Processos baseados apenas na Lei de Segurança Nacional devem ser extintos

O Senado aprovou, nesta terça-feira (10/8), a revogação da
Lei de Segurança Nacional (LSN) e a criação de dez novos crimes contra o Estado
democrático de Direito. O texto ainda será sancionado pelo presidente Jair
Bolsonaro, que pode promover vetos. Mas desde já surge a dúvida sobre o futuro dos
processos baseados lei.

De acordo com a jurista Jacqueline Valles, mestre em Direito
Penal pela PUC-SP, a partir da sanção presidencial, “todo mundo que
estiver sendo processado com base na LSN terá seu processo extinto”. Ela
lembra do artigo 107 do Código Penal, “que estabelece a extinção de um
crime devido à publicação de lei que extinga o delito”.

O criminalista Daniel Gerber, sócio do escritório Daniel
Gerber Advogados Associados, confirma: “Na medida em que a lei revogada é
de caráter penal, sem dúvida alguma ela extinguirá também toda e qualquer
acusação baseada nos seus delitos então previstos”. Ele cita o princípio
da retroatividade da lei penal benigna ? previsto no inciso XL do artigo 5º da
Constituição ? e o artigo 2° do Código Penal ? que determina o fim dos efeitos
das condutas que deixam de ser consideradas crimes.

Inquéritos

Alguns processos de impacto nacional se valem de crimes
previstos na LSN. Um deles é o inquérito das fake news, que investiga a
disseminação de conteúdo falso na internet e ameaças a ministros do Supremo
Tribunal Federal. Além disso, outro inquérito aberto pelo STF investiga uma
quadrilha digital antidemocrática ? é um desmembramento do inquérito contra os
atos democráticos, arquivado em julho.

Mas segundo Daniel Bialski, mestre em Processo Penal pela
PUC-SP e sócio do Bialski Advogados, a abrangência desses inquéritos deve
garantir seu prosseguimento: “Por ora eles continuam, até porque existem
outras condutas ali examinadas e investigadas”.

Já Vera Chemim, advogada constitucionalista e mestre em
Direito Público pela FGV, alerta: “Em se tratando de inquérito de natureza
penal, a regra geral é a de que os dispositivos de lei utilizados para a sua
instauração, visando a investigação de supostos atos ilícitos previstos e agora
revogados por uma nova lei, percam o seu efeito, e, nesse caso, haveria a
possibilidade de o inquérito ser arquivado”.

Resquício ditatorial

A agora revogada LSN foi criada durante a ditadura militar,
na intenção de proteger a integridade e a soberania nacionais. Sua modificação
passou a ser debatida após o aumento do número de inquéritos abertos pela
Polícia Federal com base na lei, nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro.

Dentre os novos crimes criados estão o atentado ao direito
de manifestação, a perturbação do processo eleitoral e a disseminação de fake
news durante as eleições. Para Chemin, “a mudança foi razoável e
proporcional às necessidades atuais do regime democrático brasileiro”.

Para Valles, a aprovação no Congresso é um passo importante
para garantir direitos constitucionais básicos: “Essa revogação vem quando
a sociedade não tolera mais nenhuma intervenção do Estado contra o direito à
livre manifestação do cidadão”, ressalta.

Bialski elogia a modernização da legislação penal, mas
defende que isso vá além de mudanças pontuais: “Diversas das leis
existentes ? o próprio Código Penal e o Código do Processo Penal ? merecem uma
ampla reforma”.

Já Gerber vê a revogação como um avanço, mas entende que a
lei aprovada pelo Congresso continua exercendo um controle equivocado sobre os
meios de comunicação: “A criminalização sobre quem distribui fake news
nada mais é do que se dar ao Judiciário o poder subjetivo de decidir o que é ou
não é verdade e impor uma espécie de censura que não merecia viver em um Estado
democrático de Direito”. (Conjur).

Foto: Agencia Senado