O Senado aprovou nesta
terça-feira (10) o Projeto de Lei (PL) 2.108/2021, que revoga a Lei de
Segurança Nacional (LSN) e inclui na legislação crimes contra o Estado
Democrático de Direito. Desde a apresentação do projeto, em 1991, foram 30 anos
até a aprovação pela Câmara dos Deputados, em maio de 2021, e depois pelo
Senado. O projeto segue para sanção do presidente da República.
O texto tem origem no PL
2.462/1991, do promotor e ex-deputado federal Hélio Bicudo (SP). No Senado,
esse projeto de lei ganhou nova numeração e foi aprovado com a incorporação de
três emendas de redação pelo seu relator, senador Rogério Carvalho (PT-SE).
O apelo para que o texto fosse
votado cresceu porque a LSN, criada em 1983, ainda no período da ditadura
militar, e pouco aplicada após a Constituição de 1988, passou a ser usada mais
recentemente “segundo seus críticos” para punir quem se manifestava contra o
governo de Jair Bolsonaro. De acordo com o relator, o número de inquéritos
instaurados com base nessa lei aumentou significativamente a partir de 2019,
chegando a 51 no ano de 2020.
– A Lei de Segurança Nacional
estava submetida ao esquecimento quando, nos últimos tempos, foi recuperada do
fundo da gaveta e foi promovida pelo atual governo como instrumento
preferencial de silenciamento. Foram várias as tentativas de calar a crítica,
com ações contra o influencer Felipe Neto e o cartunista Aroeira, e não somente
contra eles. Muitos outros jornalistas e manifestantes foram alvos de
perseguição política apoiada por um diploma do tempo da ditadura” disse
Rogério Carvalho.
Para o relator, a LSN é um dos
últimos diplomas normativos de cunho autoritário ainda vigentes após a
redemocratização. Ele apontou resquícios da doutrina de segurança nacional,
que, numa linguagem “belicista”, identificava os críticos e
opositores ao regime autoritário com a figura do inimigo interno.
Segundo o presidente do Senado,
Rodrigo Pacheco, a votação do projeto valoriza o Estado Democrático de Direito.
– Eu gostaria de enaltecer o
evento de hoje [terça-feira], com o Senado funcionando plenamente, por meio do
sistema remoto e também com os senadores presentes, nesse sistema híbrido que
nos impôs a pandemia de coronavírus, a votarmos um projeto que, de fato,
modifica, para não dizer enterra, o entulho autoritário, com uma modificação de
conceitos, estabelecendo e valorizando o Estado Democrático de Direito.
Ao longo da discussão na Câmara
dos Deputados, foram apensados ao texto 14 projetos de lei, apresentados entre
os anos de 2000 e 2021. A Câmara aprovou o projeto sob a forma do substitutivo
da deputada federal Margarete Coelho (PP-PI). Ela adotou como texto-base o PL
6.764/2002, elaborado por uma comissão de juristas com sugestões de diversos
setores da sociedade.
No Senado, o projeto tramitou em
conjunto com o PL 1.385/2021, da senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA). Os dois
textos tratavam da revogação da LSN e tipificavam a mesma gama de crimes. A
diferença é que o projeto de Eliziane Gama pedia edição de uma lei penal
autônoma, enquanto o texto aprovado no Senado promove as alterações no Código
Penal (Decreto Lei nº 2.848, de 1940). Ao optar pelo texto do PL 2.108/2021,
Rogério Carvalho argumentou que essa foi uma matéria extensamente discutida na
Câmara dos Deputados e também no Senado.
Durante a discussão no Senado, no
entanto, vários parlamentares apontaram a falta de oportunidade para debater o
texto, que não foi analisado pelas comissões “as votações nos colegiados
estavam suspensas até julho em razão da pandemia” e passou por apenas uma
sessão temática de debates.
– Não há dúvida de que é preciso
revogar a Lei de Segurança Nacional, que é resquício do regime autoritário. No
entanto, trata-se de matéria de tal relevância que caberia cuidado maior. É
correto que está há 30 anos na Câmara dos Deputados, mas chegou ao Senado
Federal em junho [deste ano], e nós tivemos o recesso. Tivemos apenas uma
sessão de debates, muito pouco para a importância dessa matéria” disse o líder
do Podemos no Senado, Alvaro Dias (PR).
