Nessa Copa já houve coisa que Deus duvidava. Chilenos
ensandecidos invadindo o Maracanã num típico efeito manada e desembocando sem
querer sobre telas, câmeras, computadores e um batalhão de jornalistas do mundo
inteiro na central de cobertura dos jogos. A seleção croata fotografada em nu
frontal na Bahia com direito a blur peniano. Yellow blocs (o novo sinônimo de
almofadinhas, substituindo precocemente os coxinhas) em Sumpaulo protestando
com ira profunda por pagar milhares de reais pra ver o Brasil jogar num
camarote VIP e ao chegar lá descobrir que ao invés de 200 havia quatro mil
pessoas no espaço ostentação. Pior: o champagne e as coxinhas com recheio de
ossobuco, iguaria na moda entre os phynos, tinham que ser pagos por fora. E
ainda: as filas dos caixas eram quilométricas. Um horror para gente cujo
sacrifício maior na vida talvez tenha sido pegar uma fila para entrar num
bateau-mouche. Em Paris, claro, e com sotaque e beicinho.
O corolário de coisas improváveis já ocorridas na Copa é
tamanho e já foi tão batido que é melhor deixá-lo de lado para esperar novos
casos, que não param de surgir nas manchetes, como se produzidos por geração
espontânea. Ah, mas um deles merece, sim, uns pontinhos extras nos is da
imprensa, tamanho o caráter estapafúrdio do episódio, principalmente entre os
próprios jornalistas, cuja função no mundo, com raras exceções, é serem pagos
para achar erros nos quintais alheios. Pois desta vez um jornalista,
brasileiro, Mario Sérgio Conti, entrou para a seção ?errou feio, errou rude?,
quando achava que tinha um furo jornalístico no teclado. Simplesmente fez e
publicou uma entrevista com um falso Felipão.
Uma das máximas do jornalismo é que jornalistas nunca
podem ser notícia. E uma constatação óbvia que todo leitor pode fazer é a de
que a imprensa não cobre a si mesma, seus bastidores. Pois Conti violou as duas
convenções de uma vez só. Não é que ofereceu uma entrevista falsa à Folha de S.
Paulo e ao Globo e ela foi publicada? Não só ele próprio virou uma big notícia
como obrigou os colegas a cobrir de algum jeito uma história que escapou dos
bastidores. Sorte parcial que a publicação se deu apenas nas versões online dos
dois veículos, ainda na noite de quarta-feira. Publicaram o quanto antes para
dar o furo de uma entrevista exclusivíssima em tempos de Copa. Não fosse o
alerta quase tardio de um repórter, o tal furo seria publicado também nas
versões impressas da quinta-feira.
Não é que o moço, um dos jornalistas mais respeitados do
país (aqui virão os comentários do tipo ?só se for entre o povo do PIG?,
expressão mais caída que as estátuas de Lenin e Stalin no mundo) provou para o
mundo que não sabe diferenciar Felipão, um rosto reconhecível até por fetos
anencéfalos, de um sósia? Entrevistou um imitador a sério acreditando tratar-se
do original. E não é que, mesmo após a Folha e O Globo pedirem desculpas aos
leitores e o próprio Conti admitir o erro (com a Folha tendo um prejuízo
financeiro fenomenal por destruir mais da metade de sua tiragem impressa já
pronta, para não chegar às bancas na quinta com o mico), muitos coleguinhas que
se acham a última coca-cola gelada do deserto ainda batiam pé firme nas redes
sociais jurando que Conti não tinha se enganado coisa nenhuma, que sempre soube
tratar-se de um sósia e que o texto era uma bela e óbvia ironia? Ah se essa
patacoada tivesse sido coisa de um estagiário. Aí queria ver essa
condescendência cega toda ou essa santa inocência. Quer dizer, então, que jornalista
macaco velho de imprensa não erra, né? Faz ironia e o leitor ou editor é que
não entende. Ah, tá! Conta outra e faz-nos rir. Alto.
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Malu Fontes é jornalista e professora de
jornalismo da Ufba; maluzes@gmail.com