Declarações de deputado contra a democracia e o Estado de
Direito não estão cobertas pela imunidade parlamentar, já que esta garantia
busca preservar a própria democracia e o Estado de Direito. Com esse
entendimento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal confirmou, nesta
quarta-feira (17/2), a prisão em flagrante do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ)
por atentar contra o funcionamento do Judiciário e o Estado Democrático de
Direito.
Silveira foi preso em flagrante nesta terça (16/2) por ordem
do ministro do STF Alexandre de Moraes devido à publicação de um vídeo com
ataques e incitação de violência contra integrantes do Supremo. Diante de uma
nota do ministro Luiz Edson Fachin repudiando tentativas de intimidação da
corte, o deputado o classificou de “filha da puta” e disse que não
poderia ser punido por querer dar uma surra nele.
“Eu também vou perseguir vocês. Eu não tenho medo de
vagabundo, não tenho medo de traficante, não tenho medo de assassino, vou ter
medo de 11? Que não servem para porra nenhuma para esse país? Não… não vou
ter. Só que eu sei muito bem com quem vocês andam, o que vocês fazem”,
completou a ameaça.
Na sessão desta quarta, Alexandre de Moraes votou pela
manutenção da prisão em flagrante do deputado. Segundo o ministro, as
declarações de Silveira são “gravíssimas”, e não somente do ponto de vista
pessoal dos ministros, mas do ponto de vista institucional e de manutenção do
Estado Democrático de Direito.
“Muito mais do que os crimes contra a honra contra ministros
e o STF, muito mais do que ameaça contra a integridade física e a vida de
ministros, muito mais do que ofensas pesadas, as manifestações tiveram o
intuito de corroer o sistema democrático brasileiro e as instituições e de
abalar o regime jurídico do Estado Democrático de Direito”, disse o magistrado.
Conforme Alexandre de Moraes, o parlamentar cometeu os
crimes de tentar mudar o Estado de Direito; tentar impedir o funcionamento do
Judiciário; incitar à subversão da ordem política e social, à animosidade entre
as Forças Armadas e as instituições e à prática de crimes; e caluniar ou
difamar ministros do STF. As condutas são previstas na Lei de Segurança
Nacional (Lei 7.170/1983), artigos 17, 18, 22, incisos I e IV, 23, incisos I,
II e IV e 26.
Para o relator, Silveira em liberdade ameaça a ordem pública
e representa risco social. De acordo com Alexandre, as declarações do deputado
contra a democracia e o Estado de Direito não estão cobertas pela imunidade
parlamentar, já que essa garantia busca preservar aqueles princípios.
Além disso, o relator lembrou que Silveira tem um histórico
de ameaças ao STF e protagonizou “um dos episódios mais lamentáveis” ao quebrar uma placa de rua com o nome da vereadora Marielle Franco (Psol),
assassinada em 2018. No episódio, opinou o ministro, o deputado demonstrou “total escárnio” à figura de Marielle e desrespeito à homenagem que
havia sido feita a ela no Rio de Janeiro.
Todos os ministros seguiram o voto do relator sem maiores
considerações, exceto Marco Aurélio. O decano da corte disse que, em 74 anos de
vida e 42 anos de magistratura, jamais imaginou presenciar e vivenciar ?uma
fala tão ácida, tão agressiva, tão chula no tocante às instituições?.
Marco Aurélio concordou que era imprescindível interromper o
crime em flagrante. “Creio que ninguém coloca em dúvida a essa altura a
periculosidade do preso e a necessidade de preservar a ordem pública e, mais
especificamente, as instituições.”
Prisões contumazes
Daniel Silveira se orgulha de ter sido preso “mais de 90
vezes” pela Polícia Militar do Rio de Janeiro pelos delitos que cometeu. O
deputado, que diz ser professor de luta, ficou famoso ao bater numa placa de
rua com o nome da vereadora Marielle Franco, assassinada em 2018.
