A Polícia Federal deflagrou uma
operação nesta quarta-feira (8) para prevenir atos terroristas no país. De
acordo com a apuração que deu origem à ação, atos preparatórios estavam em
andamento para ataques a prédios da comunidade judaica no Brasil.
Segundo informações às quais a
Folha teve acesso, o planejamento envolvia recrutados pelo Hezbollah, grupo
extremista islâmico xiita que atua no Líbano e recebe financiamento do Irã. Na
atual guerra entre Israel e Hamas, o Hezbollah é aliado do grupo palestino.
A PF cumpriu dois mandados de
prisão e 11 mandados de busca e apreensão em Minas Gerais, São Paulo e no
Distrito Federal. De acordo com nota divulgada pela entidade, recrutadores e
recrutados devem responder pelos crimes de “constituir ou integrar organização
terroristas” e de “realizar atos preparatórios de terrorismo”.
Se somadas, as penas máximas para tais crimes podem chegar a 15 anos e 6 meses
de prisão.
Desde o início da guerra entre
Tel Aviv e o grupo terrorista Hamas, que se desenrola na Faixa de Gaza, a
fronteira entre Líbano e Israel se tornou a frente secundária do conflito. O
local tem sido palco de frequentes trocas de tiros entre o Exército israelense,
de um lado, e o Hezbollah e seus aliados de outro – o
que aumenta temores de que a guerra se estenda pela região.
Na última terça (7), 20 foguetes
foram disparados do Líbano em direção a Israel, sem deixar mortos ou feridos, e
o Exército israelense respondeu com artilharia. Já no domingo (5), trocas de
fogo para estabelecer posições mataram 4 civis, 3 deles crianças, segundo o
grupo islâmico e o governo do Líbano.
Em nota, a Conib (Confederação
Israelita do Brasil) manifestou “enorme preocupação” com as suspeitas
de atentados contra alvos judaicos no Brasil. “O terrorismo, em todas as
suas vertentes, deve ser combatido e repudiado por toda a sociedade
brasileira”, afirmou a confederação. “Os trágicos conflitos do
Oriente Médio não podem ser importados ao nosso país, onde diferentes
comunidades convivem de forma pacífica, harmoniosa e sem medo do
terrorismo.”
A guerra multiplicou os casos de
antissemitismo e islamofobia em diversos países do mundo. No domingo, a
Comissão Europeia condenou o ressurgimento de atos antissemitas que fazem com
que os judeus da Europa vivam “novamente com medo”.
“O aumento dos incidentes
antissemitas na Europa atingiu nos últimos dias níveis extraordinários,
reminiscentes de alguns dos tempos mais sombrios da história”, afirmou o
braço executivo da União Europeia em comunicado.
Essa não foi a primeira vez que a
PF agiu contra o grupo islâmico em território nacional. Em setembro de 2018, a
entidade prendeu o comerciante Assad Ahmad Barakat, 51, acusado pelo governo
americano de ser um financiador do Hezbollah. A prisão, decretada pela justiça
paraguaia pelo crime de falsidade ideológica, aconteceu em Foz do Iguaçu, no
Paraná, após autorização do Supremo Tribunal Federal.
Segundo o governo americano,
Barakat usava suas empresas de importação e exportação de eletrônicos na
Tríplice Fronteira para enviar dinheiro ao Hezbollah no Líbano e na Síria.
O libanês já havia sido preso no
Brasil em 2002 e extraditado para o Paraguai no ano seguinte, quando foi
condenado pela Justiça. Ele ficou na prisão até 2008, quando foi solto e
decidiu retornar ao Brasil, mantendo negócios no Paraguai, na Argentina e no
Chile, segundo a PF.
Em entrevista à Folha de S.Paulo
em 2002, ele disse que havia “uma grande ignorância no Ocidente” sobre o grupo, e atribuiu sua prisão a uma “vingança comercial”.
A Tríplice Fronteira, um dos
principais destinos da diáspora árabe na América do Sul, ganhou destaque com a
guerra ao terror travada pelos Estados Unidos após os atentados de 11 de
setembro de 2001. Depois dos ataques, a região foi apontada como origem de
remessas de dinheiro para grupos terroristas, embora alguns especialistas digam
que não há evidências claras para sustentar tal suspeita.
Década antes, atentados contra
centros judaicos na Argentina já chamavam a atenção para a região. O primeiro,
em 1992, atingiu a Embaixada de Israel em Buenos Aires e deixou 29 pessoas
mortas. O segundo, em 1994, foi o maior ataque terrorista da história do país.
O alvo foi a Amia (Associação Mutual Israelita-Argentina), em Buenos Aires, e
matou 85 pessoas.
Em 2005, a procuradoria argentina
chegou a acusar o Irã de encomendar o ataque ao Hezbollah, mas até hoje o caso
não foi completamente esclarecido. No último julho, quando o atentado completou
29 anos, o atual presidente da Amia, Amos Linetzky, pediu justiça. “Nossa
democracia está eclipsada pelos 29 anos de uma vergonhosa impunidade, sem um só
responsável pelo assassinato de 85 pessoas”, afirmou ele em um discurso na
associação.
Linetzky aproveitou a sua fala
para parabenizar a Argentina por considerar o Hezbollah uma organização
terrorista a despeito das mudanças de governo. “Esperamos que outros
países irmãos, como Uruguai, Chile, Brasil e Peru também se somem a nós, porque
precisamos de um esforço conjunto para combater o crime organizado e o
terrorismo internacional”, disse ele. (FABIO SERAPIÃO E DANIELA ARCANJO – Folha Press).
Foto: Site Policia Federal