[O Estado não pode simplesmente se eximir da execução
direta] de certas atividades, passando a tarefa para a iniciativa privada. Foi
o que defendeu nesta quarta-feira (15/4) o ministro Marco Aurélio, do Supremo
Tribunal Federal, em ação que discute os limites da contratação de organizações
sociais para executar serviços públicos.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.923 tramita desde
1998 e ataca a Lei de Organizações Sociais. De acordo com a inicial, a norma
desobedece a Constituição ao permitir que a administração pública delegue a
entidades privadas a execução de serviços que o Texto diz ser obrigações
estatais.
O voto do ministro Marco Aurélio foi um voto-vista que
discordou dos dois votos que o antecederam, dos ministros Ayres Britto
(relator) e Luiz Fux. Depois do voto do vice-decano, a sessão foi suspensa e
conclusão do caso ficou para esta quinta-feira (16/4).
De acordo com o ministro Fux, a Constituição permite outras
formas de organização da atividade estatal que não apenas a centralização da
prestação de serviços essenciais. Segundo o ministro, a decisão do que pode ou
não ser delegado a organizações sociais é do Congresso, obedecendo o [princípio
democrático].
Mas Marco Aurélio discorda. Segundo ele [a modelagem
estabelecida pelo Texto Constitucional para a execução de serviços públicos
sociais como saúde, ensino, pesquisa, cultura e preservação do meio ambiente,
não prescinde de atuação direta do Estado]. Por isso, continua, são
inconstitucionais leis que [emprestem ao Estado papel meramente indutor nessas
áreas, consideradas de grande relevância pelo constituinte].
Segundo o ministro, essa distribuição de tarefas [configura
privatização que ultrapassa as fronteiras permitidas pela Constituição].
No caso dos serviços de saúde, o artigo 196 da Constituição
Federal os declara [direito de todos e dever do Estado]. O artigo 199, embora
mencione que a [assistência à saúde é livre à iniciativa privada], explicita,
no parágrafo 1º, que a participação das instituições privadas se dá apenas de
forma complementar ao sistema único de saúde, completa o ministro.
O mesmo acontece com a educação, que, segundo os artigos 205
e 208 da Constituição, é [dever do Estado], segundo Marco Aurélio. Já o artigo
211, parágrafo 1º, dá à União a tarefa de financiar [as instituições de ensino
públicas federais].
No campo da cultura, continuou o ministro, de acordo com o
artigo 215 da Constituição, o [Estado garantirá a todos o pleno exercício dos
direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional], sem prejuízo de
apoiar e incentivar a valorização e a difusão das manifestações culturais.
Marco Aurélio também defende que a administração pública não
pode delegar a promoção do [desenvolvimento científico, a pesquisa e a
capacitação tecnológicas].
E sobre o meio ambiente, o ministro cita o artigo 225 da
Constituição, que confere ao poder público e à coletividade o dever de defender
e preservar o meio ambiente [para as presentes e futuras gerações]. [Por mais
que se reconheça a importância de atuação conjunta do poder público e da
sociedade na defesa e preservação do meio ambiente, fato é que não há como se
admitir a transferência integral da execução direta dessas atividades para a
iniciativa privada, assumindo o Estado papel de mera indução e coordenação],
proferiu.
Por Marcelo Galli|CONJUR
Foto: STF