Liberdade leva ao controle e proibição leva à corrupção

Quando o ministro Dias Toffoli tomou posse na
Presidência do Tribunal Superior Eleitoral, o comentário geral foi de que seria
uma gestão sem surpresas. Afinal, “Toffoli está na praia dele”, como muitos
disseram. O ministro é um grande estudioso de Direito Eleitoral e é um dos mais
conceituados especialistas do país no assunto. Não esconde de ninguém que é a
sua matéria favorita e é difícil encontrar tema eleitoral sobre o qual o
ministro já não tenha proferido palestra, escrito ou discutido.

E Toffoli enxerga na praia dele um sintoma que vem
surgindo com cada vez mais intensidade nas demais esferas da sociedade: uma
tutela exagerada do Estado. Ele vê na Justiça Eleitoral traços que considera
possíveis de se identificar na atuação estatal dentro do quadro institucional
brasileiro.

Afirma, por exemplo, que a intromissão do poder do
Judiciário no processo eleitoral começou no fim dos anos 90, com a edição da
Lei 9.504/1997. A lei, explica o ministro, trouxe as figuras da captação
ilícita de sufrágio, deu ao Judiciário mais possibilidades de cassação de
mandato e abriu o leque de possibilidades de impugnação de campanhas. O
resultado, conta Toffoli, é que muitos comitês de campanha ficam arregimentando
provas para, a depender do resultado da eleição, impugnar a candidatura do
eleito. É a transformação da Justiça em terceiro turno: a lei que existia para
regular passou a ter a função de interferir.

O mesmo fenômeno pode ser enxergado fora da Justiça
Eleitoral. Para o ministro, a ampliação do rol de atividades proibidas
prejudica a democracia, pois leva à criação de ?setores espúrios da sociedade
que acabam contaminando o Estado também?.

Para o ministro, a Justiça só deve agir e interferir
?quando o gol for de mão, ou quando a jogada for manifestamente ilegal?.
“A liberdade leva ao controle e a proibição leva à corrupção.”

Ministro do Supremo Tribnal Federal desde 2009, Toffoli
foi também Advogado-Geral da União e subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa
Civil, sempre em governos do prsidente Luís Inácio Lula da Silva. Antes disso,
atuou por longo tempo como advogado do Partido dos Trabalhadores, função em que
acumulou seu cabedal de experiência em matéria eleitoral.

Também participou da entrevista o jornalista Márcio
Chaer.

Leia a entrevista:

ConJur ? Existe uma intervenção exagerada do Estado na
vida cotidiana das pessoas?

Ministro Dias Toffoli ? A cada dia que passo como juiz
me convenço mais que a liberdade é fundamental. Essa tutela demasiada do Estado
em relação ao cidadão só tem se ampliado, e isso é muito ruim para a sociedade
e para a democracia. Inclusive, sou a favor da legalização do jogo, da
legalização das drogas, do fim da criminalização do aborto. Todas essas
proibições do Estado, que dizem respeito à vontade individual do cidadão, à
liberdade individual do cidadão, levam à criação de setores espúrios da sociedade
que acabam contaminando os aparelhos de Estado também. Pensando sobre isso
acabei formulando uma frase: A liberdade leva ao controle e a proibição leva à
corrupção.

ConJur ? A legislação eleitoral também vai por esse
caminho em relação ao eleitor?

Dias Toffoli ? Desde a redemocratização, a cada eleição
o Congresso Nacional foi editando normas cada vez mais restritivas e ampliando
os meios que permitem à Justiça Eleitoral declarar a cassação de mandatos e a
perda de diploma. Esta é a primeira eleição em que a lei, aprovada no ano
passado, vem diminuir essa possibilidade de casos ou hipóteses em que a vontade
popular possa ser decidida em um terceiro turno através do Poder Judiciário.
Por exemplo, o fim do recurso contra expedição de diploma em duplicidade com a
ação de impugnação de mandato eletivo: o Congresso revogou esse dispositivo em
dezembro de 2013. E ela estabeleceu parâmetros mais razoáveis para prestação de
contas. Ou seja, a possibilidade de o próprio estrato bancário identificar o
doador, e não ser necessária aquela enormidade de recibos eleitorais. Mas essa
é uma lei que ainda não decidimos se vai se aplicar às eleições deste ano ou
não. Teve um voto favorável à aplicação, do ministro João Otávio, mas o
ministro Gilmar pediu vista.

