O PT precisa sofrer na
pele, mas de forma democrática, pelas opções erradas e por não enfrentar a
corrupção desde o início.
O movimento pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff me
traz à mente uma frase de Joaquim Nabuco (1849-1919): ?O país tem o direito de
saber quais os motivos de uma peripécia política que altera profundamente o
mandato conferido?. Ela define bem o atual quadro político.
Chamar o impeachment de golpe é rasgar, de forma hipócrita,
páginas da História.
Trata-se de instrumento previsto na Constituição. A esquerda
já o defendeu. Mas é um recurso que deve seguir sempre a Carta Magna.
Os atuais defensores do impeachment podem ser divididos em
dois grupos.
Um é liderado por Eduardo Cunha, que deveria estar no banco
dos réus e não na Presidência da Câmara. Não age movido pela defesa da
democracia. Faz achaques e negociatas para preservar a própria podridão. Junto
a esse grupo, fazendo vista grossa à corrupção de Cunha, estão os que até hoje
não aceitam a derrota nas eleições de 2014.
O outro grupo, com quem pretendo dialogar, abriga os que
reconhecem o gigantesco estelionato eleitoral de Dilma. Ela prometeu uma coisa
na campanha e, ao assumir o mandato, implantou o programa do adversário
derrotado nas urnas. Joga nos ombros dos trabalhadores os sacrifícios da crise
econômica, enquanto protege os interesses dos poderosos.
Esse grupo admite que o governo e sua política que causa
desemprego e recessão priorizam o atendimento aos interesses dos bancos e do
grande capital, em detrimento das áreas sociais, contrariando os princípios de
uma esquerda preocupada com as classes mais pobres.
Diz, com razão, que o PT cometeu crimes imperdoáveis, ao
jogar no lixo a ética e a decência. Mesmo que o partido ainda tenha militantes
honestos e de valor, é impossível acreditar em dirigentes que fingem manter
princípios políticos e ideológicos e, ao mesmo tempo, assaltam os cofres
públicos.
Ainda assim, isso não basta para o impeachment. Os valores
de segurança e previsibilidade na democracia o desautorizam. As denominadas
pedaladas fiscais já foram usadas nos mandatos de Fernando Henrique e Lula e,
depois, por Michel Temer em seus períodos de presidente interino. Esse é o
golpe: a intenção oblíqua de fazer Temer beneficiário da manobra,
entregando-lhe a Presidência.
Impeachment é algo sério. Precisa ter causas seguras e
indesmentíveis.
Por isso, sou contra um impeachment sem razões sólidas, que
objetiva o uso arrivista da insatisfação popular para instalar no poder as
políticas retrógradas do PMDB.
Defendo a mobilização do povo para derrotar ? nas ruas e no
Congresso ? as políticas antipopulares de Dilma.
O PT precisa sofrer na pele, mas de forma democrática, pelas
opções erradas que fez e por não enfrentar a corrupção desde o início.
Deve pagar pela arrogância de supor que sua popularidade era
intocável, mesmo diante da sangria que causava aos cofres públicos.
Ouvir o povo: este é o caminho para reconstruir o país. E
não o descaminho de um impeachment oportunista.
Na democracia, a nação se reencontra na sabedoria das urnas.
Randolfe Rodrigues é
historiador, senador pelo Amapá e líder da Rede