Donos de rádio e TV formarão bancada de pelo menos 26 parlamentares no novo Congresso

O fenômeno não é novo, já foi objeto de inúmeras pesquisas e
publicações e atualmente é alvo de ações no Supremo Tribunal Federal (STF).
Ainda assim, concluídas quase duas décadas do novo século, a Justiça brasileira
não deu nenhuma resposta definitiva e republicana ao chamado [coronelismo
eletrônico] (ou quando políticos eleitos mantêm concessões públicas de
radiodifusão). São 20 deputados federais, seis senadores e um governador
nominalmente vinculados a veículos de comunicação nesta nova legislatura. Além
de outros que mantêm ligações familiares e/ou profissionais com grandes redes
de comunicação.

No levantamento realizado pelo Intervozes[1], a Bahia
aparece como o estado com maior número de eleitos que mantém concessões de
rádio e TV: três no total. Os deputados federais reeleitos Félix Mendonça (PDT)
e José Rocha (PR), que foram apontados em levantamento semelhante, realizado no
início de 2015 – e que deu origem a Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF) 379/2015 – seguem figurando no quadro
societário de empresas radiodifusoras, à revelia da lei. Eles são sócios
proprietários, dentre outras, da Rádio FM Macaubense e da Rio Alegre
Radiodifusão, respectivamente.

Além de manterem concessões em seus nomes, ambos mantêm
parentes como sócios em empresas de radiodifusão: a Rádio Litoral Norte FM
(Rádio Sociedade da Bahia) está em nome de Maria Helena Almeida Mendonça, mãe
de Felix Mendonça; e a Rádio Rio São Francisco Radiodifusão, no município de
Bom Jesus da Lapa, está em nome de Noelma Cleia Bastos Azevedo Rocha, esposa de
José Rocha. Já Leur Lomanto Jr. (DEM-BA), que antes era deputado estadual e
agora representará a Bahia no Congresso, é proprietário da Rádio Jequié FM.

Estados como Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí e
Rio Grande do Norte também diplomaram políticos diretamente ligados a empresas
de radiodifusão.

Os deputados federais reeleitos Domingos Neto (PSD-CE), João
Marcelo (MDB-MA), Dr. Damião (PDT-PB), Efraim Filho (DEM-PB), Júlio Cesar
(PSD-PI), Átila Lira (PSB-PI), Fábio Faria (PSD-RN) e o eleito João Maia
(PR-RN), que volta à Câmara após quatro anos, fazem parte de um leque amplo de
parlamentares que possuem concessões de rádio e televisão no Brasil. Além
desses, há o já bem conhecido caso do deputado federal reeleito Gonzaga
Patriota (PSB-PE), dono da Rede Brasil de Comunicação.

O caso de João Maia é no mínimo curioso. Ele declarou ao TSE ser sócio da Estação Jardim FM. No
entanto, o CNPJ da empresa não consta do cadastro do Sistema de Acompanhamento
de Controle Societário (Siacco) da Agência Nacional de Telecomunicações
(Anatel), o que levanta suspeitas sobre a própria legalidade dessa concessão.

Mas se engana quem acha que o fenômeno do controle dos
veículos de comunicação por políticos se mantém circunscrito a estados do
Nordeste. Em São Paulo, o deputado federal Luis Felipe Tenuto Rossi,
popularmente conhecido como Baleia Rossi, que já é alvo de ação do MPF por fazer
parte do quadro societário das emissoras Rádio Show de Igarapava e Rádio AM
Show, manteve-se no cargo, ao ser reeleito em 2018.

Suas duas rádios tiveram as licenças canceladas pela
Justiça, em 2016, por entendimento de que poderia haver tráfico de influência e
mau uso das concessões para fins políticos. À época, a Justiça de São Paulo
também cancelou as concessões de Beto Mansur (MDB-SP), proprietário da Rádio
Cultura FM Santos, da Sociedade Rádio Cultura São Vicente e da Empresa de
Comunicação PRM. Mansur não conseguiu se reeleger em 2018.

Em 2019, o nome de Baleia Rossi segue aparecendo no quadro
societário da Rádio AM Show junto com outros quatro sócios. Aparentemente, todos
membros da família do deputado.

A decisão da Justiça de São Paulo é resultado de uma
estratégia que se iniciou em 2015, a partir de representações públicas
propostas por organizações sociais ao MPF. Vários estados promoveram ações
civis públicas para cancelar as concessões de políticos eleitos. Em muitos
casos, houve decisão em primeira instância pelo cancelamento das concessões; em
outros, houve a saída do político do quadro societário da empresa.