ConJur ? A lei veio no sentido de facilitar mesmo.

Dias Toffoli ? Essa lei aliviou algumas das exigência
múltiplas que eram feitas, facilitando inclusive um controle maior sobre a
propaganda e sobre a prestação de contas, desburocratizando. A
desburocratização facilita o controle. Mas é fato que o arcabouço jurídico que
hoje temos em vigor na área eleitoral está levando a que toda eleição seja
judicializada. Inclusive as campanhas já se preparam com equipes jurídicas para
impugnar aquele que vai vencer e tentar dar pose ao segundo colocado. A Justiça
Eleitoral não pode cair na tentação de se assumir como tutora de todo e
qualquer processo eleitoral.

ConJur ? E como ela deve agir?

Dias Toffoli ? Quando o gol for de mão, quando a jogada
for absolutamente ilegal, dar o cartão vermelho. Mas a Justiça Eleitoral existe
muito mais para evitar os abusos que aconteciam antes. No inicio da década de
90, a legislação eleitoral visava a dar instrumentos para coibir os abusos
durante o processo eleitoral. A partir da introdução da reeleição e da Lei
9.504, de 97, com a lei da captação ilícita de sufrágio, com as legislações do
século XXI introduzindo cassação por arrecadação e gastos ilícitos de campanha,
foi ampliado este arcabouço que deu à Justiça Eleitoral a possibilidade
intervir no processo eleitoral.

ConJur ? Então era uma Justiça que existia para coibir
abusos e hoje existe para intervir.

Dias Toffoli ? E o que tem ocorrido? Durante o processo
eleitoral ninguém apresenta denúncia. Os partidos vão arregimentando provas
para, conforme o resultado, apresentar à Justiça Eleitoral. Ou seja, as
campanhas ficam meio de tocaia verificando se há o abuso e vão recolhendo
provas. Em vez de já pedir uma intervenção para coibir o abuso ? como ocorria
antes, como instrumento principalmente da ação de investigação judicial e
eleitoral, que se dava durante o processo eleitoral ? hoje em dia o que acaba
ocorrendo é que as campanhas se estruturam para depois querer ganhar no
terceiro turno da Justiça.

Conjur ? Nesse espírito da tutela fez-se a Lei da Ficha
Limpa, uma forma de dizer ao eleitor em quem ele pode ou não votar. Quatro anos
depois de aprovada, qual o saldo da lei? As eleições ficaram mais limpas ou só
mais judicializadas?

Dias Toffoli ? Se olhar sob a ótica do custo de campanha,
elas estão cada vez mais caras. E se pensar que dinheiro em campanha não é uma
coisa boa, elas estão cada vez mais sujas. Ampliou-se muito a base democrática.
Basta lembrar que a primeira eleição em que mais de 11 da população votaram
para presidente da República foi em 1945. Na última eleição antes do golpe
militar, de 1960, 22 da população votaram. Hoje temos uma base de eleitores de
72 da população. Ao mesmo tempo, o capital vem disputar este espaço da
formação daqueles que serão os dirigentes, que vão formar o Estado e que,
portanto, vão mediar a relação entre o capital e o cidadão.

ConJur ? O que isso quer dizer?

Dias Toffoli ? O capital, cada vez mais, age fortemente
no processo eleitoral. As campanhas estão absolutamente milionárias, afastando
pessoas que teriam votos de opinião, que hoje se sentem desestimuladas porque
para ser candidato ao Congresso tem que passar o pires entre empresas para
poder arrecadar fundos, e com isso se comprometer com coisas que elas não
querem. Teríamos que, em vez de focar nessa ideia da ficha limpa ou ficha suja,
olhar para o controle no financiamento de campanha. É fundamental estabelecer
um teto para os gastos de campanha para permitir que essas pessoas interessadas
no debate e não querem passar o chapéu possam voltar a participar da vida
pública brasileira.

ConJur ? Uma questão interessante que o senhor propôs
numa entrevista coletiva foi sobre a escolha dos pré-candidatos de cada
partido.

