará à disposição de Madalena o
acesso a contracheques, empréstimos e ao chamado passado bancário, entre outras
informações, de todos os servidores. Segundo o Guia para Jornalistas 2015,
material veiculado no siteinstitucional, a Casa possui 3.349
servidores concursados, 1.573 cargos de natureza especial e 10.732 secretários
parlamentares (conforme números colhidos até 31 de agosto de 2014), além de
3.056 terceirizados.

Caberá a Madalena, que até esta
semana estava lotada no Centro de Documentação e Informação (Cedi) da Câmara ?
a biblioteca da instituição ? cuidar da organização e do repasse de informações
referentes ao quadro de pessoal para o Tribunal de Contas da União e à
Controladoria-Geral da União, em trabalho acompanhado pelos órgãos de controle
interno. Pedidos de licença ou férias, reajuste de salário, concessão de
gratificações ou o pagamento de horas extras, por exemplo, têm de ser
autorizados pela diretora.

Professora
de deputados

Também passam pela Diretoria de
Recursos Humanos casos de deslize funcional, para as devidas punições.
Sindicâncias administrativas, que podem culminar em afastamento temporário ou
em exclusão do funcionário do serviço público, podem ter como motivação
problemas que vão do alcoolismo ou de  psicopatias até a participação em
ilícitos administrativos ou criminais (já houve caso, até mesmo, de
envolvimento de servidor em tráfico de entorpecentes).

Para
acolher e ajudar servidores às voltas com dificuldades temporárias, a Câmara
criou o Programa de Valorização do Servidor (Pró-Ser), que também deve se
reportar à Diretoria de RH. Estarão ainda sob a responsabilidade de Madalena a
formação e o treinamento de servidores, bem como o monitoramento dos benefícios
do serviço médico da Câmara, atribuição compartilhada com a Secretaria
Executiva do Pró-Saúde. O Instituto de Previdência dos Congressistas (IPC) ?
[zumbi] que, mesmo extinto em
1999, desde então já engoliu R$ 2 bilhões, como revelou a Revista
Congresso em Foco
 ? também fica sob controle da Diretoria
de RH.

Para Madalena, sua escolha é
natural e não deveria ser objeto de divulgação jornalística: [Fui professora de
vários deputados na universidade. Se eles me indicaram, é porque eles acham que
eu sou competente para assumir. Isso uma questão administrativa. Foi escolha do
presidente. Na verdade, eu não tenho nada a dizer para ser digno de registro e
isso sair em jornal?. Ela admitiu proximidade com deputados evangélicos: [São
deputados que conheço há tempo. Como sou servidora há 31 anos, nada mais justo
de que um dia ser [promovida]? Faz parte, vários servidores fazem carreira e um
dia chegam a cargos de comando. Toda honra e toda glória seja dada a Deus,
primeiramente. Só estou esperando que Deus me ajude e me dê capacidade para
fazer jus [à indicação] e fazer uma boa gestão onde fui colocada pelo
presidente [Eduardo Cunha]?, finalizou Maria Madalena da Silva Carneiro.

Identidade
religiosa não

Servidores
da Câmara ouvidos pelo Congresso em Foco entendem que
a nomeação de Madalena é mais um passo no sentido de tirar da Casa
aquilo que ela tem de mais profissional. Madalena também já se desentendeu
com o diretor-geral, Sérgio Sampaio, após anunciar que vai trocar o
diretor do Departamento de Pessoal (Depes), cargo nomeado pelo
diretor-geral.

O deputado Chico
Alencar (Psol-RJ), que é católico, mas discorda do uso das dependências da
Câmara para a realização de cultos, ressalta a necessidade de respeitar o
caráter laico do Estado e a autonomia técnica dos profissionais de carreira no
funcionamento da Casa. Por isso mesmo, é contra a entrega da chefia da
comunicação a um deputado. ?Um absurdo, um atropelo?, disse ele ao
 site.

Ele também demonstrou
preocupação com a indicação para a Diretoria de Recursos Humanos. [A gente
precisa analisar. Indicar alguém da Casa, com longo tempo de serviço, tudo bem.
Se isso significar até boa experiência para o coletivo, também tudo bem. O que
não pode haver é escolha por critérios de simpatia partidária e, muito menos,
de identidade religiosa], declarou Chico, reafirmando sua objeção aos cultos e
avisando que vai questionar no colégio de líderes, [quando necessário],
iniciativas da Mesa Diretora.

[Quem quiser professar sua fé,
que o faça em suas igrejas ou até em praça pública. Aqui não é adequado. No
aeroporto Tom Jobim, no Rio de Janeiro, tem uma capela ecumênica onde quem quer
fazer sua oração, sua meditação, qualquer que seja o credo, vai. Até os ateus,
se quiserem um momento de silêncio, de reflexão, também se sentem acolhidos ali?,
acrescentou. [Temos de ter cuidado para não colocar a nossa convicção pessoal,
subjetiva, religiosa, além da nossa vinculação partidária para presidir uma
série de iniciativas aqui na Casa. Temo que o presidente da Câmara esteja se
deixando levar por esse tipo de procedimento.]

Já o deputado Bruno Araújo
(PSDB-PE) lembrou que o Brasil é um país laico, que preserva a liberdade
religiosa, e relativizou a questão da fé. [A religião de quem ocupa postos
importantes não é o que deve doutrinar a ação da função pública, e sim a sua
competência, a sua história e os seus compromissos com objetivo de que aquele
cargo necessita. Qualquer que seja a religião, em um país que tem a sua
separação de estados e o respeito à diversidade religiosa, é algo que tem o
nosso respeito], ponderou o tucano, com a ressalva de que limites têm de ser
observados.

Ele prosseguiu: [Só vejo
problema [na indicação de Madalena] se houver desvio de função ou a utilização
do cargo em prol da religião. Aí, sim, é um desvio. Mas qualquer brasileiro tem
a sua religião, e sua religião tem que ser respeitada no exercício das funções],
acrescentou Bruno.

A
reportagem procurou Eduardo Cunha para comentar sua indicação à Diretoria
de RH, por e-mail e por mensagem de celular, mas até o momento não recebeu
resposta. O site se mantém à disposição para registrar a visão
da presidência da Câmara sobre o assunto. (Congresso em Foco)

Foto: Agência Câmara

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