Legislativo promove debate sobre “juventudes negras e segurança pública”

A Comissão de Direitos Humanos e
Segurança Pública da Assembleia Legislativa realizou, na manhã desta
terça-feira (28), uma audiência pública intitulada “Juventudes Negras e
Segurança Pública: outros caminhos possíveis”. Uma demanda do grupo Juventude
Negra, solicitada na Casa pelo deputado Hilton Coelho (Psol), o evento contou
com a presença de gestores, parlamentares e de representantes da sociedade
civil organizada.

Primeiro a falar, o professor
Samuel Vida salientou a importância do reconhecimento do genocídio negro no
Brasil para se levar a sério o debate sobre segurança pública e juventude no
Brasil. Segundo ele, todas as diferentes experiências governamentais no país
até hoje, independentemente do espectro partidário ideológico, têm produzido
resultados semelhantes. “Se há genocídio e racismo, temos que identificar quem
perpetra, quem comanda essas engrenagens capazes de produzir mortes em um
volume equivalente ao das guerras mais letais que o planeta conhece”, alertou.

Samuel Vida atribuiu a
responsabilidade pela situação aos segmentos empresariais, “que são protegidos
por esse modelo de segurança pública, que serve fundamentalmente para preservar
patrimônio, para conter toda as expectativas de democratização ou redistribuição
de riquezas”, e também aos integrantes das estruturas estatais que gerenciam o
governo. “Esses sujeitos são afastados das suas responsabilidades nesse modelo
que restringe a segurança pública à policização”, afirmou.

O professor apontou, como caminho
possível, o reconhecimento do fracasso e a reversão do modelo histórico de
segurança pública, “que viola direitos e é incompatível com a democracia”; a
criação de um gabinete de emergência, com a participação da sociedade civil,
representação das vítimas, seus familiares, e pesquisadores de universidades; e
adoção imediata de comissões da verdade e reparação.

“Precisamos passar a limpo cada
episódio de morte ilegal praticada pelo Estado, para que as responsabilidades
sejam devidamente atribuídas, para que o Estado repare simbólica e
materialmente as vítimas, para que isso não se repita, interrompendo esse ciclo
de perversidade”, concluiu.

VULNERABILIDADE

Hilton Coelho contextualizou a
situação de vulnerabilidade vivida pela juventude negra baiana e brasileira, “que não aguenta mais ser assassinada e estar sob a mira”. O parlamentar apontou números de
letalidade policial na Bahia que figura como o pior do Brasil, superando o Rio
de Janeiro. ?Precisamos parar para acertar. Pra se ter uma ideia, todas as
forças policiais dos EUA em 2022, tiveram uma letalidade de 1.201 pessoas, e só
no estado da Bahia, uma letalidade de 1.464 pessoas, maior que todo os Estados
Unidos?.

O socialista reclamou diante do
fato de o programa Bahia pela Paz não tenha sido discutido com a sociedade
civil, e a proposta de emenda parlamentar ao projeto não tenha sido
incorporada. “Precisamos ter uma ação de poder público, precisamos ter incidência
sobre o Bahia pela Paz, estaremos gerando um programa que vai empurrar a
situação, passando mais uma vez sobre os corpos da juventude negra”, frisou.

Representando o Iniciativa Negra,
Dudu Ribeiro apontou como um dos maiores desafios da democracia brasileira a
superação da lógica de um estado anti-negro. “Ficou nítido, no censo
demográfico de 2022, que esta cidade está perdendo meninos negros a rodo, eles
nascem em maioria em relação às meninas negras, aos 19 anos elas alcançaram os
meninos em número, e quando elas chegarem aos 60 anos serão o dobro dos homens
negros”, explanou.

A ideia de guerra às drogas
pautando o orçamento público e olhando as comunidades a partir de uma lógica
racista, na qual, ao se deparar com índices de violência e morte, envia mais
viatura, mais polícia, mas coletes. ?Se o gestor quisesse, poderia mandar mais
pista de skate, mais quadras de futebol, mais escolas, mais oportunidades, que
é isso que promove a vida. Colocar mais polícia, mais arma, é para a gente
incentivar um processo de morte. E isso é uma escolha política?, afirmou.

TRANSPARÊNCIA

Diretora de Dados e
Transparência, Maria Isabel Couto, exibiu o levantamento do Instituto Fogo
cruzado, dando conta de que um terço de toda a violência armada registrada em
Salvador e Região Metropolitana ocorre em ações policiais e que, em 2023, foram
registradas na capital mais chacinas policiais que o Rio de Janeiro. Dos 103
bairros da capital que tiveram registros de tiros e que possuem população
residente negra acima da média de Salvador, concentraram 88% dos tiroteios em
ações policiais.