Também houve críticas ao fato de
que o relator rejeitou todas as emendas (ele acatou apenas parcialmente duas
sugestões, sob a forma emendas de redação). Rogério Carvalho argumentou que,
caso houvesse mudanças de mérito no texto, que aguardava aprovação há 30 anos,
a proposta teria que voltar à Câmara.
– Ora, se esse projeto passou 30
anos na Câmara, o Senado é, sem nenhuma dúvida, a Casa revisora, e nós temos
que tramitar esse processo com um debate muito mais amplo com a sociedade. Olhe
só, o nosso relator, por quem nós temos o maior carinho e respeito, e ele fez
com muita maestria o seu trabalho, rejeitou quarenta emendas. Metade do Senado
Federal quis mexer nesse projeto e está sendo cerceada nesse direito, que é um
direito legal ? protestou o líder do Pros no Senado, Telmário Mota (Pros-RR).
O encaminhamento do líder do
governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), foi pela votação do
projeto de forma simbólica, com a votação posterior dos destaques para a
votação de emendas em separado.
– Todos os destaques, na visão do
governo, poderiam melhorar o texto que saiu da Câmara. E, com a aprovação de
pelo menos um dos destaques, a matéria retornaria à Câmara para um melhor
aprofundamento, para um melhor debate.
Destaques
Para que o projeto pudesse seguir
para a sanção do presidente da República, em vez de retornar à Câmara, vários
senadores retiraram os destaques que haviam apresentado. Foi o caso do líder do
MDB no Senado, Eduardo Braga (AM), que classificou a aprovação como um avanço
democrático.
– Tarda a hora de o Brasil
sepultar, de uma vez por todas, essa Lei de Segurança Nacional, que é um
resquício da ditadura e que não condiz mais com a nossa Constituição Cidadã. O
MDB retira seu destaque, entendendo que nós precisamos, no dia de hoje, avançar
e consolidar um passo definitivo em relação à democracia.
Entre as emendas rejeitadas está
a apresentada pelo senador Esperidião Amin (PP-SC), que previa a punição, por
abuso de autoridade, da conduta do magistrado que requisita a instauração de
inquérito policial para investigar supostas condutas de que foi vítima e cuja
ação penal, depois, será de sua responsabilidade.
– Deu para entender? [Ocorre
quando] O juiz requisitar um inquérito na suposição de que ele seja a vítima de
uma agressão, sendo que ele será o juiz, podendo haver recurso ou não. Esse
abuso de poder deve ser repelido e deve ser considerado um crime de abuso de
autoridade, que pode estar acontecendo – disse o senador.
Também foi rejeitada emenda
apresentada pelos senadores Telmário Mota, Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ),
Marcos Rogério (DEM-RO) e Sérgio Petecão (PSD-AC). Eles queriam retirar do
texto um dispositivo que tipifica o crime de atentado ao direito de
manifestação, com aumento de pena para militares e perda do posto e da patente
ou graduação.
absolutamente exagerada na punição de agentes militares. Se aprovado esse
dispositivo, estaremos inibindo toda e qualquer ação desses agentes, por
temerem uma pena de prisão ou regime inicialmente fechado, além da perda do seu
posto e de patente militar quando, na verdade, eles podem, simplesmente, ter
agido com o cumprimento da lei para a manutenção da ordem, tendo em vista a
subjetividade da classificação de uma manifestação livre e pacífica – disse Telmário.
Ao falar contra esse destaque, o
líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), argumentou que o
projeto não inibe a repressão a quem verdadeiramente atenta contra a ordem
democrática. Como exemplo, ele citou ameaças de morte a senadores e
manifestações em que foram lançados fogos de artifício contra o Supremo
Tribunal Federal.
– Esses arruaceiros, que atentam
contra a ordem democrática e o Estado de Direito, esses aí, que querem destruir
a ordem democrática, todo o Plenário pode ficar tranquilo; vão continuar indo
para a cadeia. A polícia vai continuar atuando em relação a eles. (…) É por
isso que nós temos que aprovar o projeto hoje e mandá-lo para a sanção
presidencial. E, se não ocorrer a sanção, haverá a apreciação do [respectivo]
veto por parte do Congresso Nacional – declarou Randolfe. ( Agência Senado).
Foto: Waldemir Barreto/Agência
Senado