Dias Toffoli ? Sim, com certeza. No Brasil se lutou
tanto para se eleger presidente, pela redemocratização, as campanhas das
diretas e hoje nós temos campanha para presidente. Basicamente nós temos uma
eleição presidencial que se avizinha em que as pesquisas de opiniões apontam
três nomes, todos absolutamente respeitáveis, grandes líderes. Mas o processo
de escolha desses nomes não são democráticos: quem apresenta esses nomes são
seus respectivos partidos, depois de uma decisão de cúpula. E no Brasil não se
tem uma discussão por parte dos partidos de se colocar na sociedade uma
discussão aberta desses nomes. Então, 
apesar de termos eleições diretas para presidente, o que ocorre é que o
universo de pessoas que estão disputando foi escolhido por poucas pessoas.
Teríamos que pensar, para oxigenar nossa democracia, num sistema que
introduzisse algo como uma eleição anterior, uma disputa que permitisse aos
partidos apresentar eventuais candidatos antecipadamente à população.

ConJur ? Mas os políticos têm interesse em reformar o
sistema que os levou até onde eles estão?

Dias Toffoli ? Maurice Duverger escreveu no fim da
década de 1940, pouco depois da introdução das eleições proporcionais no
Brasil, que a base proporcional leva à pluralidade partidária e à dificuldade
de se formar maiorias. E que a existência de um segundo turno também leva a uma
pluralidade partidária e dificuldade de formar maioria, na medida em que as
forças só vão se arregimentar em um eventual segundo turno. O Brasil optou por
uma base proporcional, e na Constituição de 1988 se manteve a base proporcional
e se introduziu o segundo turno. Ou seja, se agudizou no Brasil a pluralidade
partidária, o que leva a um sistema de ampla facilidade de criação e de
existência de partidos políticos, que depois se compõem para formar as maiorias
de acordo com a linha de governo que venha a ser vencedora nas urnas. Isso
ocorre da prefeitura, ao governo de estado e à Presidência da República. É
muito difícil que o próprio Congresso faça essa discussão, já que são eleitos
por esse sistema. E uma mudança deste sistema passaria necessariamente por uma
grande mudança na maneira de escolha dos candidatos.

ConJur ? O caso do mensalão tratou das relações, pouco
transparentes, de empresas privadas com partidos políticos e candidatos. É esse
hoje o principal problema das campanhas?

Dias Toffoli ? Quando falamos em financiamento de
campanha sempre gosto de colocar o conceito mais amplo. Na verdade, é quem
financia a democracia. E dou um exemplo: houve a ampliação da base democrática,
ou seja, não é mais uma aristocracia dos 10 do letrados da população
brasileira que votam, são 70 que vão às urnas e votam. E a massa desses 70
são pessoas que não têm as necessidade básicas atendidas pelo Estado brasileiro
ou pelo mercado. No Brasil de 200 milhões de habitantes, temos aí 50 milhões
que estão em uma seara de conforto, de atendimento. E mesmo assim você tem que
contratar o seu seguro saúde, segurança pessoal. A maior parte da população é
realmente desassistida de serviços, de meios e de acesso a uma educação e saúde
com qualidade. Essas pessoas vão às urnas e evidentemente muitas vezes em sinal
de protesto. Vão tentar exatamente criar, por meio do voto, uma condição melhor
de vida. Nada mais legitimo e correto. O capital vai atrás desse voto. E ele
apresenta candidatos que vão defender os interesses deles, muitas vezes
travestidos de interesse popular. É isso que ocorre com a interferência do
capital. Então, é o capital interferindo diretamente na democracia. Eleições
limpas, para mim, são eleições baratas. Eleições caras são eleições sujas.

ConJur ? A jurisprudência do TSE trata as redes sociais
como se fossem veículos de comunicação, para fins de propaganda eleitoral.
Houve uma mudança em relação ao Twitter. A tendência é que isso se amplie para
os demais sites de relacionamento?

