Para aqueles que aspiram ser jornalistas hoje em dia, a
primeira lição é: deve querer ser jornalista porque crê que está fazendo algo
útil, e que se está realizando quando o faz? do contrário, melhor trabalhar em
um banco, onde há menos estresse e mais dinheiro e respeitabilidade. Mesmo
assim, poucas profissões oferecem um impacto tão importante e necessário para a
sociedade quanto o jornalismo.
A tarefa do jornalismo pós-Reagan (ou, para ser menos
provocativo, do pós-ápice do neoliberalismo, que agora está perdendo o brilho)
é corrigir a escala de valores e recolocar o homem no centro do mundo. Isto não
deveria ocorrer como resultado dos ensinamentos do papa Francisco. Não se
necessita da graça da fé para se dar conta de que este mundo é muito injusto e
polarizado, onde a classe média está se reduzindo. Os novos jornalistas devem
estar conscientes de que o status quo está mantendo uma situação insustentável
para bilhões de pessoas, especialmente para as mulheres, as crianças e os
jovens. Para tanto, ele/ela deve evitar três armadilhas que ajudam a manter o
status quo.
A primeira é cair no mito da objetividade. Os filósofos
e os cientistas lhe dirão que ela não existe. Aqueles que estão elaborando com
êxito a globalização, lhe dirão: “seja objetivo, e para sê-lo, não deve
escutar e escrever sobre as minorias descontentes. A única maneira de ver o
país é através da macroeconomia, que divide a riqueza por habitante, e não a
microeconomia, que analisa fatores complicados como o nível de renda, a
redistribuição, a mobilidade social e assim sucessivamente. Em nome da
objetividade, deve estar informado do que o sistema diz, sem se entorpecer
pelas vozes das ruas. Os líderes políticos são eleitos, os da sociedade civil,
não. Somente as estatísticas oficiais são confiáveis. Aquelas da Oxfam sobre a
fome ou do Greenpeace sobre o meio ambiente não são objetivas. O mesmo ocorre
com as conclusões do Grupo Intergovernamental de Experts para o Controle do
Clima, que advoga pela tomada de decisões ambientai para salvar o planeta, que
estão contra o crescimento econômico e nosso estilo de vida”. Quando
pedirem para que seja objetivo, abra seus ouvidos: estão pedindo que ajude o
status quo.
A segunda armadilha consiste em crer que só aqueles que
detêm o poder têm toda a informação e portanto estão mais capacitados para dar
declarações. Eles têm toda informação, mas muitas vezes não leem, ou são
omissos quando ela não se ajusta a seus pontos de vista. Nunca antes na
história alguém teve tanta informação quanto o governo dos EUA, que com a NSA
controla as comunicações em todo planeta. E isto significou uma melhora na
política estadunidense?
A terceira armadilha é achar que você não é mais
respeitável porque tem maior acesso ao poder estabelecido. Isso é somente uma
forma de cooptação. É necessário dar voz aos sem poder, às pessoas reais, não
aos ganhadores como em um mundo de cassinos.
E todos os números lhe apoiarão: a grande maioria não
está junto do 1 superior que divide 54 de todos os recursos do mundo, mas sim
entre os 75 que dividem apenas 15 . Esta é a realidade de nosso tempo e temos
de dar voz aos 75 e a seus problemas para alcançarmos uma vida cotidiana
digna. Quando observamos o mundo, devemos ser igualmente capazes de dar ênfase
ao que pode significar a paz e a justiça internacionais, a tempo de expôr as
consequências da guerra e da injustiça. Tudo isto deve se fazer com um critério
profissional simples: dar voz a todas as partes, e informar o mais fielmente
possível o que está acontecendo.
O problema é que um jornalista hoje em dia não pode
permanecer sempre imparcial. Tomemos como exemplo a mudança climática. Não
podemos colocar os interesses das companhias petrolíferas e os da raça humana
no mesmo nível. Ao fazer isto, se perpetua um mito que é o resultado de uma
visão peculiar do mundo, inclusive que não têm nenhuma base científica: que o
mercado vai redistribuir a riqueza, como em um efeito dominó, até o último ser
humano no mundo, eliminando as guerras e a pobreza. Sob este enfoque, pensa-se
que, por exemplo, as companhias petrolíferas dão trabalho a dezenas de milhares
de pessoas, e quanto mais dinheiro ganham, melhor será para todos nós, no mesmo
tipo de lógica que levou a Corte Suprema dos EUA a dizer que as corporações têm
o mesmo direito que as pessoas, e que portanto podem contribuir livremente e
sem limitação nas campanhas políticas.
Hoje em dia os jornalistas têm uma ferramenta de valor
inestimável que não contávamos em meu tempo: a possibilidade de buscar na Web,
entrevistar pessoas sem a necessidade de viajar, inclusive com o uso programas
como o Skype, se utilizando de uma câmera. Em meu tempo, os custos das
comunicações e de viagens eram enormes, a norma era ter sempre um fotógrafo
junto de si. Uma equipe de televisão era composta por ao menos 5 pessoas e 300
quilos de equipamentos. Hoje em dia, um jornalista com seu smartphone pode
fazer tudo isso
Estamos vivendo em tempos diferentes, não melhor em muitos
sentidos, mas com um grande avanço na tecnologia, o que permite a um jornalista
uma liberdade para perambular em suas investigações. O problema, por tanto, vai
ao que Leonardo da Vinci chamou de ?saper vedere?: ser capaz de enxergar. O
jornalismo, em suma, é a capacidade de ver e colocar o que se observou em uma
orgem adequada para comunicar com seus leitores. O que faz a diferença não é a
forma de escrever, mas a capacidade observar.
É evidente que estamos em uma época de transição em
direção de um novo mundo difícil de prever. Antonio Gramsci, um pensador
comunista italiano, escreveu em seus Cadernos do Cárcere: ?O velho mundo está
morrendo e o novo mundo luta para nascer: chegou o momento dos monstros”.
Necessitamos de um novo jornalismo que nos conduzirá através deste ciclo, que
identificará os monstros e levará as vozes da humanidade em um conjunto que
faça a trilha até o novo mundo.
Roberto Savio, do Other News/Tradução de Roberto
Brilhante