Se há uma coisa da qual não se pode acusar o vice-governador
da Bahia, João Leão (PP), é de não ter sido sincero em sua reação assim que
soube que estava na lista (de acusados de propina) do procurador-geral da
República, Rodrigo Janot. Leão entrou literalmente para os anais republicanos
quando retrucou que estava [cagando e andando para esses cornos todos] (sic).
Sim, não se sabe direito quem são os cornos, se Janot e seus assessores, se os
membros do Poder Judiciário que o investigam, se a Polícia Federal, os
delatores premiados ou se, na hipótese mais sincera, os eleitores que o
criticarão por estar na lista. A coragem não chegou ao ponto de nominar os
cornos.
Todo mundo sabe que acusado não é culpado. Mas todo mundo
sabe mais ainda que é mais fácil ganhar na loteria sozinho com prêmio acumulado
que apontar um político com sucessivos mandatos e cargos de poder no currículo
que nunca tenha se beneficiado de alguma negociata, um acordo escuso ou que
tenha financiado suas campanhas e aumentado seu patrimônio exclusivamente com
dinheiro lícito. O jogo do poder é sujíssimo e, uma vez nele, a lógica parece
assegurar que não há lugar para a assepsia. É por essas e outras que Lindbergh
Farias, hoje senador pelo PT do RJ, o símbolo dos jovens cara-pintadas no impeachment de Fernando Collor, aqueles
que iriam mudar o país, está hoje na mesma baciada de lama em que está seu
velho antagonista, na mesma lista suja de acusados de corrupção em que está o
ex-presidente que ele ajudou tanto a derrubar.
É pouco provável que os companheiros de partido e de lista
de Leão pensem diferente dele quanto ao cagar e andar diante de acusações. O
fato é que, entre todos, somente ele pronunciou tal escatologia, o que grudará
mais em sua biografia que marca de nascença. Há certas coisas que a liturgia do
cargo cassa dos ocupantes do poder o direito de fazer e dizer. E uma vez
fazendo e dizendo, não há volta. Não há nota bem escrita produzida por
assessoria bem paga capaz de corrigir o estrago. Leão pediu desculpas numa
nota irretocável. No entanto, quantos
ficaram sabendo de uma frase sequer do texto do pedido de desculpas? Essa
dificuldade das desculpas suplantarem o erro original é da natureza da vida. No
mundo da política, então, adquire a ordem da impossibilidade quase plena.
Bonitona
Embora não haja dúvidas de que Paulo Maluf, por exemplo,
passará para a história como uma lenda da corrupção brasileira, passará também
por um dia ter dito algo impronunciável por uma autoridade: ?Se está com desejo
sexual, estupra, mas não mata?. Esse foi um conselho (indignado) dado por Maluf
nos anos 80 a estupradores que matam suas vítimas. Das desculpas, ninguém
lembra. O mesmo pode-se dizer de Martha Suplicy, com ?relaxa e goza?, de
Antônio Magri com [cachorro também é gente], de Collor com [duela a quem duela],
etc. Mesmo reiterando que sua fala se deu num momento de indignação e de até o
governador sair em sua defesa considerando a fala uma reação normal de um homem
honesto indignado, não há volta. A essa altura, a reação de Leão já virou meme
nas redes sociais, com legendas que vão de Johnnie Lion a cagão andarilho.
O vice baiano parece prezar as influências do bom e velho
Odorico Paraguaçu. Um dia depois de ter dito que estava cagando e andando, se
arrodeou todo de cor de rosa e espalhou pelas redes sociais uma imagem cheia de
flores e laços para homenagear as mulheres em seu dia: [Parabéns Bonitona]
(sic), pois Leão que é Leão não vai perder tempo com vírgulas. E o que dizer da
expressão bonitona? Vice-governador, não é por nada, não, mas o tempo das
bonitonas era o das irmãs Cajazeiras. Foi-se. E em tempos politicamente
corretos e de nome em lista, fica a dica: não é de bom tom esquecer as feias.
Elas votam.
* Malu Fontes é jornalista e professora de Jornalismo da
Ufba