“Por meio desses dados,
percebemos que as forças de segurança, que têm o dever constitucional de
resguardar a vida da população, tornaram-se parte do problema. Os dados não
deixam dúvidas que os protocolos e políticas que deveriam ser utilizados para
combater a criminalidade sem colocar em risco à vida das pessoas, estão
operando em sentido oposto”, lamentou.

Por outro lado, Isabel destacou
as movimentações feitas nos últimos anos por parte do Estado com a formulação
do Bahia pela Paz, o lançamento do programa Município Seguro, o fortalecimento
do Grupo de Atuação Especial Operacional de Segurança Pública (Geosp), e do
Centro de Apoio Operacional de Segurança Pública e Defesa Social (Ceosp), no
Ministério Público, além da instauração de trabalhos pela SSP, para qualificar
a produção e circulação de dados e evidências e debater medidas de redução da
letalidade policial, e os esforços para a implementação de câmeras corporais.

As referidas ações, segundo
Isabela, podem mudar a cara da segurança pública na Bahia, mas o sucesso do
caminho dependerá do estabelecimento de medidas de transparência e de
participação social. “Enquanto o Estado for dominado por grupos de empresários
que colocam o patrimônio à frente da vida e que pensam apenas na sua
perpetuação no poder, isso não vai mudar”.

Identificada com a luta
antirracista, a deputada Olívia Santana (PC do B) lamentou o extermínio da
população negra desde a escravidão até os dias atuais e relatou três abordagens
policiais agressivas sofridas por ela e por outros parlamentares negros, a exemplo
do deputado estadual do Paraná, Renato Freitas.

“Essa questão da violência nos
tira o sono, a gente acompanha todas as manifestações e cobramos do governo.
Com o poder econômico, o narcotráfico e as milícias elegendo mais deputados é
preciso coragem de estabelecer o debate e somar forças para enfrentar os reais
inimigos e empurrar o governo para ir adiante, para que não se intimide diante
dessa estrutura”, disse.

Representando a Superintendência
de Prevenção à Violência da Secretaria de Segurança Pública, André Francisco de
Campos elogiou a atuação da comissão e a pressão popular, “graças a elas hoje a
gente começa ver uma luz no fim do túnel e ver as políticas públicas mudarem de
cara”.

Segundo André, por conta da
pressão popular, hoje tem uma mulher preta, a tenente-coronel Denice Santiago,
pautando a violência contra a mulher na SSP, a comunidade LGBT tem espaço nas
discussões sobre como o policiamento deve atuar com o segmento e com os outros
grupos em situação de vulnerabilidade e as câmaras corporais já estão se
tornando uma realidade “É graças a pressão popular que hoje está em fase de
acabamento um plano de redução da letalidade policial imposto pelo Conselho
Nacional de Justiça, que vai gerar uma série de medidas e impactar a atuação
policial com instrumento de menor potencial ofensivo, com elementos de gestão,
acompanhamento de estatísticas, capacitação de servidores, em todos os cursos
onde há disciplina de relações raciais e de gêneros”, acrescentou.

O material levantado no debate –
o registro feito pela TV ALBA e o relatório – será encaminhado à Secretaria de
Segurança Pública.

Compuseram a mesa – comandada
pelo presidente da comissão, Pablo Roberto (PSDB) e pelo proponente Hilton
Coelho – a deputada Olívia Santana (PC do B); o professor Samuel Vida ?
professor da Ufba e representante do Movimento Negro; o professor e representante
do Mocambo, Hamilton Assis; o major PM André Francisco de Campos, da
Superintendência de Prevenção à Violência (SPREV/SSP); o representante do
Iniciativa Negra, Dudu Ribeiro; a representante do Incomode, Nadjane Santos;
Leandro Vilas Verde, da Cipó Comunicação Interativa; Maria Isabel Couto,
diretora de Dados e Transparência; Alexandro Reis, chefe de gabinete da
Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Estado da Bahia (Sepromi); o
delegado Ricardo Amorim, assessor técnico do Departamento de Proteção à Mulher
e Pessoas Vulneráveis da Delegacia de Polícia Militar e Civil (MCV/PCBA);
Namíbia Yakini Mota de Oliveira, da Superintendência de Prevenção à Violência
(SPREV/SSP); o major da PM Sílvio Conceição do Rosário, do Departamento de
Promoção Social (DPS-PMBA); Ana Emanuela Cordeiro Rossi Meira, do Comitê de
Prevenção de Homicídios Contra Crianças e Adolescentes de Salvador, do
Ministério Público Estadual. (Agencia Alba).

Foto: Juliana Andrade/Ascom Alba