Dallagnol: não tivemos uma relação com essas manifestações

Em passagem pela capital gaúcha na semana passada, o
procurador da República Deltan Dallagnol, um dos principais integrantes da
força-tarefa da Operação Lava Jato, fez questão de destacar que o Ministério
Público Federal (MPF) não tem nenhuma ligação com as manifestações populares
ocorridas em 16 de agosto, que pediram o impeachment da presidente Dilma
Rousseff em todo o Brasil. Ele preferiu não comentar as mostras de apoio tanto
à Lava Jato como à atuação do juiz Sérgio Moro, ocorridas durante os protestos.

[Não tivemos uma relação com essas manifestações como
Ministério Público Federal, porque nós não queremos correr um risco de má
interpretação do nosso trabalho, de que o nosso trabalho seja (considerado)
político-partidário], disse a jornalistas. [É claro que a nossa posição do MPF
e da sociedade é contra a corrupção. Mas digo novamente, nós não temos relação,
o Ministério, com essas manifestações do dia 16.]

Dallagnol esteve em Porto Alegre para promover uma ação do
MPF que pretende recolher 1,5 milhão de assinaturas para levar ao Congresso
Nacional um projeto de lei de iniciativa popular com 10 medidas contra a
corrupção. Na página oficial do projeto, onde os cidadãos podem entender melhor
as ideias propostas e imprimir uma ficha de assinatura, também consta um aviso
dizendo que o MPF não tem qualquer envolvimento com os movimentos populares de
16 de agosto. De acordo com o texto, a campanha objetiva incentivar a sociedade
civil para que as medidas apresentadas se tornem projeto de lei e [promovam as
mudanças necessárias ao aperfeiçoamento do sistema penal brasileiro].

Na entrevista concedida em Porto Alegre, Dallagnol avisou
que só trataria do projeto [Dez Medidas contra a Corrupção] e, portanto não
falaria de assuntos relativos à Lava Jato. Ele se limitou a dizer que a
operação revelou uma [corrupção bilionária] envolvendo a elite econômica e
política do País. [Por isso ela nos tornou sensíveis ao problema da corrupção.
Esta sensibilidade nos traz uma janela de oportunidade para mudanças] falou.

Seguindo o tom de declarações recentes, ele defendeu os
acordos de colaboração premiada. [(Os acordos) não são o ponto de chegada, mas
sim o ponto de partida das investigações, a partir do que conseguimos
desenvolver investigações mais profundas e produzir provas materiais dos
crimes], avaliou. Segundo ele, o alto índice de impunidade no Brasil
tradicionalmente diminui o interesse por esse tipo de colaboração dos
investigados. [A Lava Jato, que tem uma série de características próprias, como
o Mensalão, é um ponto fora da curva em que nós, a população e essas pessoas
que estão sendo processadas acreditam numa perspectiva de efetiva punição. Isso
faz com que (os suspeitos) busquem uma solução negociada, que é a colaboração
premiada, e isso permite a alavancagem das investigações.]

Sistema

De acordo com procurador, se o Brasil tivesse uma [legislação
melhor], haveria no momento outras Lava Jato pelo País, daí a importância de
trabalhar pela proposição e aprovação das medidas contra a corrupção. Uma das
propostas, por exemplo, é responsabilizar partidos políticos em casos de atos
ilícitos, bem como criminalizar o caixa 2. Outra prevê o aumento das penas para
a corrupção de altos valores.

Na apresentação do projeto na capital gaúcha, Dallagnol
disse que a corrupção não é um problema [de partido A ou B]. Para combater o
problema, segundo ele, é preciso mudar as condições do sistema. [A Lava Jato
traz esperança, mas a notícia ruim é que não muda o nosso País. Tem o condão,
se for um caso de sucesso, de produzir punição em relação às pessoas que
praticaram determinados crimes, e eventualmente recuperar parte dos valores
desviados. Mas não tem o condão mágico de mudar a realidade ao redor dela. Ela
trata de um tumor, mas o nosso problema é que o sistema é cancerígeno], falou.
[Não tenho dúvida de que existem outros sistemas de corrupção surgindo a cada
momento em nosso País.] (AE)

FOTO: MARCELO CAMARGO/ABR