Malu Fontes: a eleição invadiu sua cama

Se você gosta ou não de política, se vai votar em branco
ou se já tem candidato, não importa. O fato é que se você é uma pessoa
minimamente conectada e tem um celular através do qual acessa alguma rede
social ou usa algum aplicativo de mensagem instantânea sua tranquilidade
acabou. Gente de quem você gosta um pouquinho além da média, amigos íntimos e
parentes queridos que lhe incluíram numa lista de mensagens instantâneas da
família prometendo que esse seria um canal para reestabelecer ou manter acesos
os laços afetivos, agora, todos juntos, por conta da eleição, parecem ter se
juntado num complô maldito contra você. Em outras palavras: pouco importa se
você vê ou não a propaganda eleitoral. A campanha, num sentido muito mais
miudinho que a eleição como fenômeno político e social, invadiu sua vida, sua
sala e sua cama. Está você esperando o sono chegar. O celular apita, vibra e lá
está um cabo eleitoral de estimação que você não sabia que tinha, não raro
tentando lhe convencer da própria estupidez.

Diante da polarização eleitoral travada em redes sociais
e aplicativos de conversação, entre os quais triunfa o Whatsapp, quem não
quiser receber mensagens, vídeos, fotos e, pasmem, até correntes, só mesmo
fugindo da civilização se isso significa alguma forma de conexão. Ingênuos os
tempos em que o eleitorado reclamava das coberturas ambíguas do Jornal Nacional
e dos debates tidos como manipulados da era Lula versus Collor. Em tempos de
Whatsapp, mesmo a peça de propaganda mais rancorosa do horário eleitoral ou a
edição mais canhestra da história do telejornal global parece trilha sonora da
Galinha Pintadinha. Os golpes agora são de foice verbais e todos desferidos ao
sul do corpo dos dois candidatos.

Aos viciados em conexão e nem um pouco dispostos a
alimentar, no mínimo, uma má vontade contra os amigos nos quais de repente
brotou um extremo mau gosto verbal e uma ilimitada vilania quando se trata de
adjetivar pessoas e opções, resta o assombro. De repente, é como se tivesse
irrompido nos celulares um coronelismo digital individual. As pessoas não se
contentam apenas em falar de seus candidatos, mas em desqualificar em termos
morais e cognitivos todos os brasileiros que votam diferente de si.

Nas últimas semanas, o Whatsapp foi transformado em uma
porteira onde cada um se torna um velho coronel, repaginado digitalmente, e diz
com ódio o que o receptor da mensagem deve fazer se não quiser assumir o lugar
de asno. Predominam duas formas de se tanger os amigos e os parentes, como se
esses fossem boiadas na estrada da urna: ou se deixam ser tangidos porteira
adentro da candidatura X, onde a sociedade será reinventada e o país se tornará
nos próximos 4 anos tão fofo como os cenários do céu da novela A Viagem, ou se
deixam tanger para a porteira dos descerebrados, intelectualmente incapazes de
ver o óbvio e que, em vez de enxergar um Carmo dalla Vechia no topo de um
precipício eleitoral, como fazem os bons e os finos, como Maria Marta Medeiros,
em Império, que se atirem Monte Roraima abaixo, voluntariamente.

As adjetivações malignas saíram da propaganda oficial,
que as pessoas podem escolher ver ou não, e vieram para os ruídos sonoros nos
aplicativos dos celulares. Nesse cenário, diante de gente tão próxima munida de
prepotência ou ingenuidade a ponto de achar que você vai mudar seu voto por
conta de uma corrente num aplicativo de mensagens contendo golpes baixos e
erros de português, entra em pane o seu nível de tolerância com a
inconveniência e seus bons modos, pois o desejo mesmo é o de mandar todos para
o décimo subsolo do inferno, sem luz, elevador, ventilador e, de preferência,
acompanhados de um mosquito imorrível transmissor da febre chikungunya.

* Malu Fontes  é
jornalista e professora de Jornalismo da Ufba/Correio

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