Nova fronteira agrícola enfrenta dificuldades no escoamento da produção

A produção agropecuária bate
recordes no Brasil, com o crescimento de 15,1% em 2023, o maior desde 1995, de
acordo com o Ministério da Agricultura e Pecuária. O escoamento da produção, no
entanto, ainda é um problema para o país. O transporte centrado no modal
rodoviário, com carência de ferrovias e hidrovias, e a dificuldade de acesso
aos portos, especialmente na metade norte do país, dificultam o escoamento e as
exportações.

Dados da Confederação Nacional da
Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) apontam que a soja e o milho, dois
destaques na produção nacional, somaram, juntos, 286,5 milhões de toneladas em
2023. Grande parte da produção é proveniente das novas fronteiras agrícolas,
acima do paralelo 16°S, que atravessa, na horizontal, do sul de Mato Grosso ao
sul da Bahia. Para o agronegócio essa é a linha divisória de preferência de
escoamento da safra de grãos.

Segundo a CNA, do total da safra
de soja e milho, 197 milhões de toneladas foram produzidas na parte ao norte do
paralelo, e 89 milhões na parte ao sul dessa linha. Quando se consideram as
exportações, no entanto, a parte norte é responsável por 61,7 milhões de
toneladas, contra 119,7 milhões de toneladas exportadas em portos da região ao
sul.

– As regiões de novas fronteiras
agrícolas envolvem o estado do Mato Grosso e o “Matopiba” [região
formada pelo estado do Tocantins e parte dos estados do Maranhão, Piauí e
Bahia], que têm tido um grande destaque como produtores. Nessas novas fronteiras
agrícolas, que ficam no mapa acima do paralelo 16, são produzidos 69% de toda a
soja e o milho, mas escoamos pelos portos do Arco Norte, que vão do Amazonas
até a Bahia, somente 34% ? disse a assessora técnica da CNA Elisangela Pereira
Lopes.

A assessora da CNA foi uma das
participantes de audiência pública feita pela Comissão de Agricultura (CRA) na
quarta-feira (6) para discutir os desafios para o escoamento da safra
brasileira nos próximos anos. O debate foi requerido pelo senador Jaime Bagattoli
(PL-RO), vice-presidente da comissão.

– Se nada for feito nos próximos
dez anos, o Brasil já entrará em colapso porque nós não temos condições. (…)
É muito difícil para nós produtores, porque além de nós estarmos preocupados
“da porteira para dentro”, temos que estar preocupados “da
porteira para fora” ? disse o senador.

Portos

Em 2013, o Congresso aprovou a
medida provisória que deu origem à Lei dos Portos (Lei 12.815, de 2013). A
principal mudança da lei foi a possibilidade de concorrência entre portos
públicos e terminais privados. Dois anos depois, em 2015, começaram os
leilões, que, segundo a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq),
somaram 48 até 2023.

A agência é responsável
por regular, supervisionar e fiscalizar as atividades de prestação de
serviços de transporte aquaviário e de exploração da infraestrutura portuária e
aquaviária no país. 

Para o diretor da Antaq Alber
Vasconcelos, não há gargalo logístico em relação ao número de portos no país.
Ele afirmou que atualmente existem 162 instalações portuárias ao longo da costa
brasileira.

– Foi muito feliz o legislador
com o aperfeiçoamento da Lei 12.815, ao abrir a possibilidade de o setor
privado – o empresário – investir no seu porto. Nós só conseguimos dar vazão a
essa movimentação com as nossas autorizações nos portos privados, principalmente
ali na região do Arco Norte, acima do paralelo 16, onde, em 2010, houve a
movimentação de 11 milhões [de toneladas] e passamos para 100 milhões em 2023 – disse o diretor.

Outro aperfeiçoamento feito pelo
Congresso em 2023 foi a ampliação, até 2028, do prazo do Regime Tributário para
Incentivo à Modernização e à Ampliação da Estrutura Portuária (Reporto),
previsto na Lei 14.787, de 2023. O Reporto prevê incentivos fiscais para
investimentos em portos, como compra de máquinas e equipamentos. Esse regime
especial permite que os beneficiados comprem equipamentos com desoneração de
Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), PIS e Cofins e Imposto de
Importação (II).

Hidrovias

A dificuldade de escoamento de
parte da produção do país também é resultado de problemas com as vias de
acesso aos portos. Foi o que ocorreu neste verão, com a seca severa que assolou
os principais rios da região amazônica. O problema climático interrompeu o
tráfego nos rios e parte da carga teve que ser desviada para o Sul e o Sudeste,
gerando insegurança para produtores e investidores.

– A gente tem que olhar também,
ter essa visão, de que a logística não significa simplesmente o porto. Eu tenho
que chegar até o porto, então tem que ter os acessos. E não é só o rodoviário e
o ferroviário, é o acesso aquaviário. Se você pegar os grandes países, os
desenvolvidos, a matriz é basicamente 30-30-30, então você tem 30% na rodovia,
30% na ferrovia e 30% nas hidrovias. Hoje, aqui no Brasil, a parte hidroviária
não ultrapassa 10% – disse o diretor da Antaq, segundo o qual já está em
estudos a implantação de novos de trechos de hidrovias no país.