Dias Toffoli ? Esse é um tema difícil porque é novo. É
um tema em que se colocam esses conceitos de redes sociais e a amplitude deles.
O que prevaleceu no caso do Twitter, inicialmente, foi de que era possível
fazer propaganda através do Twitter. Depois, uma posição mais recente, que um
voto vencido meu depois virou vencedor, no sentido de que o Twitter é uma rede
fechada entre aquelas pessoas que estão conectadas. Então seria como uma
conversa entre amigos, uma sala, uma casa, um lugar de trabalho ampliado. E não
se pode impedir que as pessoas discutam políticas e lá digam as suas
preferências. Portanto penso que a rede social deveria ser tutelada apenas e
tão somente naquelas hipóteses em que se veiculam ofensas, calúnia, difamação e
injúria, e a mentira deslavada. Aí sim poderia haver uma intervenção da Justiça
Eleitoral. E não como ainda hoje há a possibilidade pela lei de se tutelar
campanhas antecipadas e debates políticos. Ora, isso é lícito. Debater política
é tudo que a gente mais gostaria que a população fizesse cada vez mais.

ConJur ? E a respeito da internet, de forma geral, é
possível tutelar o que se fala nela?

Dias Toffoli ? Oque a Justiça pode e deve controlar nas
redes sociais e na internet é aquela mentira deslavada e a ofensa, a calunia, a
injúria e a difamação. Que inclusive há previsão do próprio direito de
resposta. Agora, a discussão política, os debates, a liberdade de expressão
sobre quem acha que é melhor ou pior para o país, para um governo, para uma
prefeitura, eu penso que isso deve ser permitido na internet. Não há que se
coibir o debate político, a discussão política, que é saudável. O que tem que
se coibir é aquela inverdade manifesta, ou seja, a mentira deslavada e as ofensas.

ConJur ? Há diferença entre o que publica um veículo de
comunicação profissional e um, digamos, de leigos, que estão fazendo as vezes
de jornalistas?

Dias Toffoli ? A diferença maior se dá entre os veículos
concedidos, que são rádio e televisão, dos veículos não concedidos, o jornal
impresso e, hoje, a mídia pela internet. Quando se fala nos veículos de
comunicação há sempre que fazer essa distinção, porque a vedação de emitir
pedido de voto, opinião ou defender determinada candidatura, ou falar contra
determinada candidatura atinge exclusivamente os meios de comunicação
concedidos pelo Estado: rádio e TV. Um grande jornal ou uma grande revista de
circulação nacional, podem inclusive dizer que apoiam determinado candidato à
Presidência da República, não há vedação para isso. O que não se pode fazer são
as ofensas e o abuso. Óbvio que se todo dia tiver um editorial na primeira
página de um jornal de circulação nacional defendendo determinada candidatura,
isso pode ser considerado um abuso.

ConJur ? Um jornalista que conhece os personagens da
política há longos anos tem elementos suficientes para dizer que um determinado
candidato é um vigarista e que outro é digno de ser eleito. Ele pode ou não
pode manifestar essa convicção em um veículo de comunicação?

Dias Toffoli ? Nos veículos impressos e na internet a
liberdade é ampla, desde que não descambe para a ofensa ou para uma mentira
deslavada. Nas rádios e televisões, a partir de julho, a restrição é maior. A
própria Lei 9.504 estabelece que esses veículos passam, a partir de julho, a
não poder emitir opiniões favoráveis ou contrárias a candidaturas e a partidos
políticos. Então, existe nesses veículos um freio maior. Muito embora
recentemente, nas eleições de 2010, em um julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade,
o Supremo tenha dado uma flexibilidade a isso em relação aos programas de
debates jornalísticos. De outra forma ficaria impossível a discussão política
em um debate jornalístico na imprensa através de rádio e de televisão. Em
resumo, o que deve prevalecer é o bom senso.

ConJur ? O TSE tradicionalmente faz campanhas, ou para
induzir a que se vote ou a que não se vote nulo etc. Como vão ser essas
campanhas na gestão do senhor?

Dias Toffoli ? Eu penso que a Justiça Eleitoral existe
exatamente para preservar a liberdade de voto do eleitor, e não é a própria
Justiça Eleitoral que deva fazer campanhas moralistas dizendo ao eleitor como
ele deve votar. O que se deve incentivar é a participação nas urnas. Assim, a
campanha iniciada pelo meu antecessor, o ministro Marco Aurélio, está adequada.
É uma campanha para chamar as pessoas às urnas sem dizer como elas devem votar.
A liberdade é do cidadão. ?Vem para urna você também.?

