Em tempos de arrocho, a vaca está com tuberculose

Qualquer estrangeiro minimamente interessado em política que
tenha visitado o Brasil no período da campanha eleitoral do ano passado, e que
tenha voltado ao seu país de origem imediatamente após a vitória de Dilma
Rousseff, teria imensa dificuldade, agora, em acreditar no que encontrasse,
caso voltasse com tempo suficiente para ouvir a população e acompanhar minimamente
o que diz não apenas a imprensa, mas o que dizem na imprensa.

A impressão é que houve um grande faz de conta discursivo na
campanha, abusivamente retórico, e que, uma vez empossada, a presidente desceu
do lustre, abriu as cortinas do Palácio da Alvorada e, diante de um monstro
chamado economia, decidiu silenciosamente fazer o mesmo que Fernando Henrique
Cardoso um dia pediu aos seus leitores, após transformá-los em eleitores, que
fizessem: esqueçam tudo o que escrevi. Como Dilma não publicou nenhum livro,
silenciosamente agora implora: esqueçam tudo o que João Santana escreveu para
que eu prometesse na campanha.

Qualquer cidadão brasileiro, minimamente consciente e que
não tenha sido submetido a uma lobotomia, seja ela cirúrgica ou
político-partidária, e seja ele batedor de panela ou defensor da tese da
existência do Partido da Imprensa Golpista, está assistindo sua própria vida, a
dos seus amigos e as engrenagens da vida de quem o cerca estatelar-se diante de
um tsunami econômico que assola o país.

Causas anunciadas como sagradas na campanha, como não só a
manutenção, mas o fortalecimento dos programas sociais, os investimentos em
programas educacionais e a melhoria da saúde pública começaram a cair como um
dominó, desmilinguido imediatamente após a posse. Todas as garantias dadas ao
eleitor foram definitivamente cremadas com o anúncio do ajuste fiscal na
penúltima semana de maio.

Chave enferrujada

O mantra de Dilma, surrupiado da fala popular e repetido à
exaustão pela então candidata, sempre que acusada pela oposição de, se eleita,
ser obrigada a efetuar cortes em benefícios sociais e programas estratégicos,
forçada que seria pela recessão econômica que já se avizinhava, era: isso não
vai acontecer nem que a vaca tussa.

 

Bem, o fato é que, há apenas 6 meses da posse do segundo
governo, os benefícios e programas sociais à prova de tosse de vaca foram
cortados com serras elétricas econômicas impiedosas. À mingua, o famoso
Pronatec tão citado na campanha claudica, o antigo Fies gerou uma agenda negativa
sem conserto para o Ministério da Educação e, para fechar com chave enferrujada
a crise da educação em um governo que tem como lema Pátria Educadora, as
universidades públicas federais estão cerrando as portas numa greve tão confusa
quanto sem perspectiva de conquistas concretas.

O Minha Casa Minha Vida perdeu dinheiro e ritmo, o seguro
desemprego só não encurta se o Congresso não quiser, e por chantagem à
presidente, e milhares de brasileiros de todas as classes perdem o emprego
todos os meses.

Ou seja, se tudo isso está acontecendo sob o comando da
presidente com fama de gerentona que prometia manhãs que cantassem de 2015 a
2018, isso significa que a vaca metafórica evocada por Dilma espirrou e tossiu
muito.

A tosse evoluiu para uma bronquite que logo se cronificou,
disso passou para uma pneumonia e, em maio, finalmente a coitada foi
diagnosticada com uma tuberculose severa, sem perspectiva de cura a curto ou
médio prazo.  (Correio|Ba)

Malu Fontes é jornalista e professora de Jornalismo da Ufba

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