Quando o Brasil entrar em campo contra a Croácia, às 17h
do próximo dia 12, em São Paulo, no estádio do Itaquerão – que os manos
corintianos não me leiam -, certamente milhões de brasileiros deixarão para
trás todas as farpas dirigidas nos últimos meses contra Copa e assumirão sem
vergonha e até com orgulho seu lado torcedor. Alguns o farão porque a excitação
causada pelo futebol falará mais alto, desbotando as críticas contra tudo o que
as preparações para a Copa representaram: mentiras políticas, ausência do tal
legado tal qual foi prometido, improvisação e desvio de dinheiro.
Outros o farão movidos pelo teor alcoólico do dia dos
jogos associado ao efeito manada. E mais alguns estão desde já movidos pelo
raciocínio pragmático avessado de Joana Havelange, a princesa herdeira do
cartola imorrível e para quem ?o que tinha de ser roubado já foi?… Então,
agora é relaxar e gozar com as bolas de Felipão. E claro, haverá a turma dos
black blocs e dos não tão blocs assim, mas dispostos a fazer algum barulho.
No entanto, independentemente de como o brasileiro vai
se comportar quando os primeiros estádios abrirem as portas para os primeiros
chutes na bola, é fato que há algo de muito estranho, estranhíssimo, (não)
acontecendo nas ruas do país. Levando-se em conta que é o Brasil que está
sediando a Copa 2014 e que faltam apenas dez dias para Salvador sediar seu 1º
jogo do Mundial – entre as badaladas seleções da Espanha e da Holanda -,
pode-se dizer que o clima que se vê na rua é, na melhor das avaliações, de
indiferença. Apesar da TV não falar de outra coisa e de haver a cada intervalo
comercial trilhas sonoras entusiastas da Copa e da Seleção para todos os
gostos, o comportamento do brasileiro até agora tem sido de uma frieza que dói.
A impressão que se tem é que há uma Copa eletrônica na
TV e outra, pálida de dar dó, nas ruas. Em outros mundiais, realizadas em
outros países, a essa altura da proximidade do evento, milhões de brasileiros
já teriam começado a pintar paredes e calçadas e a pendurar bandeiras nas
fachadas de casas e edifícios. O que se vê, no entanto, é um comportamento chocho.
Em Salvador, até mesmo o básico do básico está faltando: onde estão as placas
de sinalização da cidade para orientar minimamente o deslocamento de quem vier
para a cidade pela primeira vez durante o evento? Se há algo que, de fato, tem
mobilizado torcedores até agora foi o fenômeno das figurinhas da Copa, cujo
álbum também contribuiu para a comédia de erros: Robinho foi escalado para o
time de papel, mas ficou fora da lista de Scolari.
Embora quando se trata de tentar apontar qualquer
diagnóstico que explique tamanha indiferença da população diante de uma Copa
que já chegou haja sempre o risco de errar rude, como dizem os moços do Porta
dos Fundos, arriscar uma explicação não mata. A classe política brasileira e
seus conluios em torno da corrupção com empresários têm conseguido até agora
algo que se considerava historicamente improvável: retirar do brasileiro o
entusiasmo festivo em torno, se não da Copa do Mundo em si, mas, pelo menos das
movimentações que costumavam marcar os dias que antecediam a abertura do
Mundial. E ainda contam todo dia com um empurrãozinho de alguns ídolos do
futebol brasileiro, desses que quando abrem a boca muita gente pensa
automaticamente numa descarga de banheiro. Ronaldão e Pelé que o digam.
* Malu Fontes é jornalista e professora de jornalismo da
Ufba/Correio*