Sérgio Moro rasga a Constituição e queima a Convenção Americana

Devagar com o andor porque o santo é de barro. O juiz de
primeiro grau da Operação Lava Jato Sérgio Moro e Antônio César Bochenek
(presidente da Associação dos Juízes Federais) acabam de rasgar publicamente a
Constituição brasileira, queimando, ao mesmo tempo, tal como fazia a Inquisição
católica contra as [bruxas] nos séculos XV-XVIII, a Convenção Americana de
Direitos Humanos.

A proposta surreal deles é a seguinte: [atribuir à sentença
condenatória de primeiro grau, para crimes graves em concreto (sic), como
grandes desvios de dinheiro público (sic), uma eficácia imediata, independentemente
do cabimento de recursos] (Estadão 29/3/15). Fiquei arrepiado e de cabelo em pé
com a descabelada e inoportuna ideia, gritantemente inconstitucional e
inconvencional.

Tudo levava a crer que, com a Operação Lava Jato, o Brasil
fosse passado a limpo, dentro da legalidade. Forjamos a esperança de que
surgiriam, depois do devido processo, outros [bandidos quadrilheiros da
República] (expressão usada no julgamento do mensalão por ministros do STF).
Mas mirando bem de perto algumas das ideias disparatadas defendidas por Sérgio
Moro, invadiu-me o pressentimento de que ele não oferece nenhuma garantia para
a nação de que todo seu hercúleo trabalho esteja sendo feito dentro das regras
do Estado de Direito. A continuar com ideias tão alopradas, ele pode se
transformar na mesma decepção gerada pela seleção brasileira de 2014.

Estou com a sensação de que se encontram em fogo brando
novas travessuras como as das Operações Castelo de Areia e Satiagraha, que
foram declaradas nulas pela Justiça, deixando na impunidade criminosos de
colarinho branco altamente perniciosos para os interesses nacionais.

A ideia de estabelecer a prisão como regra (sic), logo após
a sentença de primeiro grau (como se o juiz fosse Deus e não errasse), viola a
Constituição brasileira (a presunção de inocência) e, preocupantemente,
restabelece o espírito fascista do Código de Processo Penal de 1941, redigido
durante o Estado Novo de Getúlio Vargas.

A milenar Inquisição inteiramente reformatada com o Malleus
Maleficarum de 1487 (obra dos padres Krämer e Sprenger) já saiu do ordenamento
jurídico brasileiro, mas muitos juízes e doutrinadores não saíram de dentro
dela. A forma mentis inquisitiva está impregnada nas almas de ideias
torquemadas, em pleno século XXI. Umberto Eco, com toda razão, disse que ainda
não acertamos todas as nossas contas com a Idade Média. Nada mais verídico e
entristecedor.

Para além de inconstitucional, a ideia aventada é
flagrantemente inconvencional porque viola tanto a Convenção Americana de
Direitos Humanos (art. 8º) como a jurisprudência consolidada da Corte
Interamericana, que asseguram a presunção de inocência em dois graus de
jurisdição, só permitindo a prisão imediata de forma excepcionalíssima e quando
presente um motivo concreto cautelar (réu ameaçando testemunhas, por exemplo).

A proposta da Ajufe, subscrita por Sérgio Moro, ademais,
viola a regra da [vedação de retrocesso] (conhecida como efeito cliquet). O
direito da liberdade não pode retroceder. Era autoritário e despótico em 1941 e
tudo isso virou pó com a CF de 88 e reformas legislativas posteriores,
secundadas pela jurisprudência do STF. Todo esse avanço, sob pena de flagrante
inconvencionalidade, não pode mais recuar.

Mais ainda: esse conjunto normativo internacional que
garante a presunção da inocência assim como a regra da liberdade em dois graus
de jurisdição conta com força supralegal (STF, RE 466.343-SP). Logo, qualquer
lei em sentido contrário não teria nenhuma eficácia no Brasil. Seria tão
infértil quanto um monge virtuoso.

As leis somente são válidas quando apresentam dupla
compatibilidade vertical: com a CF e com o ordenamento jurídico do sistema
interamericano. Os bandidos do colarinho branco devem ser rigorosamente punidos
pelas suas pilhagens ao patrimônio público, mas tudo deve seguir rigorosamente
as regras do Estado de Direito, sob pena de a Operação Lava Jato morrer na praia
(frustrando o desejo nacional de passar o Brasil a limpo).

(Luis Flavio Gomes/Colunista) – Congresso em Foco