A presidente Dilma Rousseff recuou e não se disse vítima de
um [golpe parlamentar] no Brasil ao discursar nesta sexta-feira (22) perante
chefes de Estado mundiais na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em
Nova York. Praticamente todo o seu discurso foi sobre clima. Apenas nas cinco
frases finais, Dilma disse que o Brasil vive atualmente um [grave momento], com
uma sociedade que construiu uma [pujante democracia] e que o povo saberá [impedir quaisquer retrocessos].
Alvo de um processo de impechment no Congresso Nacional, a
presidente chegou a cogitar nos últimos dias, segundo assessores do Palácio do
Planalto, denunciar durante seu discurso na ONU que é vítima de um [golpe
parlamentar] no Brasil.
Diante dessa possibilidade, os ministros do Supremo Tribunal
Federal Celso de Melo, Dias Toffoli e Gilmar Mendes refutaram a tese da
presidente, atestando que há base legal para o processo de afastamento que tramita
no Legislativo.
[Há um equívoco quando [Dilma] afirma que há um golpe
parlamentar, ao contrário. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar uma Arguição
de Descumprimento de Preceito Fundamental, deixou claro que o procedimento
destinado à abertura do processo de impeachment observa os alinhamentos ditados
pela Constituição da República], disse Celso de Mello.
A presidente gastou quase toda a sua fala de 8 minutos e 42
segundos com considerações sobre o acordo climático e apenas mencionou a
situação política em sua conclusão: [Não posso terminar minhas palavras sem
mencionar o grave momento que vive o Brasil. A despeito disso, quero dizer que
o Brasil é um grande país, com uma sociedade que soube vencer o autoritarismo e
construir uma pujante democracia. Nosso povo é trabalhador e com grande apreço
pela liberdade. Saberá, não tenho dúvidas, impedir quaisquer retrocessos. Sou
grata a todos os líderes que expressaram a mim sua solidariedade], afirmou a
presidente em discurso na solenidade de assinatura do acordo do clima de Paris.
Nas entrevistas em que dará nesta sexta, é possível que
Dilma fale sobre a situação política brasileira, como fez em entrevistas desde
segunda-feira, um dia depois de a Câmara dos Deputados autorizar, com 367 votos
(25 a mais que o necessário), o prosseguimento do processo de impeachment
contra a presidente.
Dilma desembarcou em Nova York na noite desta quinta (21).
Ao chegar na residência oficial do embaixador do Brasil na ONU, Antônio
Patriota, manifestantes contrários ao processo de impeachment a aguardavam para
demonstrar solidariedade e apoio à petista. Nesta sexta (22) houve
manifestações contra e a favor de Dilma nas proximidades da ONU antes de seu
discurso.
Segundo a assessoria da Presidência, a presidente deve
retornar ao Brasil neste sábado (23). Antes de voltar ao país, ela deve
conceder entrevistas para a imprensa.
Nesta sexta, o jornal norte-americano [New York Times]
publicou uma entrevista com o vice-presidente da República, Michel Temer, no
qual ele disse estar [muito preocupado] com a tese de Dilma de dizer que o
processo de impeachment é um golpe.
Segundo o colunista do G1 e da GloboNews Gerson Camarotti,
embora a ideia inicial de Dilma fosse denunciar o [golpe] na ONU, nesta quinta
(21) assessores próximos da presidente ponderaram que não seria adequado ela
fazer um discurso de conteúdo político para uma plateia técnica, formada por
líderes mundiais que negociaram o acordo de Paris sobre mudanças climáticas.
Acordo do clima
Nesta sexta-feira, líderes mundiais se reuniram na sede da
ONU para assinar o acordo sobre mudanças climáticas elaborados no ano passado,
em Paris, durante a COP 21. Para que as metas estipuladas se tornem lei, o
governo de cada país deverá articular a aprovação das regras junto aos seus
parlamentos.
O acordo envolve, por exemplo, a redução da emissão de gases
do efeito estufa, a adoção de matrizes energéticas mais limpas e o
reflorestamento de áreas verdes desmatadas.
Em seu discurso para a comunidade internacional, que durou
cerca de dez minutos, Dilma Roussef afirmou que as metas do Brasil até 2030
são: reduzir em 43 a emissão de gases do efeito estufa; zerar o desmatamento
na Amazônia; reflorestar 12 milhões de hectares de florestas e 15 milhões de
hectares de pastagens degradadas; integrar 5 milhões de hectares na relação
lavoura-pecuária-florestas; e adotar 45 de energias renováveis na matriz
energética.
[Países em desenvolvimento, como o Brasil, têm apresentado
resultados expressivos na redução das emissões [de gases] e se comprometido com
metas ambiciosas. O desafio é enfrentar as mudanças climáticas. […] E isso
exige, de forma continuada, a mobilização e a implementação dos meios adequados
para que os países em desenvolvimento tenham o suporte necessário e contribuam
para os esforços globais], declarou a presidente na solenidade da ONU.
Leia a íntegra do
discurso de Dilma na ONU:
Senhor
secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon,
Senhor presidente da
França e presidente da COP21, presidente François Hollande,
Senhoras e senhores
chefes de Estado e de governo participantes dessa cerimônia de assinatura do
Acordo de Paris,
Senhoras e senhores
integrantes de delegações,
Senhoras e senhores,
Com imensa honra e
emoção, venho a Novag Iorque, hoje, no Dia da Terra, assinar o Acordo de Paris
sobre a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, um acordo
universal.
