Operação desmanche ou desmancha?

É cada vez mais palpável para o cidadão brasileiro o
aumento da frequência de roubo e furto de veículos nas grandes cidades
brasileiras, realidade esta que, face a inércia das autoridades, não nos
possibilita traçar melhores horizontes no futuro, exceto com medidas eficazes e
efetivas que eliminem causas e combatam o efeito da criminalidade e da
violência.

Registre-se que segurança é sensação e por isso,
diferente de violência que é um sentimento, que aflora de forma material,
moral, patrimonial, físico, dentre outros. Por isso palpável como dito acima.

Com efeito, segundo dados fornecidos pelo Departamento
Nacional de Trânsito (Denatran), 476 mil veículos foram roubados e/ou furtados
no Brasil, sendo que só no Estado de São Paulo, o montante de roubos e furtos
de veículos cresceu 10,1 ao longo do ano de 2013, chegando a 225 mil casos. É
o maior em 12 anos!

Dados da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo
mostram que em 2013 as ocorrências de roubo de veículos superaram as de furto
pela primeira vez desde 2011. Segundo as estatísticas da secretaria, dos carros
roubados ou furtados somente 40 são recuperados.

Nesse contexto, podemos afirmar, sem dúvidas, que os
denominados ?desmanches? clandestinos são ? e continuarão sendo –  uma das principais causas que faz crescer o
número de roubos e furto de veículos, e em paralelo, outros crimes que caminham
na mesma indústria delituosa, pois que muitas vezes para se roubar um carro,
mata-se o motorista, mata-se por atropelamento quem se encontra no caminho,
mata-se em um assalto no qual aquele carro é utilizado, usa-se de cativeiro
para crimes de extorsões relâmpagos, e ainda lembrando que, no estado de São
Paulo, 50 (cinquenta por cento) dos casos de latrocínio têm relação direta com
o roubo de veículos.

Diante desse quadro dantesco, a presidente Dilma
Rousseff sancionou no último mês de maio a Lei nº 12.977, através da qual o
governo federal tenciona regulamentar, em todo o País, o desmanche de veículos.

Todavia, conforme veremos, o Governo Federal ficou
apenas na intenção, e tenho sérias dúvidas se eram boas.

De prático, pela novel legislação, foi conferido às
oficinas de desmonte em todo o País o prazo de 01 (um) ano para se adequarem às
novas regras antes das normas entrarem em vigor, ou seja, somente em maio de
2015.

Após isso, as empresas de desmanche deverão contar com
alvará de funcionamento expedido pelas autoridades locais e os veículos
desmontados deverão ter o certificado de baixa registrado no Departamento
Nacional de Trânsito (Denatran), incorrendo nas sanções legais em caso de
inércia.

Sucede que, a parte toda a pirotecnia do Governo Federal
aliada à ausência de uma efetiva e aprofundada análise das causas que fomentam
os crimes de roubo e furto de veículos no País, o que foi sancionado é tão
somente uma legislação demasiadamente genérica e extremamente branda com os
infratores, além de ineficiente quanto aos aspectos relacionados com a
segurança do usuário.

Todavia, antes de adentrarmos no mérito, façamos uma
breve digressão acerca do histórico recente das propostas de aperfeiçoamento
legislativo envolvendo esta matéria tão relevante.

Corria o ano de 2011, quando foi encaminhado à sanção
presidencial o Projeto de Lei de autoria do Senador Romeu Tuma (PL nº 345/07) o
qual, objetivando disciplinar o funcionamento de empresas de desmontagem de
veículos automotores terrestres no País, traria uma efetiva regulamentação do
setor de desmanches, já então tido como o principal destinatário dos veículos
oriundos dos roubos e furto de veículos automotores.

Além disso, referida proposta legislativa encerrava em
si um outro objetivo, qual seja, a renovação da frota nacional, a qual correria
as custas dos fabricantes e sem contrapartida no abatimento de impostos, vale
dizer, sem onerar o erário.

Cabe uma lembrança óbvia: o autor, ex-Delegado de
Polícia com mais de 50 anos de serviços prestados à Segurança Pública no Brasil
e no mundo, então Senador em oposição ao governo, estava morto quando do veto,
e seu filho, autor desse artigo, um crítico do mesmo governo nessa área, onde
também militou por décadas.

Faço o registro por estar convicto ser o motivo sem
nobreza, mas real, que indicou o veto presidencial, qual seja, o nome do autor.