Entre as arruaças de Silveira estão a invasão de um colégio,
para contestar o método de ensino da escola e a agressão a um jornalista, por
não gostar das suas perguntas. O deputado, eleito na esteira da onda
bolsonarista, vai enfrentar agora o julgamento de seus pares, na Câmara, que
decidirão se ele segue preso ou não.
Enfrentará também proposta de expulsão do partido, conforme
publica o UOL. O vice-presidente da legenda, deputado Júnior Bozzella (PSL-SP)
anunciou nesta madrugada que se sente envergonhado pelo nível de
irresponsabilidade e desequilíbrio de deputados como Silveira. Bozzella disse
que esses “criminosos travestidos de deputados” não expressam o
sentimento nem o caráter da maioria do povo brasileiro.
Defesa alega perseguição
A advogada Thainara Prado, que faz a defesa do deputado,
divulgou nota afirmando que “a prisão do deputado representa não apenas um
violento ataque à sua imunidade material, mas também ao próprio exercício do
direito à liberdade de expressão e aos princípios basilares que regem o
processo penal brasileiro”.
“Os fatos que embasaram a prisão decretada sequer
configuram crime, uma vez que acobertados pela inviolabilidade de palavras,
opiniões e votos que a Constituição garante aos Deputados Federais e Senadores.
Ao contrário, representam o mais pleno exercício do múnus público de que se
reveste o cargo ocupado pelo deputado.”
“A assessoria do deputado esclarece ainda que não houve
qualquer hipótese legal que justificasse o suposto estado de flagrância dos
crimes teoricamente praticados por Daniel Silveira, tampouco há que se cogitar
de pretensa inafiançabilidade desses delitos. Evidente, portanto, o teor
político da prisão do deputado Daniel Silveira.”
A nota foi postada no perfil do Twitter do próprio deputado.
Ameaça à democracia
Em sua decisão, o ministro Alexandre de Moraes destacou
alguns trechos do conteúdo da fala do deputado. Ele está comentando a nota do
ministro Luiz Edson Fachin, que repudiou a tentativa do alto comando do
Exército de intimidar o Supremo:
Em um determinado momento, o deputado diz sobre Fachin que
“todo mundo está cansado dessa sua cara de filha da puta que tu tem, essa
cara de vagabundo… várias e várias vezes já te imaginei levando uma surra,
quantas vezes eu imaginei você e todos os integrantes dessa corte ? quantas
vezes eu imaginei você na rua levando uma surra”.
E vai além: “Que que você vai falar ? que eu to
fomentando a violência ? Não… eu só imaginei… ainda que eu premeditasse,
não seria crime, você sabe que não seria crime… você é um jurista pífio, mas
sabe que esse mínimo é previsível…. então qualquer cidadão que conjecturar
uma surra bem dada com um gato morto até ele miar, de preferência após cada
refeição, não é crime.”
O deputado ainda cita outra manifestação de afronta ao
Supremo, dessa vez ao concordar com declarações do então ministro da educação,
Abraham Weintraub. “Vocês não têm caráter, nem escrúpulo, nem moral para
poderem estar na Suprema Corte”, disse. “Eu concordo completamente
com o Abraham Waintraub quando ele falou ?eu por mim colocava todos esses
vagabundos todos na cadeia?, aponta para trás, começando pelo STF. Ele estava
certo. Ele está certo. E com ele pelo menos uns 80 milhões de brasileiros
corroboram com esse pensamento.”
E ainda completou com mais ameaças: “Eu também vou
perseguir vocês. Eu não tenho medo de vagabundo, não tenho medo de traficante,
não tenho medo de assassino, vou ter medo de onze? que não servem para porra
nenhuma para esse país? Não… não vou ter. Só que eu sei muito bem com quem
vocês andam, o que vocês fazem.”
“Não é nenhum tipo de pressão sobre o Judiciário não,
porque o Judiciário tem feito uma sucessão de merda no Brasil. Uma sucessão de
merda, e quando chega em cima, na suprema corte, vocês terminam de cagar a
porra toda. É isso que vocês fazem. Vocês endossam a merda.” (Sérgio Rodas ? Conjur).
Foto: Michel Jesus/Câmara dos Deputados