ConJur ? No julgamento da última ação penal ajuizada
contra o ex-presidente Collor o senhor votou pela absolvição mesmo havendo a
prescrição em duas das três acusações. O senhor defende que o mérito de
questões criminais seja sempre analisado por conta da possibilidade de
absolvição?

Dias Toffoli ? Se for em benefício do acusado, sim. Uma
pessoa que ficou respondendo na Justiça por anos está pagando um preço dessa
acusação. E aquela nota de que ele foi absolvido porque o Estado demorou em
julgá-lo deixa uma brecha sempre: ?Será que é ou será que não é?? E se vai se
julgar favorável e já se fez a analise, por que então não declarar que no
mérito ele não cometeu o crime? Então sou favorável à análise do mérito, porque
se dá efetividade ao princípio constitucional da presunção de inocência. Ainda
mais nesse mundo de hoje em que os fatos ficam acessíveis na internet. Pelo
menos fica o registro de que não havia materialidade. No caso do Collor eu
votei pela ausência de tipicidade daquilo que foi apontado como crime pelo
Ministério Público.

ConJur ? No dia em que o Supremo decidiu transferir para
as turmas a maior parte de sua competência penal, o ministro Marco Aurélio
disse que a melhor solução seria acabar com a prerrogativa de foro. O senhor
concorda?

Dias Toffoli ? Eu sempre disse que a prerrogativa de
foro não era privilégio nenhum, pelo contrário. Se diminuem os números de
instâncias, a possibilidade de prescrição também diminui, porque o julgamento
acaba sendo mais célere. Achava-se que era um privilégio por conta da imunidade
formal que vigorava até 2001. De 2001 para cá as coisas começaram a andar,
começaram a ser julgadas, e aconteceram várias condenações de parlamentares. Ou
seja, nessa perspectiva, o foro por prerrogativa não é privilégio nenhum.

ConJur ? Então o senhor defende a continuidade da
prerrogativa de foro?

Dias Toffoli ? Defendo o foro, porque vivemos em uma
federação. Se nós vivemos em uma federação, quem deve julgar estas autoridades
que estão falando em nome da nação não pode ser o poder local. Tem que ser
então um foro, um órgão na nação brasileira, e no caso a opção da Constituição
foi pelo Supremo Tribunal Federal. Temos muito trabalho? Temos. Temos uma
quantidade desumana de processos para analisar? Temos. Historicamente temos
dado conta? Temos. Então, que julguemos isso, e essa mudança para turma vai dar
mais celeridade ainda. Talvez isso até incentive o Congresso a aprovar uma
emenda constitucional acabando com o foro por prerrogativa de função. Mas eu
sou favorável ao foro de prerrogativa como existe hoje.

ConJur ? Com o julgamento do mensalão o Supremo
sinalizou que passaria a aplicar a lei com mais vigor do que a jurisprudência
brasileira jamais aplicou. O senhor acha que isso se reverteu, ou se reverterá,
num sistema político partidário mais honesto?

Dias Toffoli ? O julgamento da Ação Penal 470 não
repercutiu no processo político brasileiro como alguns talvez pensassem que
repercutiria. Aquele julgamento, por si só, não altera os padrões que hoje nós
verificamos no processo político brasileiro.

ConJur ? É possível dizer, então, que a orientação do
Supremo nesse julgamento alterou a forma de julgar dos demais juízes ou
tribunais?

Dias Toffoli ? Também não. Os juízes e os tribunais
continuaram a julgar de acordo com as leis brasileiras e com a Constituição,
mas dentro da linha de visão de cada qual. Não vejo como o caso da Ação Penal
470 tenha sido uma divisão na história da jurisprudência, um marco na história
do Brasil. Foi apenas e tão somente um caso complexo e trabalhoso.

ConJur ? Nem no Supremo foi um divisor de águas?