Além de São Paulo, políticos de Minas Gerais como os tucanos
Rodrigo de Castro (deputado reeleito) e Aécio Neves, que troca o Senado pela
Câmara, possuem seus nomes vinculados ao Siacco. Vale lembrar que Aécio Neves vendeu as cotas de participação na Rádio
Arco-Íris à sua irmã Andréa Neves
,
 em setembro de 2016, depois
de ter sido acionado pelo MPF de Minas Gerais. Ao que tudo indica os documentos
relativos à concessão não foram atualizados junto a Anatel, o que já constitui
irregularidade.

Em Goiás, a deputada reeleita Magda Mofatto (PR-GO) aparece
como sócia da Rádio e Televisão Di Roma. Na região Sul os deputados Ricardo
Barros (PP-PR) e Rubens Bueno (PPS-PR) também aparecem como sócios de empresas
de radiodifusão, juntamente com o senador eleito Jorginho Mello (PR-SC).

E por falar em senadores, a bancada da radiodifusão formada
também por eles, recebeu uma nova leva de eleitos em 2018 que possui concessões
em seu nome.

São eles Arolde de Oliveira (PSD-RJ), que é sócio da Rádio
Ritmo e ainda possui outras empresas ligadas ao ramo como a MK Comunicações, e
Jorginho Mello, já citado, que é sócio da Rádio Santa Catarina. Eles não são
exatamente novatos: Arolde de Oliveira foi deputado federal pelo Rio de Janeiro
por nove mandatos consecutivos e Jorginho Mello já figurava entre os políticos
citados na ADPF 379/2015 por manter concessões de veículos de radiodifusão.

Eles se juntam a um grupo já bastante conhecido de políticos
radiodifusores, como o senador reeleito Jader Barbalho (MDB-PA), dono da RBA
Rede Brasil Amazônia de Televisão, e dos senadores Fernando Collor (Pros-AL),
Tasso Jereissati (PSDB-CE), Roberto Rocha (PSB-MA), proprietários,
respectivamente, da TV e Rádio Gazeta de Alagoas; da TV e Rádio Jangadeiro, e
da Rádio Ribamar. Esses três últimos, embora não tenham sido eleitos em 2018,
seguem como representantes de seus estados no Senado.

No Norte do país também vale citar o desempenho eleitoral do
clã Barbalho, que além do senador Jader Barbalho, reelegeu a deputada federal
Elcione Barbalho (MDB-PA). Filho de Jader e Elcione, Helder Barbalho (MDB)
assumiu o governo do Pará, cargo já ocupado pelo patriarca, em 1º de janeiro.
Juntos, eles controlam uma extensa rede de comunicação que inclui concessões de
rádio e televisão, jornais diários e produtoras de conteúdo.

Lentidão da Justiça

O Artigo 54 da Constituição Federal é evidente ao dizer que
deputados e senadores não poderão ?firmar ou manter contrato com pessoa
jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia
mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato
obedecer a cláusulas uniformes?. E é a partir desta regra que organizações da
sociedade civil têm atuado para que se faça cumprir a Constituição.

Desde 2011 encontra-se no STF a ADPF 246, que argumenta
sobre a inconstitucionalidade da questão e solicita a revogação dos atos do
Poder Público relativos às concessões públicas de rádio e TV para políticos
eleitos. A ela se somou a ADPF 379, que atualiza os dados dos políticos
radiodifusores e incorpora pareceres produzidos no âmbito do Sistema de Justiça
nos últimos anos. Ambas as ADPFs estão sob a relatoria do ministro Gilmar
Mendes.

No último mês de dezembro, a procuradora-geral da
República, Raquel Dodge, deu novo passo rumo à consolidação da tese da inconstitucionalidade
de políticos serem sócios e/ou diretores em empresas de radiodifusão. Em
parecer enviado ao STF, no âmbito da ADPF 429/2018, ela afirma que há [[…]
potencial risco de que se utilizem dos canais de radiodifusão para defesa de
interesses próprios ou de terceiros, em prejuízo da escorreita transmissão de
informações, constitui grave afronta à Constituição brasileira].

