Maju Coutinho: Não há racismo no Brasil

Ao me relacionar com as
outras pessoas, não faço isso só, mas me acompanham séculos de acomodação
cultural, de preconceitos e medos dos que vieram antes de mim. Não só a
genealogia pesa sobre os ombros, mas também a história e as condições sociais
do país. De certa forma, na fala do [agora] está presente toda a história
humana.

Se uma criança nasce com
a pele mais escura que sua família sofre preconceito da sociedade mesmo que
seus pais não tenham sofrido. Se for pobre, pior ainda. Tomando como referência
a média salarial, os valores pagos para uma mesma função na sociedade coloca,
em ordem decrescente: homem branco rico de um lado e mulher negra pobre do
outro.

Para muita gente, basta
saber que a outra é negra.

A Justiça que se pretende
ao tentar reconstruir a sociedade por um novo viés não é apenas a de saldar a
dívida de uma escravidão mal abolida, mas sim a tentativa de mudar o pensamento
e a ação de uma sociedade que trata as pessoas de forma desigual por conta da
cor de pele.

Ir contra a programação
que tivemos a vida inteira, através da família, de amigos, da escola, da mídia
e até de algumas igrejas em que pastores pregam que [africanos são amaldiçoados
por Deus] é um processo longo pelo qual todos nós temos que passar. Mas
necessário.

Todos nós, nascidos neste
caldo social somos potencialmente idiotas a menos que tenhamos sido devidamente
educados para o contrário. Pois os que ofendem uma jornalista de forma tão
aberta, como foi o caso da apresentadora Maria Júlia Coutinho, da TV Globo, só
fazem isso por estarem à vontade com o anonimato (Hanna Arendt explica) e se
sentirem respaldados por parte da sociedade.

Toda a vez que trato da
questão da desigualdade social e do preconceito que os negros e negras sofrem
no Brasil (herança cotidianamente reafirmada de um 13 de maio de 1888 que
significou mais uma mudança na metodologia de exploração da força de trabalho,
pois não garantiu as bases para a autonomia real dos ex-escravos e seus
descendentes), sou linchado.

Pois, como todos sabemos,
não há racismo no Brasil. [Isso é coisa de negro recalcado.]

Ou exploração sexual de
crianças e adolescentes. [As meninas é que pedem e depois a culpa é dos
homens?]

O machismo? Uma mentira [criada
por feminazis para roubar nossos direitos].

E a homofobia, uma
invenção [daquela bicha do Jean Wyllys].

Não há genocídio de
jovens pobres e negros das periferias. [Eles é que estão no lugar errado e na
hora errada, pois os |homens de bem|seguem a lei e nada acontece com eles.]

(Leonardo Sakamoto)

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