O Senado realizou, nesta
quinta-feira (21), sessão especial em homenagem ao Dia Mundial das Águas,
comemorado anualmente em 22 de março. O requerimento para a comemoração foi
apresentado pela presidente da Comissão de Meio Ambiente (CMA), senadora Leila Barros
(PDT-DF).
O Dia Mundial das Águas foi
instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1993, com a finalidade
de alertar a população sobre o uso consciente e a necessidade de preservação do
recurso natural.
Em sua fala, Leila Barros
ressaltou que o planeta está enfrentando uma crise mundial sem precedentes, e
que as mudanças climáticas vêm provocando alterações inesperadas nos padrões de
chuva, resultando em secas prolongadas em algumas regiões e enchentes catastróficas
em outras. De acordo com a senadora, esses eventos extremos não apenas ameaçam
a segurança hídrica e ampliam as diferenças entre todos os povos, provocando o
racismo, mas também ampliam as diferenças sociais, econômicas e raciais,
intensificando o que é conhecido como racismo ambiental e a injustiça
climática.
– O racismo ambiental e a
injustiça climática são manifestações preocupantes das desigualdades
estruturais da nossa sociedade. As comunidades marginalizadas são
frequentemente as mais afetadas pela escassez de água e pela poluição, enquanto
as populações privilegiadas desfrutam do acesso abundante e recursos hídricos
limpos. Essa divisão não apenas agrava a crise hídrica, mas também reforça um
ciclo e desigualdade que perpetua o sofrimento de milhões de pessoas em todo o
mundo. É nosso dever moral e ético confrontar essa realidade e garantir que
todas as pessoas, independentemente da sua origem ou condição social, tenham
acesso justo a água potável e limpa – afirmou.
O senador Jorge Seif (PL-SC)
acentuou que a crise hídrica sem precedentes é exacerbada pela poluição e pelo
uso não sustentável dos recursos hídricos. A poluição da água, proveniente de
fontes industriais, agrícolas e domésticas, tem efeitos devastadores sobre os
ecossistemas aquáticos, a biodiversidade e a saúde humana.
– Resíduos tóxicos, plásticos e
outros poluentes transformam nossos rios, lagos e oceanos em depósitos de lixo,
afetando negativamente a vida marinha e reduzindo a disponibilidade de água
potável. A água potável, um direito básico e humano, ainda é inacessível para
bilhões de pessoas ao redor do mundo, e a falta de acesso a água segura e
saneamento básico é uma crise de saúde pública, levando a doenças e mortes
prematuras, especialmente em comunidades vulneráveis em países em
desenvolvimento – disse.
Mudanças climáticas
A presidente da Agência Nacional
de Águas e Saneamento Básico (ANA), Verônica Sánchez da Cruz Rios, destacou que
o Brasil detém 12% da água potável do planeta e defendeu a recomposição
imediata do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, atualmente inativo. Ela
ressaltou que as mudanças climáticas provocarão fortes impactos no Brasil nos
próximos 60 anos, com secas mais intensas e agudas nas regiões Norte e
Nordeste, enchentes e enxurradas no Sul, seca no Centro-Oeste e menor
disponibilidade hídrica no Sudeste.
Ela defendeu a adoção de práticas
agrícolas que utilizem menos água, o reúso e a otimização dos recursos
naturais, a redução de perdas no saneamento, a construção de infraestruturas
resilientes para lidar com as mudanças climáticas, além de obras de drenagem
urbana que sejam capazes de lidar com o volume de chuvas que serão cada vez
mais espaçadas. Verônica cobrou apoio dos senadores, ao ressaltar que cortes
orçamentários e de outras contribuições financeiras vêm comprometendo o
funcionamento da rede hidrometeorológica nacional e do sistema geracional de
recursos hídricos neste ano.
Abastecimento ameaçado
Coordenadora do Fórum de Defesa
das Águas do Distrito Federal, Lúcia Maria Rodrigues Mendes afirmou que a
gestão desastrosa de nascentes e bacias hidrográficas locais prejudica e gera
impacto na distribuição de água para todas as regiões do país. Além de apontar
a ocorrência de grilagens, parcelamentos irregulares e as ameaças geradas pela
impermeabilização urbana, ela afirmou que a especulação imobiliária, projetos
urbanísticos da Terracap [Agência de Desenvolvimento do Distrito Federal] e a
expansão do plantio da soja ameaçam a Estação Ecológica de Águas Emendadas, e
que mais de 200 mil pessoas que moram no DF não têm acesso a água.
