Antes do Código de Defesa do Consumidor (CDC), as relações
de consumo eram caso de polícia. A afirmação é do senador Fernando Collor
(Pros-AL) que há 30 anos, quando ocupava a cadeira de presidente da República,
sancionou a Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, do CDC. Outros senadores
também comemoraram nesta sexta-feira (11) o legado do código, agora
“trintão”, criado para proteger consumidores de abusos de empresas.
Sem o CDC, as relações de consumo eram reguladas pelo Código
Civil, que se mostrava insuficiente para atender consumidores insatisfeitos com
produtos e serviços.
– O legado fundamental dessa norma é que a relação dos
consumidores com fornecedores deixou de ser um caso de polícia porque, quando
era regulado pelo Código Civil, entravam as questões policiais no meio nas
reclamações de consumidores em relação a alguma questão não resolvida. O Código
de Defesa do Consumidor representou na época sobretudo um avanço civilizatório – disse Collor à Agência Senado.
Entre outras inovações para evitar que consumidores – parte mais fraca na relação de consumo – sejam prejudicados, o CDC
trouxe a obrigatoriedade de empresas estamparem o prazo de validade nas
embalagens de produtos; definiu como direito do consumidor a proteção contra
propaganda enganosa e consagrou o direito de arrependimento, que dá ao
consumidor o prazo de sete dias para desistir da compra sem precisar se
justificar. Além de trazer equilíbrio para as relações de consumo, o Código de
Defesa do Consumidor ajudou a melhorar a qualidade dos produtos, avalia o
senador Paulo Paim (PT-RS), que integrou entre 2012 e 2014 uma comissão do
Senado para atualizar o CDC.
– Ao impor aos fornecedores o dever de informar, o CDC
possibilitou aos consumidores ter conhecimento dos produtos, contribuindo para
melhoria da qualidade da produção, comercialização, ofertas mais claras e
combate à propaganda enganosa. O consumo é uma atividade central na
sociedade contemporânea e, decorridos 30 anos, o Código de Defesa do
Consumidor continua sendo uma norma fundamental – apontou Paim, que era
deputado federal no período de aprovação do CDC pelo Congresso.
E a “lei pegou” como aponta o presidente da Comissão
de Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (CTFC), senador Rodrigo Cunha
(PSDB-AL). Ele destaca que muitos brasileiros conhecem hoje seus direitos nas
relações de consumo.
– No Brasil, dizemos que tem leis que ?pegam?. O CDC é uma
destas normas. A maioria dos brasileiros tem conhecimento do Código de Defesa
do Consumidor e confia nos Procons, que foram por este normatizados. Dentre os
principais legados práticos estão a adequação da segurança dos produtos que foi
elevada aos padrões europeu e americano com a edição da norma, a adequação do
modo de defesa do consumidor em juízo com o reconhecimento de sua
vulnerabilidade e a adequação das ações coletivas para tutela mais célere do
cidadão – disse o senador.
Desafios
Passadas três décadas de sua edição, o CDC, que colocou o
Brasil em linha com as mais modernas leis de proteção aos consumidores,
continua sendo importante para orientar a relação fornecedor-consumidor. Porém,
como diz o cantor e compositor Cazuza, “o tempo não para” e a norma precisa de
atualizações, uma ?recauchutada?, como dizem alguns, ou “um tapa no visual”,
como dizem outros, para se adequar aos novos tempos de crescente comércio
eletrônico.
– O principal desafio que nós temos agora é o de atualizar e
de aprimorar o Código de Defesa do Consumidor tento em vista as relações de
consumo terem mudado bastante nos últimos 30 anos. Agora, estamos na época do
e-commerce, estamos na época da internet das coisas, estamos na época do 5G, da
inteligência artificial. Então, essas relações de consumo avançaram demais e
para terrenos nunca antes possíveis de serem imaginados. Então, naturalmente,
nós precisamos atualizá-lo para torná-lo contemporâneo – apontou Fernando
Collor.
Atualização
Uma tentativa de atualizar o CDC e ajustá-lo aos tempos de
vendas pela internet foi encabeçada pelo Senado a partir de 2012 quando uma
comissão temporária ficou encarregada de analisar e oferecer sugestões de uma
comissão de juristas. O resultado: o Plenário da Casa aprovou em 2015 os PLS
281/2012 e o PLS 283/2012, ambos assinados pelo ex-senador José Sarney. O
primeiro cria um marco legal para o comércio eletrônico enquanto o segundo
tenta prevenir o superendividamento das famílias. Os dois projetos de
atualização do CDC foram encaminhados à Câmara, onde aguardam decisão dos
deputados.
– A atualização na verdade não se concretizou. Assim como o
PL do superendividamento que está pronto para ser votado na câmara, o PL do
comércio eletrônico ainda está em análise por aquela casa. Temos um decreto de
adequação, mas há muito a se avançar no tema: desde a segurança das transações
até a alteração de normas que afetam o comércio internacional e, portanto, as leis
de introdução às normas do direito brasileiro. Além disso, precisamos entender
se as normas do SAC [Serviço de Atendimento ao Consumidor], por exemplo, estão
adequadas para os meios de consumo online, se há segurança suficiente contra
pirataria e tantos outros temas. O assunto merece avançar – disse o senador
Rodrigo Cunha.
Paulo Paim (PT-RS) considera que o Código de Defesa do
Consumidor carrega princípios que oferecem parâmetros e regras no ambiente
online, mas não descarta novos aperfeiçoamentos diante dos desafios do mundo
digital.
– Com o avanço contínuo da economia digital, das redes
sociais, das plataformas de intermediação, além da possibilidade de aquisição
de produtos, serviços ou conteúdos digitais por meio de aplicativos, bem como
novas formas de contratação na chamada economia de compartilhamento desafia
novos aperfeiçoamentos da legislação consumerista para que seja capaz de
solucionar os novos conflitos daí advindos. Ainda é necessário avançar no CDC
no sentido da ação de educação financeira e ambiental, na prevenção,
tratamento e proteção do superendividamento dos consumidores – avalia.
Histórico
Demanda da sociedade, a elaboração do Código de Defesa do
Consumidor foi incluída na Constituição de 1988 pela Assembleia Constituinte,
prevista no art. 48, do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias do texto constitucional.
Em maio de 1989, o então senador Jutahy Magalhães (PMDB-BA)
apresentou o Projeto de Lei do Senado (PLS) 97/1989. Aprovado em agosto do
mesmo ano pelos senadores, o texto seguiu para a Câmara dos Deputados onde
tramitou como PL 3.683/1989, tendo sido aprovado em definitivo em agosto
de 1990. Encaminhado à sanção, o projeto foi assinado pelo então presidente
Fernando Collor em 11 de setembro daquele ano. Agência Senado
Foto: Arquivo Pessoal