A autorização para delatados questionarem colaborações premiadas e uma possível mudança na composição da segunda turma do Supremo Tribunal Federal (STF) podem levar a Lava Jato a sofrer derrotas em série no Supremo.
A avaliação no tribunal e no Ministério Público Federal é que a troca de comando na corte, apesar de o ministro Luiz Fux ser um defensor do trabalho dos investigadores, deve trazer danos a julgamentos relativos à operação.
Há na corte uma articulação em curso para que o ministro Dias Toffoli, que deixará a presidência do STF em 10 de setembro, assuma o assento do ministro Celso de Mello na segunda turma a partir de novembro.
O colegiado é composto por cinco ministros e julga os principais casos relacionados à Lava Jato. Com a aposentadoria de Celso e a nova formação, Toffoli formaria maioria com os ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes para dar decisões contrárias ao trabalho dos procuradores de primeira instância.
Um argumento que tem pesado em favor da mudança é a ideia de preservar o ministro a ser indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para o STF.
Como a segunda turma é o órgão natural para o julgamento de recursos do caso das “rachadinhas” do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), o novo integrante do STF não precisaria enfrentar o constrangimento de analisar tema que afete quem o escolheu para a vaga.
A chegada de Toffoli ao colegiado daria ainda mais tração ao movimento de Lewandowski e Gilmar, que têm se juntado há algum tempo para impor reveses ao trabalho da operação.
Como o ministro Celso de Mello está ausente por questões de saúde, os votos de ambos têm sido suficientes para derrotar a Lava Jato. Em julgamento penal o empate favorece o réu, e os votos do ministro Edson Fachin e da ministra Cármen Lúcia acabam sendo derrotados ao divergir dos colegas.
Foi o que aconteceu, por exemplo, na sessão do último dia 25 de agosto, quando, por 2 a 2, o colegiado anulou, a pedido de pessoas implicadas pelos relatos, a colaboração premiada firmada pelo Ministério Público do Paraná com um ex-auditor fiscal.
Mais do que o caso concreto, a decisão é importante porque cria um precedente que permite a terceiros impugnar delações.
Em 2015, o plenário do STF decidiu que as colaborações só podiam ser questionadas pelas partes signatárias do acordo, ou seja, o Ministério Público e os próprios delatores. Gilmar e Lewandowski, porém, entenderam que em casos de manifesta ilegalidade os atingidos podem acionar o Judiciário.
O julgamento foi concluído com voto de Cármen Lúcia, que havia pedido vista em novembro de 2019. A ministra seguiu a linha de Fachin ao afirmar que o plenário da corte já definiu que terceiros não podem questionar as delações.
Gilmar, porém, sustentou que o cenário do caso é repleto “de abusos e desconfiança na atuação das partes envolvidas no acordo” e justifica a revisão judicial.
A decisão animou advogados de investigados na Lava Jato. Na visão deles, o entendimento firmado abre brecha para todos alvos da operação procurarem a Justiça em busca da anulação de delações que os implicaram.
Em casos em que os ministros entenderem que houve ilegalidade no acordo, a tendência ainda é que os delatores mantenham os benefícios, baseado no princípio da boa fé da negociação que haviam fechado com o MP.
Além disso, a esperança dos advogados é que, uma vez confirmada a nova formação na segunda turma, com maioria crítica à operação, o colegiado também reveja outras decisões da Lava Jato contestadas pela ala garantista do direito.
A ida de Toffoli para o colegiado que revisa as principais investigações contra políticos, porém, depende de outros fatores. Ao deixar a presidência da corte, ele passará a ocupar o lugar de Luiz Fux na primeira turma do tribunal.
Em 1º de novembro, contudo, o ministro Celso de Mello irá se aposentar. Quando um assento fica vago, o integrante mais antigo da turma que está completa pode pedir para mudar para o outro colegiado.
Nesse caso, a prioridade para solicitar a substituição caberia ao ministro Marco Aurélio. O magistrado, porém, é um crítico histórico da dança das cadeiras nas turmas do STF e nunca exerce o direito de trocar a primeira pela segunda turma.
Assim, caso Marco Aurélio mantenha a mesma posição de sempre, a prioridade passará para Toffoli, segundo mais antigo. Nos bastidores do tribunal, a avaliação é que esse cenário serviria para evitar o constrangimento de o ministro a ser indicado por Bolsonaro analisar recursos contra a investigação sobre suposto esquema de desvio de salários no gabinete de Flávio Bolsonaro quando deputado estadual.
A estratégia seguiria o histórico do Supremo de tentar preservar o novo integrante do tribunal. Isso ocorreu, por exemplo, com o ministro Alexandre de Moraes, que foi indicado para o STF pelo então presidente Michel Temer, que era alvo da Lava Jato. (Folha Press).
Lava Jato prevê derrotas e anulação de delações no STF
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