No dia 11.2.2005, o helicóptero do presidente Lula desceu na
comunidade de Canaã, no agreste pernambucano, ao lado da cidade de Toritama; o
presidente caminhou até um grupo de crianças e agachou-se em frente a elas. Um
fotógrafo captou a cena, e a foto foi publicada nos jornais. Ao vê-la, decidi
visitar as crianças e, com base no que observei, escrevi uma carta ao
presidente, sob o título [Estas crianças têm nome ? como dar-lhes um futuro?].
Descrevi a realidade de onde elas viviam, especialmente a
escola onde estudavam, reconheci que o presidente ainda não era o culpado
daquele triste cenário de penúria educacional e pobreza social, mas que seria o
responsável se, dez anos depois, o quadro se mantivesse; na carta, sugeri dez
medidas para mudar aquela situação, seguindo as linhas do projeto que tentei
executar ao longo de 2003, quando fui ministro da Educação.
Na semana passada, voltei ao local e vi a tragédia
resultante de dez anos de abandono da educação e da falta de políticas públicas
consistentes para a emancipação dos pobres.
A menina ? na foto está bem em frente ao presidente ? de
nome Taciana, então com 6 anos, deixou a escola aos 14, engravidou aos 15 e aos
16 tem um filho de 1 ano e 2 meses chamado Angelo Miguel. O irmão dela,
conhecido como Cambiteiro, estava no grupo, mas não quis aparecer na foto. Fora
da escola antes dos 15 anos, tornou-se vigilante informal nas pobres ruas de
Canaã, até ser assassinado.
O menino chamado Rubinho, então com 7 anos, para quem o
presidente Lula parecia olhar, deixou a escola antes da quinta série e, aos 17,
tem um filho de nome Natan Rafael. Seu irmão Diego, que não aparece na foto por
ser então muito pequeno, hoje, com 15 anos, já esteve preso; na cadeia, foi
jurado de morte pelos presos; esfaqueado, fugiu do hospital e desapareceu.
Jailson, o que ri para o presidente, e Josivan, na ponta direita da foto,
deixaram a escola antes de terminarem a quarta série. Jaques, então com 9 anos,
deixou a escola com 13; o menino conhecido como Nego, então com 8 anos, não
estudou e tem hoje dois filhos.
Nesses dez anos, a vida daquelas crianças tornou-se uma
monótona repetição de fatos e fracassos: todas deixaram a escola antes de
concluírem o ensino fundamental, fazem parte do exército de analfabetos
funcionais que ocupa o país; todas foram trabalhar ao redor dos 15 anos, em
trabalhos informais sem qualificação; tiveram filhos ainda na adolescência;
nenhuma teve o futuro a que tinha direito ao nascer.
Toritama é um Mediterrâneo onde aquelas crianças naufragaram
na viagem para o futuro, diante dos olhos do presidente Lula e de todos nós.
Dez anos depois, carreguei nos braços Angelo Miguel, filho
da Taciana, e me veio o triste sentimento de ver nele a repetição do mesmo
histórico e vicioso círculo que gira passando de pais para filhos, sem mudar o
rumo do destino. E seria tão fácil se garantíssemos escola com qualidade para
todos de uma geração, como aquela de Canaã, dez anos atrás. Sem isso, agora é a
vez de Angelo Miguel.
O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) foi ministro da
Educação no primeiro governo Lula
Foto: Divulgação