A gerente técnica da Associação
de Terminais Portuários Privados (ATP), Ana Paula Gadotti, afirma que é preciso
investir em infraestrutura aquaviária, com levantamentos hidrográficos
periódicos, gestão do tráfego, manutenção e sinalização náutica, além de
implantação de estruturas de primeira resposta para incidentes ambientais,
especialmente a Barra Norte do Rio Amazonas.

– Uma outorga hidroviária na
região faria muito bem e poderia dar conta de todas essas obras e
investimentos  no local, para maior segurança da navegação dos navios que
acessam nossos portos, das instalações portuárias e da carga do agronegócio
principalmente – disse a representante dos portos privados.

Rodovias

Os problemas das rodovias que
deveriam garantir o acesso aos portos também contribuem para a dificuldade do
escoamento da safra. Um exemplo do entrave é a BR 163, que corta o Brasil de
Norte a Sul e é um dos principais corredores logísticos do Arco Norte,
responsável pelo escoamento de mais de 20 milhões de toneladas por ano, segundo
a ATP.

Ana Paula Gadotti explica que a
concessionária Via Brasil, responsável pela rodovia na parte que liga Mato
Grosso ao Pará, tem como obrigação, por contrato, executar os acessos até as
regiões dos terminais portuários às margens do Rio Tapajós. A concessionária,
no entanto, não apresentou um cronograma detalhado para a execução dos acessos
a dois portos. Apenas o acesso ao terminal de Mirituba está em andamento pelo
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

– Os dois acessos para
Santarenzinho e para Itapacurá ainda estão indefinidos, e a gente precisa de
uma definição para poder ter essa segurança e essa previsibilidade no
escoamento da carga. O que a gente sabe, de última informação, é que a
concessionária ainda não apresentou o cronograma detalhado que tenha previsão
de investimento nesses dois últimos trechos – disse.

De acordo com o Departamento
Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), “houve uma melhora
significativa nas rodovias brasileiras”. No Arco Norte, as principais
ações foram a melhoria da malha rodoviária e a intensificação e conclusão de
obras estruturantes.

– Se levarmos em consideração só
os corredores do agro, os principais investimentos, chegamos, em 2023, a um
investimento de R$ 3,6 bilhões liquidados, contra R$ 1,98 bilhão em 2022. Nossa
perspectiva para 2024 é alcançar R$ 4,7 bilhões nesses corredores – disse o
diretor-geral do Dnit, Fabricio Galvão.

Outro resultado apresentado pelo
órgão é a melhora do ICM, índice que mede a conservação e a manutenção das
rodovias. O índice é calculado a partir de levantamento de campo, feito
mensalmente pelo Dnit, e leva em conta aspectos da pavimentação e da conservação.
De acordo com o diretor, no Arco Norte, o índice de rodovias com qualidade boa
subiu de 52% em 2022 para 80% em 2023, um aumento de 2 mil quilômetros.

Ferrovias

Para o senador Wellington
Fagundes (PL-MT), grande parte da produção ainda se perde nas rodovias não só
por ineficiência na manutenção, mas também pela quantidade de acidentes. O
senador defendeu o desenvolvimento do modal ferroviário e destacou a construção
da primeira ferrovia estadual, em Mato Grosso.

– É a primeira ferrovia por
autorização estadual do Brasil, e tudo isso só foi possível porque nós aqui
aprovamos o marco regulatório das ferrovias, do qual todos nós participamos.
Essa ferrovia está avançando de Rondonópolis rumo a Cuiabá, e também com outro
ramal chegando até Lucas do Rio Verde – comemorou.

O Marco Legal das Ferrovias,
citado pelo senador, foi aprovado pelo Congresso em 2021, para permitir à União
autorizar a exploração de serviços de transporte ferroviário pelo setor privado
em vez de usar concessão ou permissão. Alguns trechos vetados pelo então
presidente Jair Bolsonaro foram retomados pelo Congresso em 2023, após a
derrubada dos vetos.

A senadora Margareth Buzetti
(PSD-MT) afirmou que é preciso ter todos os modais funcionando para que o
agronegócio tenha condições de trabalhar. Ela criticou a suspensão, pelo
Supremo Tribunal Federal (STF), do projeto da Ferrogrão, ferrovia que ligará Sinop
(MT) ao distrito de Miritituba (PA). A ferrovia é considerada uma importante
via para escoar a produção agrícola do Centro-Oeste até os portos do
Norte. 

– Eu não quero que este país não
dê certo, mas, às vezes, a gente fica até com dificuldade de acreditar quando
vê esse tipo de coisa: o STF impedindo o estudo da Ferrogrão. Nós vamos ver
outros entraves aí, mas temos que, com garra, com determinação, enfrentar – disse a senadora.

A decisão sobre a continuidade do
projeto é esperada para o fim de março. (Agência Senado).

Foto: Rodrigo Leal/Apa