O desafio dos partidos de esquerda no Congresso em 2016,
frente à agenda conservadora e à tentativa de golpe ? além da defesa da
democracia, do Estado de direito e da ética na condução da coisa pública -,
será preservar as conquistas e combinar um ajuste fiscal, sem corte de
direitos, com a retomada do crescimento econômico, de modo a garantir o
equilíbrio das contas públicas, e, principalmente, o desenvolvimento sustentável
com inclusão social.
É preciso ter clareza, antes de tudo, que nos governos de
coalizão as iniciativas governamentais resultam de disputa no seu interior,
especialmente com as forças conservadoras, e, portanto, da correlação de forças
internas. Logo, nem toda proposta patrocinada pelo governo coincide com o
interesse da base social dos partidos progressistas que o integram, como uma
eventual [nova] reforma da Previdência, ora em debate.
Nesse diapasão, os partidos de esquerda que fazem parte da
coalizão têm a obrigação de disputar no interior do governo e no Parlamento
posições programáticas e não sucumbir às pressões de mercado ou das forças
conservadoras. Foi assim que agiu recentemente a bancada do PT com sua proposta
econômica e a decisão de votar no Conselho de Ética pela abertura de processo
por quebra de decoro contra Eduardo Cunha.
Essencialmente devem saber distinguir entre as iniciativas
que resultam da real manifestação de vontade do governante, e que estejam em
sintonia com o programa sufragado nas urnas, e aquelas que são adotadas por
imposição das circunstâncias e, muitas vezes, sem vínculo programático ou
ideológico com a visão do governante.
Igualmente, é necessário que tenham clareza de que o
moralismo justiceiro em voga está menos preocupado em fechar as brechas que
deram origem a determinados desvios de conduta e mais interessado em encerrar
um ciclo de poder que promoveu uma mudança de paradigma nas relações entre os setores
público e privado. Os mesmos governos que são agora acossados por esse
moralismo foram os que mais fundo agiram no rumo da transparência e do combate
à corrupção, mediante mudanças nos marcos legais que deram às instituições, que
antes eram tidas apenas como de governo, autonomia e instrumentos para atuar
como instituições de Estado.
Também não devem ter nenhuma dúvida sobre a necessidade da
defesa e da garantia do cumprimento do mandato da presidente da República,
ameaçado por forças conservadoras e de oposição que não se conformam com o
resultado das eleições, com as prioridades programáticas do governo nem
tampouco com as mudanças que têm levado para a cadeia alguns intocáveis em
gestões anteriores.
Aproveitam-se da baixa popularidade do governo, decorrente
da crise política e econômica, e que pode se agravar em razão de fatores
externos como o desaquecimento da economia chinesa, para tentar restabelecer a
agenda neoliberal e interromper uma trajetória de inclusão social, de
transparência, de combate à corrupção e de respeito às instituições de Estado.
E se valem, para tanto, de um discurso moralista, que engana os incautos, mas
que não encontra amparo na realidade.
O equilíbrio das contas públicas ou ajuste fiscal, que se
faz necessário, deve preservar direitos e priorizar, em linha com a proposta
econômica da bancada do PT na Câmara, o combate à sonegação e a defesa da
criação ou majoração de tributos sobre a renda, o patrimônio, os bens
supérfluos, a herança, enfim, as grandes fortunas. Não pode nem deve ter viés
apenas de corte do gasto público, especialmente os destinados a programas
sociais, à distribuição de renda ou ao pagamento de benefícios previdenciários
e assistenciais.
Agir de outro modo, além de fortalecer as teses dos
conservadores, poderá resultar em desgaste político e perda de parlamentares
que, contrariados com o enquadramento para apoiar temas alheios ao programa
partidário, poderão mudar de partido, sem perda de mandato, valendo-se de duas
[janelas] partidárias previstas. Uma delas resultará da promulgação da Proposta
de Emenda à Constituição (PEC) 113, prevista para fevereiro ou março de 2016,
que abrirá um prazo de 30 dias para mudança de partido. A outra, de natureza
permanente, adveio da Lei nº 13.165/2015, que autoriza a mudança de partido,
sem perda de mandato, no sétimo mês que antecede a eleição no ano de término do
mandato.
Nas próximas eleições, já a partir de 2016, não haverá,
legalmente, financiamento empresarial de campanha, e os partidos de esquerda,
que contam com militância, não podem colocar a perder esse diferencial
estratégico em função da defesa cega de propostas subscritas pelo governo, mas
que foram impostas pelas forças conservadoras e neoliberais. No exemplo da
flexibilização do fator previdenciário, que o governo inicialmente foi contra e
findou sendo aprovado com os votos dos partidos de esquerda da base, quem
faturou perante os beneficiários foram parlamentares de partidos conservadores
e alguns de oposição, num claro erro de condução governamental.
A legitimidade dos governos do presidente Lula veio das
políticas sociais e do freio nas privatizações. O governo Dilma, por pressão
dos mercados, da mídia, dos partidos conservadores, seja da base ou da
oposição, arrisca dilapidar esse patrimônio histórico. Mas, se quiser continuar
a contar com o apoio de suas bases sociais, ou recuperar a confiança da
sociedade, não pode sucumbir a essas pressões, adotando uma agenda de arrocho e
de viés neoliberal, e colocar em risco um legado importante de combate às desigualdades,
muito menos com o apoio dos partidos progressistas.
Os partidos de esquerda, portanto, precisam atuar com maior
autonomia e de forma crítica frente às propostas do Poder Executivo,
especialmente aquelas impostas em razão da fragilidade do governo. O
alinhamento automático trouxe muito desgaste e não impediu a perda do grau de
investimento nem houve alívio dos adversários do campo conservador e
neoliberal, seja no Congresso, seja no mercado. Um outro jogo precisa ser
jogado a partir de 2016, sob pena de enormes prejuízos sociais, políticos e
eleitorais.
Antônio Augusto de Queiroz
* Jornalista, analista
político, diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria
Parlamentar (Diap), idealizador e coordenador da publicação Cabeças do
Congresso. É autor dos livros Por dentro do processo decisório ? como se fazem
as leis e Por dentro do governo ? como funciona a máquina publica.