Irreverente, tem dito que se soubesse que fazer 80 anos
dava tanto trabalho teria ficado nos 79. O fato é que suas oito décadas de vida
têm sido marcadas, ao um só tempo, pela tragédia familiar (teve o pai,
ex-governador, deputado federal e advogado João Suassuna, assassinado no Rio de
Janeiro em 1930) e pela construção de uma obra multifacética e coerente que
funde o barroco medieval ibérico com expressões populares nordestinas.
Autor de 14 peças teatrais (8 ainda não publicadas), 5
romances e 2 ensaios, membro das Academias Brasileira e Pernambucana de Letras,
tem obras traduzidas em inglês, francês, espanhol, alemão, holandês, italiano e
polonês.
É um fazedor de fusões e de reinvenções. De clássicos
como Cervantes e Gogol, Euclides da Cunha e Gregório de Matos, bebe influências
que mescla com a sonoridade de cantadores de desafios, aboios e cantorias e de
tocadores de pífanos e rabecas e com o cheiro do barro e o calor inclemente da
terra árida de Taperoá, sertão paraibano, onde viveu a infância e para onde
retorna com freqüência para mergulhar na releitura da própria obra.
No romance e no teatro, assim como nas suas iluminuras
(onde formas artesanais e emblemáticas são dispostas simetricamente através de
cuidadosa diagramação), e nos versos de uma poética mágica e exata, realiza uma
releitura erudita da cultura que brota do povo.
O Movimento Armorial, que fundou em 1970, é tudo isso em
muitas linguagens ? música, dança, tapeçaria, pintura, teatro, poesia,
literatura, artes plásticas ? e, segundo costuma afirmar, ?uma tomada de
posição em favor da cultura brasileira?.
Algo de base conceitual sólida que aglutinou criadores
extraordinários como multiartista Antonio Carlos Nóbrega, o músico Zoca
Madureira, o gravador Gilvan Samico, o pintor Romero Andrade Lima, o romancista
Raimundo Carrero, dentre outros.
Taperoá, Recife
Filho do ex-governador João Suassuna (1924-1928), nasceu
na então Cidade da Paraíba (Parahyba em ortografia arcaica), hoje João Pessoa,
e viveu a infância no Sítio Acauhan, em Taperoá, no Cariri paraibano. Entre
1933 e 1937, em Taperoá, iniciou os estudos, e experimentou o seu primeiro
alumbramento (como diria Manuel Bandeira) pela criatividade improvisada de uma
peça de mamulengos e um desafio de viola, que viriam a marcar sua produção
teatral e a verve característica dos seus muitos personagens.
Nesse período valeu-se da biblioteca que o pai deixara
para se iniciar em leituras que, segundo diz, o influenciariam fortemente. As
obras completas de Monteiro Lobato. Os três mosqueteiros, de Alexandre Dumas.
De Dumas diz estar relendo pela milésima vez O Conde de Montecristo, que
considera uma obra-prima da literatura universal.
De 1942 em diante passou a viver no Recife, para
estudar, tendo concluído o curso de Direito em 1950 e o de Filosofia em 1960.
Em 1945 teve publicado no Jornal do Commercio o seu
poema Noturno (São turvos sonhos,/Mágoas proibidas,/são Ouropéis antigos e
fantasmas/que, nesse Mundo vivo e mais ardente/consumam tudo o que desejo
Aqui.), prenúncio do que César Leal, crítico literárioe poeta, mais tarde
caracterizaria, no ensaio Fontes clássicas e populares das Odes de Ariano
Suassuna, como domínio do tema e da técnica, presente também em toda a sua obra
teatral, como no clássico Auto da Compadecida.
Armorial: ibérico e sertanejo
A complexidade conceitual contida no Movimento Armorial
se expressa através de múltiplas linguagens, indo além do texto literário,
assumindo identidade visual ? em traços e cores fortes e originais.
Num álbum publicado em 2003 pela Companhia Energética de
Pernambuco (CELPE), o estudioso da obra de Ariano, Carlos Newton, assinala que
as iluminogravuras sintetizam a técnica da iluminura medieval com os atuais
procedimentos de impressão em off-set sobre o papel. O resultado é um misto de
figuras mitológicas e animais e personagens que povoam o imaginário nordestino,
ibérico e medieval, numa exuberância de cores vivas em que pontificam o
amarelo-ouro, o marrom, o ocre, o preto e o vermelho.
Carlos Newton sublinha que a iluminugravura ?é também um
texto ilustrado? A ilustração de cada uma delas associa episódios descritos no
respectivo poema a motivos da cultura brasileira, recolhidos tanto em nossa
arte popular quanto em nossa arte pré-histórica, a partir das itaquatiaras do
Sertão nordestino?.
É como se o texto se enfraquecesse sem a ilustração, e
esta perdesse o sentido sem o apoio do texto.
Essa fusão entre o real e o imaginário, produzindo um
todo complexo e coerente, se completa com a convivência, ora conflitante, ora
harmoniosa, entre a tragédia e a comédia presente nos seus muitos personagens ?
seja o misterioso e alegórico Dom Pedro Dinis Quaderna, seja os burlescos e
surpreendentes Chicó, João Grilo, Gaspar, Caroba, Cancão, Euricão, Cheiroso,
Benedito ? gente que surge do Cariri árido para, através de diálogos de
instigante simplicidade, revelar uma profética visão de mundo.
Arte e política
Embora não negue que sua arte tem, tanto quanto conteúdo
e forma revolucionários, um sentido político explícito e um fio condutor que é
a afirmação dos nossos valores nacionais, resiste à chamada arte engajada.
Talvez por isso exagere na crítica a Brecht por fazer, segundo ele, um teatro
?excessivamente reflexivo?.
Preciosismo? Pode ser. Pois como cidadão Ariano não tem
se eximido de externar publicamente suas opiniões, participando ativamente de
campanhas eleitorais de Miguel Arraes e Lula, sendo inclusive figura de
destaque no último pleito, ao lado do atual governador Eduardo Campos, do PSB.
Em recente entrevista ao Jornal do Commercio, do Recife,
declarou-se aliado dos comunistas: ?Numa reunião importantíssima que realizaram
disseram que estão procurando um socialismo brasileiro. Deixaram de olhar pra
fora, aí pela primeira vez tive condições de me aliar mesmo, apareci no guia do
Partido Comunista do Brasil, até disseram que era uma contradição da minha
parte. O que eu disse lá está perfeitamente coerente com o que eu dizia: se eu
fosse marxista, pertenceria ao Partido Comunista do Brasil, nosso aliado na
luta contra o governo antinacional e antipopular de Fernando Henrique Cardoso.?
(Artigo publicado no jornal A Classe Operária, em julho
de 2007, a propósito do 80º. aniversário de Ariano Suassuna)