Bolsonaro baixa o tom, mas STF ainda assim mantém ritmo de derrotas ao governo

A mudança do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para um
perfil mais apaziguador e a ofensiva nos bastidores para se aproximar do STF
(Supremo Tribunal Federal) não surtiram efeito na relação do Palácio do
Planalto com a corte.

Após a prisão do policial aposentado Fabrício Queiroz, em
junho, que pode implicar a família Bolsonaro e o próprio presidente, e das
operações contra correligionários acusados de espalhar fake news, o chefe do
Executivo passou a evitar o confronto e deixou de criticar as decisões do
Supremo.

O tribunal, porém, não tem retribuído no mesmo tom e manteve
o ritmo de julgamentos contrários ao Executivo.

Prova disso é que nas duas primeiras sessões após o fim do
recesso do Judiciário, na última semana, o STF impôs derrotas ao governo.

Por unanimidade, o Supremo referendou a decisão do ministro
Luís Roberto Barroso que obrigou o Executivo a adotar medidas para conter o
avanço do novo coronavírus em aldeias indígenas.

Também nesta semana, o ministro Gilmar Mendes derrubou uma
série de vetos de Bolsonaro ao projeto de lei aprovado pelo Congresso que torna
obrigatório o uso de máscaras em locais públicos.

O magistrado invalidou a decisão do presidente de vetar a
obrigatoriedade da proteção em prisões e em estabelecimentos socioeducativos.

Além disso, Gilmar restaurou a validade do ponto do projeto
do Legislativo que obrigava a fixação de cartazes informativos em locais
fechados sobre a forma correta de usar a máscara e o número máximo de pessoas
permitidas ao mesmo tempo no local.

Influenciado pelo STF, o esvaziamento do poder de Bolsonaro
na condução da pan vai na contramão do movimento mundial.

Na Índia, por exemplo, o governo federal acabou até com a
autonomia de entes da federação e não teve empecilho para isso.

Na Polônia, o nacionalista Andrzej Duda, aliado de
Bolsonaro, aproveitou a pandemia, sem resistência da Suprema Corte, para
ampliar seus poderes e mudar até as regras eleitorais para se beneficiar das
restrições impostas à população por causa do novo coronavírus.

No Brasil, porém, a cúpula do Judiciário impôs limites aos
poderes do chefe do Executivo. Desde o início da crise de saúde, foram ao menos
32 decisões tomadas a contragosto do governo.

O Supremo decidiu, entre outras coisas, que estados e
municípios têm autonomia para regulamentar o isolamento social, fortalecendo a
atuação dos entes da federação frente o governo federal.

Os ministros da corte também não evitaram embates públicos
com o Executivo.

Em julho, Gilmar protagonizou um duro confronto ao afirmar
que o Exército brasileiro estava se associando a um genocídio por causa da
presença do ministro interino da Saúde, general Eduardo Pazuello, e de outros
assessores militares na pasta, responsável pelas medidas de enfrentamento à
pandemia.

A reação de Bolsonaro, porém, não foi de partir para o
ataque e, além de não rebater o ministro, ainda trabalhou nos bastidores para
acalmar os ânimos, obrigando Pazuello a ligar para Gilmar.

Interlocutores do chefe do Executivo consideraram o episódio
um teste para o novo estilo do presidente.

Os aliados do governo apontam que houve um motivo a mais
para a calmaria do chefe do Executivo: Gilmar é relator da ação em que o
senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) pede ao STF para ter direito a foro
especial. E, como já é o responsável por esse caso, o ministro deve ser
automaticamente o relator de outros pedidos da defesa do congressista, filho do
presidente.

O ministro Alexandre de Moraes é outro ator importante na
relação entre os Poderes. Ele também manteve a mesma postura após a inflexão de
Bolsonaro.

Moraes é relator do inquérito das fake news e não recuou
após os ataques de aliados do presidente à investigação, que enfrenta críticas
jurídicas por ter sido iniciada de ofício pelo STF, ou seja, sem provocação da
PGR (Procuradoria-Geral da República).

Em 27 de maio, o ministro determinou o cumprimento de 29
mandados de busca e apreensão e adotou outras medidas contra congressistas,
empresários e blogueiros ligados ao presidente. Além disso, mandou tirar do ar
perfis em redes sociais de diversos apoiadores de Bolsonaro.

A ordem para retirada de 16 contas bolsonaristas não foi
cumprida pelo Twitter e pelo Facebook, que alegaram que o ministro não havia
indicado o endereço exato das contas, mas o ministro não desistiu. (MATHEUS
TEIXEIRA-Folhapress). Yahoo Noticias

Foto: Alexandre Schneider/Getty Images