– Precisamos de toda a atenção
com as águas do Cerrado. O Senado pode e deve fiscalizar e a ajudar a construir
soluções ? defendeu.
Desafios históricos
Para a diretora do Departamento
de Revitalização de Bacias Hidrográficas e Acesso à Água e Uso Múltiplo dos
Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Iara Bueno
Giacomini, a água é um elemento vital, e para o qual não há substituto. Ela
ressaltou que a agenda da água para 2024 traz grandes desafios históricos e
contemporâneos que precisam ser solucionados, além dos impactos gerados pelas
mudanças climáticas. A diretora afirmou que 90% dos eventos extremos que
assolaram o mundo nas últimas décadas estão relacionados a secas, inundações e
tempestades, que afetam mais de 60% dos habitantes do planeta, e frisou que a
governança e gestão das aguas é uma das principais ferramentas de adaptação e
mitigação dos efeitos das mudanças climáticas.
– Não existe adaptação e
mitigação sem gestão de água, não existe justiça social sem gestão das águas,
não existe combate a fome sem a gestão das águas. Aqui fica clara a
responsabilidade que nós, gestores, temos sobre esse tema. O ano de 2023 foi
bastante sintomático ao mostrar o que nos espera num futuro próximo e longínquo
em termos de recursos hídricos ? lembrou.
“Desconforto e inconformismo”
Ao manifestar desconforto e
inconformismo com a governança da gestão das águas no Brasil, além de destacar
que o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos foi previsto na
Constituição para a gestão equilibrada das águas, Oscar Cordeiro, que é membro
da Articulação em Defesa da Política das Águas, defendeu o fortalecimento e a
revalorização da política nacional do setor.
– É desalentador passarmos pela
segunda comemoração do Dia Mundial das Águas sem ter ainda uma definição muito
clara e sem reunião do Conselho Nacional dos Recursos Hídricos. Estamos hoje
sem ter um Conselho Nacional se reunindo, ele é a instância máxima da nossa
política nacional, ele é quem formula as políticas de Estado. Esse
enfraquecimento da política já tem sido observado há certo tempo e são dois os
sintomas fundamentais: a falta de uma instância de coordenação e articulação
das políticas no nível federal e a representação incipiente da sociedade civil,
estados e usuários no próprio Conselho Nacional. A água é um bem público
compartilhado, e os estados têm um enorme papel nesse processo. Os estados têm
sido sistematicamente subrepresentados e não se tem aí o devido reconhecimento
do papel federativo – lamentou.
Água para todos
A diretora de Políticas Públicas
da Fundação SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro, ressaltou que o acesso a água
deve ser garantido a todos os brasileiros. Ela defendeu a votação imediata,
pela Câmara dos Deputados, da Proposta de Emenda à Constituição 6/2021, já
aprovada no Senado, que inclui o acesso a água potável entre os direitos
fundamentais.
A necessidade de aprofundamento
das políticas e ações efetivas em favor da água também foi apontada
por Nelton Friedrich, membro da Articulação em Defesa da Política das
Águas e deputado federal no período de 1983 a 1991. Para ele, são necessários o
aprimoramento das normas e a superação de omissões para que o tema esteja no
topo da agenda de todos os brasileiros.
Por outro lado, o
secretário-executivo de Planejamento e Gestão Interna da Secretaria de Recursos
Hídricos do Ceará, Ramon Flávio Gomes Rodrigues, disse que o estado vem se
destacando na política de gestão de recursos hídricos, que seria nacionalmente
reconhecida. Ele destacou que, mesmo com quase 90% de seu território no
semiárido nordestino, o Ceará vem conseguindo manter a população local
abastecida, por meio de soluções como armazenamento de água, construção de
barragens, canais, transposição de bacias, adutoras e outras ações
complementares que possibilitam a vida na região. (Agência Senado).
Foto: Jefferson Rudy/Agencia Senado