Todavia, em homenagem ao contraditório, descartando-se
minha convicção, aí quiçá compelida por setores que seriam prejudicados caso a
lei entrasse em vigor, a Presidente Dilma vetou integralmente referida
propositura de lei sob o singelo argumento de que ?a proposta não apresenta
parâmetros técnicos mínimos para definir que tipos de peças usadas poderão ou não
ser comercializadas no mercado de reposição, além de não assegurar o controle
de qualidade e das condições de comercialização, de modo a garantir seu
desempenho e a segurança do consumidor? (mensagem nº 05, de 10 de janeiro de
2011 à presidência do Senado Federal).

Pois bem, transcorridos mais de 03 (três) anos e,
chegado o ano 2014 quando teremos eleições presidenciais, eis que foi
sancionada a supracitada Lei Federal nº 12.977/14, cuja vigência se dará tão
somente em maio de 2015 e, pior, dispondo acerca de matéria idêntica daquela
que é objeto da Lei estadual nº 15.276/14, promulgada em 02 de janeiro passado,
e cujos efeitos nos estabelecimentos alvo (desmanches) teve início no último
dia 01/07/2014.

Sem dúvida que tal ausência de critério legislativo
acarretará enorme confusão jurídica, a tal insegurança jurídica, quase
institucionalizada em nosso Direito por conta dessas e outras, na medida em que
a Lei federal, quando entrar em vigor, necessariamente prejudicará a plena
aplicação da vigente Lei estadual, posto que aquela, é mais branda e não dota
as autoridades de mecanismos efetivos para coibir o comércio ilegal de peças
oriundas de veículos desmontados.

É a tal falta de aplicabilidade, dispositivo que tem
sido cada vez mais usado na edição das Leis no Brasil, o que explica em parte,
o por que muitas não pegam ou até mesmo acabam beneficiando o limbo em que se
encontram certas atividades causa de violência.

Por exemplo, enquanto a Lei estadual prevê, além do
impedimento por 05 (cinco) anos dos sócios exercerem o mesmo ramo de atividade
em outro estabelecimento ou mesmo requerer a abertura de outra empresa no mesmo
ramo de atividade, a Lei federal, inexplicavelmente, diminui tal prazo para
apenas 02 (dois) anos e, como se não bastasse, prevê penas muito mais brandas
que aquelas previstas na legislação paulista, em especial a renovação do
registro do estabelecimento a cada 05 (cinco), quando a Lei estadual estipula
que esse prazo não será superior a 01 (um) ano, o que, sem dívida, abre lacunas
para a continuidade da atividade criminosa.

Aliás, nesse caso, vemos a clara demonstração de que o
governo Federal, não bastasse sua inércia e incapacidade de articular e
proporcionar melhorias e avanços no combate a criminalidade, resolveu se mexer,
mas para atrapalhar ao invés de ajudar.

Ou seja, ao invés do Governo Federal estabelecer
diretrizes gerais e deixar a critério de cada Estado da Federação e seus
respectivos órgãos de trânsito organizar e disciplinar o funcionamento desse
ramo de atividade que hoje é um dos maiores fomentadores de roubos, furtos e
latrocínios no País, optou por editar uma legislação por demais genérica e
branda, conflitando com a leis estaduais vigentes e, no caso de São Paulo,
muito mais abrangente e rigorosa no combate a indústria dos desmanches, uma
efetiva atividade da criminalidade organizada.

Em suma, se a ideia fosse mesmo dotar nosso ordenamento
jurídico de mecanismos eficazes para o combate ao crime organizado, a
Presidente poderia se preocupar ? ao invés de ter vetado uma Lei muito mais
completa e que por consequência, eliminaria muito mais causas de criminalidade
? em criar mecanismos complementares para regulamentar novos ou eventuais
flancos, além é claro, de cuidar de nossas fronteiras por terra, água e ar, por
onde passam foragidos que se evadem e que invadem o território brasileiro, que
saem e que entram diuturnamente, inclusive com veículos produto de crimes.

A própria Polícia Federal e seus integrantes, hoje
reduzidos a instrumentos de poder partidário, sem força funcional,
independência operacional e financeira para enfrentar essas fronteiras
sucateadas e abandonadas por falta de policiamento, planejamento e equipamentos
suficientes para transformá-las em portarias com porteiros, capazes de impedir
o vai e vem da bandidagem e suas carretas de drogas e armas, ao invés de
mantê-las parecidas cada dia mais com queijos suíços, ou seja, cheias de
buracos.

Impressionante, na já claudicante estrutura social e
combalida segurança pública, nos crimes em que a população mais sente a
violência, a sensação de insegurança e os avanços da criminalidade, o governo
além de não conseguir construir, desmancha.

Romeu
Tuma Jr é advogado, delegado de carreira na Polícia Civil de São Paulo e foi
Secretário Nacional de Justiça no governo Lula

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