O presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) afirmou nesta sexta-feira (27) que a meta fiscal do ano que vem não
precisa ser zero. A declaração contraria o que era uma das principais bandeiras
do ministro Fernando Haddad (Fazenda), que vinha resistindo ao ceticismo
crescente – inclusive dentro do governo- acerca da eliminação do déficit das
contas públicas em 2024.
Lula disse que esse resultado
dificilmente será atingido porque, inclusive, não quer realizar cortes em
investimentos e obras no ano que vem. Para o presidente, um déficit
correspondente a 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto) não seria nada.
“Deixa eu dizer para vocês
uma coisa. Tudo o que a gente puder fazer para cumprir a meta fiscal, a gente
vai cumprir. O que eu posso te dizer é que ela não precisa ser zero. A gente
não precisa disso. Eu não vou estabelecer uma meta fiscal que me obrigue a
começar o ano fazendo corte de bilhões nas obras que são prioritárias nesse
país”, disse o presidente, em resposta a questionamento da reportagem.
A Bolsa brasileira despencou e o
dólar subiu após as declarações. Taxas de contratos futuros de juros também
avançaram.
Lula afirmou que o mercado sabe
que a meta fiscal de déficit zero não será atingida, mas que os investidores
são gananciosos.
“Muitas vezes o mercado é
ganancioso demais e fica cobrando uma meta que eles sabem que não vai ser
cumprida. Então eu sei, conversando com o Haddad, sei da vontade do Haddad, sei
da minha disposição, e quero dizer para vocês que nós dificilmente chegaremos à
meta zero, até porque eu não quero fazer cortes em investimentos de
obras”, afirmou.
“Se o Brasil tiver um
déficit de 0,5% [do PIB], o que é? De 0,25%, o que é? Nada, absolutamente nada.
Então vamos tomar a decisão correta e vamos fazer aquilo que vai ser melhor
para o Brasil”, completou.
O mandatário respondeu às
perguntas durante café da manhã com jornalistas no Palácio do Planalto, após
fazer apresentação inicial aos presentes. O encontrou aconteceu na semana em
que o presidente retomou seus despachos de maneira presencial no palácio, após
um período de recuperação das cirurgias a que foi submetido no fim de setembro.
Zerar já em 2024 o déficit
primário (aquele que desconsidera a conta com juros) foi uma premissa usada por
Haddad em toda a discussão do novo arcabouço fiscal, substituto do antigo teto
de gastos, e se tornou uma das principais bandeiras do ministro.
A nova legislação fiscal
– formulada pela equipe econômica, aprovada pelo Congresso e sancionada pelo
presidente-, foi apresentada acompanhada da promessa uma melhora gradual nas
contas públicas a cada ano.
A promessa de zerar o déficit
primário foi consolidada no momento em que o governo enviou o PLDO (Projeto de
Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2024 ao Congresso, em abril, considerando
uma meta central para o resultado das contas do governo (receitas menos
despesas) correspondente a 0% do PIB -com uma banda de 0,25 ponto percentual do
PIB para cima ou para baixo.
Como o governo projeta para 2023
um resultado de -1,4% do PIB (ou um rombo de R$ 141 bilhões), o esforço para
reequilibrar as contas já no ano que vem seria significativo. O país vem
apresentando contas no vermelho desde 2014 (ano sob Dilma Rousseff) – com
exceção só em 2022.
Na prática, a promessa de Haddad
elevou a pressão do governo para aumentar as receitas. Na proposta de Orçamento
enviada ao Congresso, a equipe econômica conta com um incremento de R$ 168,5
bilhões na arrecadação decorrente, em grande parte, de novas medidas.
Nesta semana, o ministro chegou a
pedir ajuda ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para acelerar a
análise de uma das principais medidas do pacote fiscal com o objetivo de
garantir a arrecadação prevista pela proposta. Ficou acertado uma nova rodada
de conversas entre Haddad e parlamentares sobre o tema na semana que vem.
Agora, no entanto, o próprio
Congresso já se prepara para uma mudança de cenário -o que deve levar a um novo
tratamento na tramitação das propostas. O deputado Danilo Forte (União
Brasil-CE), relator do projeto de diretrizes orçamentárias para o ano que vem,
diz que a fala de Lula representa um comando para alterar a meta de 2024.
Nos últimos meses, Haddad vinha
seguindo irredutível na intenção de manter o déficit zero mesmo com a promessa
sendo vista com descrença não só pelo mercado, mas também por ministros,
técnicos do governo e congressistas, conforme mostrou a Folha de S.Paulo.
Um dos alertas, segundo relatos,
veio da própria ministra Simone Tebet (Planejamento e Orçamento). Em reunião
com a presença de Haddad e dos ministros Rui Costa (Casa Civil) e Esther Dweck
(Gestão), Tebet chegou a enfatizar os obstáculos de se conseguir a aprovação de
tantas medidas para ampliar a arrecadação.
Na ocasião, Tebet chegou a
argumentar que uma meta de déficit de 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto) seria
mais crível já que o próprio mercado projeta um resultado negativo de 0,75% do
PIB para o ano que vem. Ou seja, considerando a margem de tolerância de 0,25
ponto percentual (criada pelo novo arcabouço), o governo estaria cumprindo seu
objetivo para o ano que vem caso a ideia de Tebet tivesse prevalecido.
O ministro da Fazenda vinha
ponderando que, como a peça orçamentária só é votada no fim do ano, o governo
teria tempo para administrar eventual alteração nos meses seguintes caso ela se
mostrasse de fato necessária.
Sem nenhuma mudança, economistas
passaram a avaliar que Haddad precisaria impor, já no começo do ano, um freio
de R$ 53 bilhões nos gastos para evitar o descumprimento da meta no primeiro
ano de vigência do novo arcabouço, conforme mostrou a Folha de S.Paulo.
Lula também afirmou, durante o
evento, que 2024 será de dificuldades para a economia, por conta do contexto
internacional, e que é necessário avaliar medidas para evitar danos maiores.
“Obviamente nós sabemos que
o ano que vem se apresenta como um ano difícil por conta da queda de
investimento da China, a queda do crescimento da China e aumento da taxa de
juros americanos”, afirmou.
O mandatário disse que, por causa
do cenário, pediu internamente um “check-up” sobre a situação. “É por isso que inventaram o check-up, que é para evitar que a doença se
prolifere. Então, temos consciência do que está acontecendo na economia mundial
e temos que atuar agora para evitar que aconteça o que pode acontecer. É como a
gente faz o ‘checkupzinho’ a cada um ano, dois anos, para evitar uma doença que
já não tenha mais cura.”
Apesar disso, o presidente
afirmou que o Brasil tem boas condições jurídicas e estabilidade para atrair
investimentos internacionais. O presidente falou sobre a atração de recursos em
particular para a área de economia verde, com a negociação de créditos de
carbono e outras medidas voltadas à agenda sustentável.
“Esse país se apresenta como
novo berçário dos investimentos, e queremos competir com quem quer que seja
porque nessa área [verde] acho que o Brasil é imbatível”, afirmou.
“Nós queremos construir
parcerias produtivas para que as pessoas não venham com seus fundos aqui apenas
explorar a taxa de juros alta. Que ele [investidor] venha para cá para investir
em coisas produtivas que gerem um produto, que gerem um emprego, que gerem um
salário, que gerem um dinamismo de crescimento na nossa economia brasileira,
que é o que nós estamos precisando.” – (Marianna Holanda, Mateus Vargas
e Renato Machado – FolhaPress).
Foto: Canal/GOVBR