A igreja e a pandemia

O ano de 2020 com certeza já entrou para a história humana. No futuro
esse ano será fator de estudos e análises por pessoas de diversas áreas de
especialização. Irão lembrar desses dias, criticar algumas de nossas ações e
elogiar outras, contudo, uma coisa é certa, irão aprender com tudo isso.

Começamos o ano, como tantos anos anteriores e seguimos com os planos
traçados no fim do ano. Mas 2020 provou ser verdadeira as palavras de Jesus
quando afirmou que o amanhã não pertence a nós.

Em poucos dias o mundo todo se viu diante de um pandemia que fechou as
fronteiras entre os países, entre pessoas, entre amigos e até entre familiares.
Uma pandemia que trouxe o caos na saúde pública, com números incontáveis de
mortos, caos na relações sociais, na política e na economia mundial.

Mas esse artigo não se presta a todas essas análises, mas sim das
consequências, negativas e positivas, da pandemia na funcionalidade da igreja
como organismo divino e também organização humana.

Uma vez tomados pela triste realidade de uma doença inexplicável,
incontrolável, porém real e presente em nossas vidas, fomos obrigados a
determinadas situações inusitadas. Vamos colocar cada uma delas partindo de
seus aspectos negativos para os positivos.
 

1- O isolamento social. Essa foi uma medida
tomada em quase todas as nações da terra. As pessoas, sem distinção foram
confinadas em seus lares, crendo que assim estariam seguras da
contaminação. Mas o isolamento trouxe consigo outros males. As pessoas sem
informações claras das autoridades sanitárias e bombardeadas com o
negativismo da mídia, foram tomadas por um enorme sentimento de medo da
morte. Esse sentimento afastou pais de filhos, avós de netos, amigos de
outros e até líderes de suas reais funções no reino. A preocupação se
tornou pessoal e não coletiva em muitos casos. A medida que os dias de
isolamento aumentavam, assim como a perdas de vidas, dos negócios, do
emprego e, o pior de todos, a falta de contato com as pessoas, veio a
depressão. Outro fator negativo gerado pelo isolamento foi os conflitos
familiares. Violência doméstica, abusos infantis e o crescente do número
de divórcios, revelou a fragilidade da convivência familiar.

2- Mudanças nas atividades eclesiásticas. Com o
isolamento a igreja não pode realizar seus tradicionais cultos e nem
movimentos de evangelização em massa e pessoal. Isso impactou
drasticamente o crescimento das igrejas, e em alguns casos, houve até
decréscimo, com o fechamento de muitos templos. O sistema educacional da
igreja também sofreu muito, em especial o infantil e os treinamento de
líderes.

Em meio a todos esses desafios a igreja teve de reagir, para manter sua
missão como corpo de Cristo na terra. Vejamos alguns deles:

1- Poder de adaptação. Era preciso continuar com
a pregação, tão necessária no combate aos males da pandemia, bem como no
fortalecimento da fé. Para tal, a igreja achou o caminho da internet,
através do qual procurou manter todo tipo de aproximação com os
confinados, com cultos on-line, mensagem em celulares, vídeo conferências,
entre outros. Nada que pudesse de fato resolver os danos do isolamento,
porém, capazes de amenizar seus nefastos efeitos, principalmente em seus
primeiros momentos, que foram os mais difíceis. O momento exigiu uma
mudança na liturgia das igrejas. Cultos pela internet, ceias servidas em
regime de
drive-tru ou on-line.

2- O retorno a oração e ao culto devocional. Não
me lembro de ver a igreja orar tanto quanto nesses dias. Relógios de
oração, orações nos lares, nas calçadas. Até o presidente da república
dobrou seus joelhos na rua. Em seus lares os crentes se voltaram mais para
a leitura bíblica e culto doméstico. Foi um grande movimento de “volta a
Deus”. Muitos se arrependendo de seus pecados e voltando para Cristo.

3- A mudança no púlpito. Com o fechamento das
igrejas, muitos, acostumados a ouvir grandes pregadores itinerantes,
tiveram que passar a ouvir mais seus pastores. O púlpito literalmente
voltou ao domínio dos pastores, que tiveram que assumir sua função como
pregador para o rebanho.

4- O alcance do Evangelho. Com o recurso da
internet, o alcance das ministrações mais que duplicou. Pessoas de outras
igrejas, cidades, estados e até países, passaram a ouvir o Evangelho,
inclusive os não crentes.

5- O espírito de solidariedade. Nesse período de
crise, floresceu o espírito de solidariedade. Muitos se comoveram com a
necessidade alheia e se dispuseram a ajudar. Jovens foram solidários a
causa dos mais vulneráveis, a igreja se mobilizou no serviço social como
nunca, procurando atender os mais vulneráveis socialmente.

6- Mudança na pregação. A mensagem escatológica,
que diz respeito aos últimos tempos, voltou como um forte tema, porém o
destaque ficou por conta da mensagem de fé e esperança, para aqueles que,
isolados, se sentiam vulneráveis.

Mas é preciso encarar ainda novos desafios, entre eles o chamado “novo
normal”, o medo que ainda prevalece em muitos, a mudança no padrão pastoral, a
perda da fé para alguns é o mais difícil a acomodação no tocante ao ajuntamento
dos irmãos.

Esse chamado “novo normal” pode se instalar como uma filosofia e
sepultar muitos dos hábitos e sentimentos das pessoas. O contato pessoal, o
toque, o abraço podem não retornar ao convívio dos fiéis, produzindo um certo
distanciamento, prejudicando a comunhão na comunidades dos salvos.

O medo de voltar a se ajuntar novamente pode levar muitos a permanecerem
em seus lares, em especial os mais jovens, que são alvos fáceis das redes
sociais e dos monitores, onde já passam bom tempo de suas vidas em vídeo games.
Outros serão resistentes ao ajuntamento para a adoração e comunhão com medo de
por em risco suas próprias vidas.

Para tanto, o padrão pastoral vai mudar nesse momento pós pandemia. O
cuidado mais intenso com os “isolados” será necessário, inclusive com visitas
pessoais. O cultos transmitidos pela internet vieram para ficar. Isso leva a
uma nova postura no púlpito, uma vez que teremos maior visibilidade e nossas
pregações ficarão expostas as críticas, inclusive dos não crentes.

Porém, o maior desafio na pós pandemia será o enfraquecimento da fé de
muitos. Certamente muitos não retornaram mais para os cultos ou para a igreja.
Não podemos precisar números nesse momento, mais um grande número se tornarão
crentes virtuais, vivendo de cultos online, completamente afastados da comunhão
dos demais, ou vivendo uma “comunhão virtual”.

Mas quero terminar esse artigo tecendo comentários a capacidade da
igreja em superar desafios. As perseguições, as leis, a discriminação social
entre tantos outros, nunca foram capazes de parar a marcha da igreja, que, a
despeito de tudo, segue caminhando. Muitos vão enfraquecer ou se perder ao
longo da caminhada, mas outros se ajuntarão as fileiras de batalha. Assim
iremos prosseguir até aquele grande dia.

Pr. Levi Libarino

Pastor presidente da Assembleia de Deus, ministério do Ferreira em São
Paulo. Formado em Educação Cristã e Teologia pela Escola Superior de Teologia
Evangélica. 
Presidente do Conselho de Educação e Cultura da CONFRADESP e relator do
Conselho de Educação e Cultura da CGADB.

 

 

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