A ADPF 429/2018 foi movida, no final de 2017, pela Advocacia
Geral da União (AGU), a pedido do então presidente Michel Temer (MDB). A
arguição pretendia impedir, por meio de medida cautelar, que novas decisões
sobre cancelamento de concessões fossem tomadas em primeira instância (como nos
casos de Beto Mansur e Baleia Rossi em São Paulo, já citados). O objetivo do
governo era fortalecer, por meio da arguição, a tese da legalidade das
concessões, garantindo que políticos de sua base aliada se mantivessem a frente
de veículos de comunicação. Uma jogada espúria do governo Temer contra a
própria democracia. Essa ADPF encontra-se sob a relatoria da ministra Rosa
Weber.

O parecer de Raquel Dodge reforça a tese das organizações
sociais e do próprio MPF e pode ser um passo importante para o futuro
cumprimento da Constituição. A partir de agora, espera-se que o próprio STF
agende a audiência para julgar as arguições e com isso ponha, de uma vez por
todas, fim à farra das concessões de rádio e TV em nome de políticos eleitos.

Ligações perigosas

Nem sempre a relação entre um político eleito e uma
concessão pública de rádio e televisão é explícita, embora na maioria dos casos
seja facilmente desvendada a partir de uma busca simples em órgãos públicos e
sistemas de controle societários.

Soraya Santos (PR-RJ), por exemplo, reeleita deputada em
2018, era sócia proprietária em 2015 da Rádio Musical de Cantagalo. Disse em entrevista à época que havia vendido a rádio para uma
igreja
. No Siacco, no entanto, a rádio consta em nome de Josias Goncalves
da Cruz e de Alexandre José dos Santos. Acontece que esse último é o esposo da
deputada Soraya Santos e também já exerceu mandato parlamentar, embora
atualmente seja apenas empresário. Em outras palavras, tudo em família!

Além de controlar a Rede Nossa Rádio, o deputado reeleito
Davi Soares (DEM-SP) é filho do empresário da fé Romildo Ribeiro Soares, mais
conhecido por R. R. Soares. Esse, por sua vez, é proprietário da Televisão
Cidade Modelo, também conhecida como Rede Internacional de Televisão (RIT).
Segundo o levantamento do Intervozes, R. R. Soares possui 13 empresas no ramo
da comunicação, entre concessões públicas, produtoras e empresas de TV a cabo.

O senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), que está na metade do
mandato no Senado, é membro de uma família proprietária de vários veículos de
comunicação, entre os quais, Rádio Marco Zero, TV Amazônia e Rede Amapaense de
Radiodifusão. Jayme Campos (DEM-MT), que está de volta ao Senado, já constou da
lista de sócios da Rádio Industrial de Várzea Grande. Ele não tem seu nome
listado no quadro societário, mas a empresa é mais uma que segue em família,
sendo controlada por seu irmão Júlio José de Campos, ex-deputado e
ex-governador, e sua sobrinha Consuelo Maria Pinto de Campos.

Entre os governadores, há o caso do paranaense Carlos
Roberto Massa Júnior, o Ratinho Júnior. Ele é filho do empresário, apresentador
e concessionário de emissoras de rádio e TV Carlos Roberto Massa, o Ratinho,
fundador e proprietário do Grupo Massa, que mantém a Rede Massa de Comunicação,
afiliada do SBT no Paraná.

Há ainda o caso dos políticos eleitos que são apresentadores
de programas de TV ? fenômeno que só cresce no Brasil. Ora apresentadores de
programas de variedades/celebridades, ora dos chamados programas policialescos,
eles têm ocupado cada vez mais espaço e destaque na política.

É possível citar alguns dos deputados federais eleitos em
2018 que são apresentadores, como Bibo Nunes (PSL-RS), que comanda alguns
programas em TV aberta e a cabo no Rio Grande do Sul, Amaro Neto (PRB-ES),
do Balanço Geral na TV Vitória, afiliada da Record. Também ganhou projeção
como apresentador de TV Wilson Lima (PSC), novo governador do Amazonas. Se
considerados os cargos regionais como deputados estaduais e vereadores, esse
número será ainda maior.

Infelizmente, com exceção da lei eleitoral que proíbe a
aparição nos programas durante o período de campanha, não há uma legislação que
impeça que políticos apresentem programas de rádio e televisão e, com isso,
alavanquem suas carreiras políticas. Se quisermos manter um nível de equilíbrio
democrático nas eleições, em um cenário em que a propaganda eleitoral gratuita
no rádio e na TV perde importância, precisaremos pensar (e legislar) sobre
isto. (Ana Claudia Mielke – Congresso em Foco)

Foto: Antônio Cruz/EBC

 

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