Dias Toffoli ? Não. Não foi o primeiro caso de
condenação de parlamentares, já havia outros casos. Aquela história que se diz
que ?havia impunidade, agora não há mais? é uma tremenda balela. A questão é
que a Constituição vedava o processamento, até 2001, de parlamentares. Só a
partir de 2001, com alteração na Constituição por emenda constitucional, é que
os inquéritos começaram a ter prosseguimento no Supremo. Antes eles ficavam
represados. Então não é que havia uma impunidade anterior, havia uma imunidade
formal que a Constituição dava aos parlamentares. Eles só poderiam ser
processados mediante autorização da Casa Legislativa da qual fizesse parte. Com
o fim dessa imunidade, os processos no Supremo Tribunal Federal começaram a
tramitar.

ConJur ? Em termos de paradigma, o que o julgamento da
AP 470 ensinou?

Dias Toffoli ? Para mim, o julgamento da Ação Penal 470
foi um julgamento como outro qualquer. Não é um paradigma, não é uma mudança na
história. Vai existir um Brasil antes e um Brasil depois desse julgamento? De
maneira nenhuma.

ConJur ? Mas no sentido de se descobrir, por exemplo,
que o Supremo não está aparelhado para julgar um processo desse tamanho.

Dias Toffoli ? Não. Tanto está aparelhado que julgou.
Talvez se estivesse na primeira instância é que esse caso não tivesse sido
julgado. Aliás, outros casos referentes ao mesmo episódio ou episódios
correlatos da Ação Penal 470, que foram para a primeira instância, só começaram
a ser julgados depois da decisão do Supremo. Ou seja, o Supremo Tribunal
Federal se mostrou aparelhado, adequado, competente e julgou a tempo e a hora o
caso da ação penal 470.

ConJur ? Mas o julgamento das matérias com repercussão
geral foi prejudicado.

Dias Toffoli ? Evidente que não há possibilidade de
duplicar o tempo. Daí que essa decisão trouxe aprendizados. Primeiro,
desmembrar os processos penais no Supremo, para ficar só os réus que têm
prerrogativa de foro. Segundo, que não precisa do Plenário para julgar ação
penal. São casos individuais, não são teses jurídicas para a nação brasileira,
não são sumulas vinculantes. São julgamentos de pessoas, que se não fosse o
foro por prerrogativa estariam sendo julgados por um juiz de primeira instância
sozinho, monocraticamente.

ConJur ? Quando o senhor foi indicado para ser ministro
do Supremo, muito se questionou a respeito da idade, ou da sua experiência no
campo do Direito. Como o senhor avalia isso?

Dias Toffoli ? Entendo ser absolutamente natural que
pessoas que não me conheciam ou que ainda não me conhecem mais de perto, que
não leram o meu trabalho, que não tiveram a oportunidade de ter um contato mais
próximo com os trabalhos que eu já tinha feito anteriormente até chegar à
Advocacia-Geral da União, tenham algum receio, preconceito ou até alguma
restrição. Até porque no nosso país existe sempre aquela ideia da titulação: o
cidadão que não é titulado é um incapaz, é um derrotado. Na minha sabatina
respondi aos senadores que me perguntaram sobre titulação que na Suprema Corte
dos Estados Unidos não havia nenhum juiz com mestrado. Isso era em outubro de
2009. Hoje há alguns com pós-graduação. É um olhar de uma visão mais prática.
Um colegiado deve ter pessoas com titulação, deve ter pessoas da academia, deve
ter pessoas com origem no Judiciário, no Ministério Público e pessoas com
vivência na gestão do Estado. E o Supremo Tribunal Federal sempre foi
preenchido dessa forma. E a minha história sempre foi prática, eu nunca neguei
para ninguém que não sou uma pessoa da academia, eu não venho de formação da
pós graduação, já fui professor, também dou aula de vez em quando, mas essa não
é a minha vocação. Eu fui um advogado militante e tenho uma vivência prática.
Sempre tive certeza de que essa vivência seria muito saudável e me daria
condições para desenvolver um bom trabalho no Supremo Tribunal Federal. Basta
ler os meus votos, ver como eu me comporto nas sessões. Acho que isso aos
poucos foi permitindo que aquelas pessoas que não me conheciam passassem a ter
uma visão mais clara sobre quem eu sou. 

Pedro Canário é editor da revista Consultor Jurídico em
Brasília.

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