Sua conclusão exitosa,
em dezembro de 2015, representou um marco histórico na construção do mundo que
queremos: um mundo de desenvolvimento sustentável para todos, com o cumprimento
das metas estabelecidas na Agenda 2030. O êxito deve muito à atuação do governo
francês, à judiciosa e paciente construção do acordo pelo presidente François
Hollande e também ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.
Tenho orgulho do
trabalho desenvolvido pelo meu governo e pelo meu país para que, coletivamente,
chegássemos a esse acordo. Tenho orgulho de nossa contribuição e da
contribuição de todos os países e da sociedade internacional. Agradeço o
esforço e o trabalho incansável da equipe de negociadores do Brasil, chefiada
pela nossa ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira.
Nós, países
participantes, demos respostas firmes e decisivas aos imensos desafios
apresentados pela construção de um amplo consenso, consenso necessário para o
enfrentamento das mudanças do clima.
Hoje, ao lado de todos
os chefes de Estado e de governo aqui presentes, assumo o compromisso de
assegurar a pronta entrada em vigor do Acordo no Brasil e mais uma vez saúdo a
todos por essa histórica conquista da humanidade.
O caminho que teremos
de percorrer agora será ainda mais desafiador: transformar nossas ambiciosas
aspirações em resultados concretos. Realizar os compromissos que assumimos irá
exigir a ação convergente de todos nós, de todos os nossos países e sociedades,
rumo a uma vida e a uma economia menos dependentes de combustíveis fósseis,
dedicadas e comprometidas com práticas sustentáveis na sua relação com o meio
ambiente.
Países em
desenvolvimento, como o Brasil, têm apresentado resultados expressivos na
redução das emissões e se comprometeram
com metas ainda mais ambiciosas.
O desafio de enfrentar
a mudança do clima torna imprescindível o aumento progressivo do nível de
ambição dos países desenvolvidos. Exige, de forma contínua, a mobilização de
meios de implementação adequados, para que os países em desenvolvimento tenham
suporte e sigam contribuindo para os esforços globais de mitigação e adaptação.
É fundamental ampliar
o financiamento do combate à mudança do clima para além do compromisso de US$
100 bilhões anuais.
É indispensável criar
meios de reorientar os fluxos financeiros internacionais de modo permanente
para apoiar ações que representem soluções para o problema global e promovam
também benefícios de adaptação, saúde pública e desenvolvimento sustentável.
É necessário, ainda,
que o setor privado desenvolva um esforço robusto de redução de emissões.
Senhoras e senhores,
Ao reiterar o
compromisso do Brasil com os objetivos do Acordo de Paris, quero assegurar que
estamos perfeitamente cientes que firmá-lo é apenas o começo. A parte mais fácil.
Meu país está
determinado a intensificar ações de mitigação e de adaptação. Anunciei aqui,
durante a Cúpula da Agenda de Desenvolvimento 2030, a contribuição brasileira
de 37 de redução dos gases de efeito estufa até 2025, assim como a ambição de
alcançarmos uma redução de 43 até 2030 ? tomando 2005 como ano-base em ambos
os casos.
Alcançaremos o
desmatamento zero na Amazônia e vamos neutralizar as emissões originárias da
supressão legal de vegetação. Nosso desafio é restaurar e reflorestar 12
milhões de hectares de florestas e outros 15 milhões de hectares de pastagens
degradadas. Promoveremos também a integração de 5 milhões de hectares na
relação lavoura-pecuária e florestas.
Todas as fontes
renováveis de energia terão sua participação em nossa matriz energética
ampliada até alcançar 45 em 2030.
Continuaremos contando
com a contribuição e a participação de todos os setores de nossa sociedade, que
estão conscientes da amplitude do desafio, e com a necessidade de deixar este
legado às futuras gerações.
Senhoras e senhores,
Meu governo traçou
metas ambiciosas e ousadas porque sabe que os riscos associados aos efeitos
negativos recaem fortemente sobre as populações vulneráveis de nosso país e do
mundo quando nós não tomamos medidas corretas para a contenção da mudança do
clima.
Essa preocupação deve
ser compartilhada agora e por todos nós. Sem a redução da pobreza e da
desigualdade não será possível vencer o combate à mudança do clima. E esse
combate tampouco pode ser feito à custa dos que menos têm e menos podem.
Essa é uma das razões
pelas quais o conceito de desenvolvimento sustentável precisa ser referência
permanente de nosso projeto comum. Incluir, crescer, conservar e proteger: eis
a síntese alcançada na Conferência Rio+20, realizada no Brasil em 2012.
Senhoras e senhores,
Não posso terminar
minhas palavras sem mencionar o grave momento que vive o Brasil. A despeito
disso, quero dizer que o Brasil é um grande país, com uma sociedade que soube
vencer o autoritarismo e construir uma pujante democracia. Nosso povo é um povo
trabalhador e com grande apreço pela liberdade. Saberá, não tenho dúvidas,
impedir quaisquer retrocessos.
Sou grata a todos os
líderes que expressaram a mim sua solidariedade.
Muito obrigada.
(Do G1, em Brasília)