Denunciado pela Procuradoria da República e com pedido de
prisão nas mãos de Sérgio Moro, o ex-presidente nunca esteve tão perto da
cadeia, informa reportagem de Débora Bergamasco para a revista IstoÉ. Leia a
íntegra:
Nos últimos dias, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
desabou. Não seria a primeira recaída desde o início das investigações do
Petrolão, responsáveis por tisnar sua imagem de homem probo semeada desde os
tempos do sindicalismo no ABC Paulista. Mas ao contrário dos outros momentos de
fragilidade, Lula desta vez expôs um sentimento insólito a companheiros de
longa data: o de culpa. Pela primeira vez, pôs em xeque o próprio faro político
? considerado indefectível no seio do petismo. Em uma longa conversa, em
Brasília, com um amigo, o ex-presidente lamentou em tom de desabafo, depois de
fazer uma breve retrospectiva de sua vida pública: [Não me perdôo por ter feito
a escolha errada]. O petista se referia ao fato de ter apostado todas suas
fichas e ter feito de Dilma Rousseff sua sucessora. O arrependimento, porém,
tem pouco a ver com o desastre político-econômico provocado pela gestão da
pupila. Lula é um pote até aqui de mágoas porque, em sua avaliação, ela nada
fez para blindá-lo e o seu partido das garras afiadas da Lava Jato. Para Lula,
Dilma queria entrar para a história como a presidente do combate à corrupção ?
mesmo que, para isso, tivesse de sacrificar o próprio criador. Não logrou
êxito, e é isso que emputece Lula. Hoje, ambos rumam para um abraço de
afogados. Dilma está à beira de deixar o comando do País, alvo de um processo
de impeachment, e na iminência de ser investigada pelo crime de obstrução de
justiça ? a solicitação, feita pelo procurador-geral da República, Rodrigo
Janot, na semana passada, depende apenas do aval do STF. Ele, Lula, enfrenta o
mais tenebroso inverno de sua trajetória pública. Atingido em cheio pela Lava
Jato, o ex-presidente nunca esteve tão próximo de voltar à cadeia. Em 1980, o
então líder sindical foi detido em sua residência pelo DOPS, a polícia política
do regime militar. Permaneceu preso por 31 dias, chegando a dividir cela com 18
pessoas. Agora, o risco de outra prisão ? desta vez em tempos democráticos e
por um temporada provavelmente mais longa ? é iminente.
São pelo menos sete frentes de investigação contra Lula, na
primeira instância e na Suprema Corte. Lula é acusado de liderar o comando da
quadrilha, que desviou milhões da Petrobrás, participar da tentativa de comprar
o silêncio do delator Nestor Cerveró, ex-diretor da estatal, obstruir a Justiça
ao ser nomeado na Casa Civil para ganhar foro privilegiado, receber favores de
empreiteiras ligadas ao Petrolão em reforma de um sítio em Atibaia, frequentado
pela família; ocultar patrimônio e lavar dinheiro por meio de um apartamento
tríplex no Guarujá, ? que Lula jura não ser dele ? , e de receber dinheiro de
propina, por meio de empreiteiras, por palestras realizadas no Brasil e no
exterior.
Além disso, ele ainda pode ser encrencado na Operação
Zelotes, que apura suspeita de venda de medidas provisórias com suposto
beneficiamento de seu filho Luís Cláudio Lula da Silva. No pedido para incluir
Lula no chamado inquérito-mãe da Lava Jato, Janot foi contundente ao dizer que
o petista foi peça-chave no esquema: [Essa organização criminosa jamais poderia
ter funcionado por tantos anos e de uma forma tão ampla e agressiva no âmbito
do governo federal sem que o ex-presidente Lula dela participasse]. O
procurador-geral da República também denunciou o ex-presidente, com base na
delação do senador Delcídio do Amaral, ? revelada com exclusividade por ISTOÉ ?
por participar da trama para tentar comprar o silêncio do Néstor Cerveró,
ex-diretor da Petrobras envolvido nas traficâncias da estatal. Um total de R$
250 mil teria sido repassado pelo filho do pecuarista e amigo do ex-presidente,
José Carlos Bumlai, Maurício Bumlai, para o advogado de Cerveró. A procuradoria
identificou, entre outros elementos contra o petista, um e-mail que comprova um
agendamento de reunião entre Lula e Delcídio no dia 8 de maio do ano passado no
Instituto Lula, além de uma passagem aérea provando que ele viajou naquela
data. Disse Delcídio a respeito do encontro: [Fui chamado por Lula, em meados
de maio de 2015, em São Paulo para tratar da necessidade de se evitar que
Néstor Cerveró fizesse acordo de colaboração premiada com o Ministério Público
Federal], disse o parlamentar. Mas o que mais atormenta Lula é o pedido formal
de prisão preventiva, formulado pelo Ministério Público de São Paulo no caso da
compra do tríplex do Guarujá, hoje nas mãos do juiz Sérgio Moro. Segundo apurou
ISTOÉ junto a fontes da Lava Jato, Moro aguarda apenas o afastamento de Dilma
na quarta-feira 11 para se debruçar sobre o pedido de prisão.
O juiz não queria analisar o caso antes do encerramento do
imbróglio jurídico envolvendo a nomeação de Lula no STF. Com a saída de Dilma
esta semana, o mandado de segurança em discussão no Supremo perde objeto e o
caminho para uma possível prisão de Lula estará aberto. Caso seja novamente
preso ou mesmo vire réu no Supremo, algo inédito para uma figura política de
sua estatura, os estragos políticos serão irreparáveis. A mácula indelével
abreviaria sua carreira pública de maneira inequívoca e sepultaria eventuais
chances de retorno à Presidência em 2018. A morte política do seu maior líder
decretaria o fim do PT.
Os primeiros indícios do envolvimento do ex-presidente Lula
no Petrolão surgiram com os depoimentos do ex-diretor de Abastecimento da
Petrobras Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Youssef. Após firmar acordo
de colaboração com o Ministério Público Federal no segundo semestre de 2014,
Costa e Youssef detalharam aos investigadores no Paraná como funcionava a
quadrilha que agia na estatal. Ambos fizeram menção a Lula, declarando
acreditar que o Palácio do Planalto, o que incluiria o ex-presidente, tinha
conhecimento das irregularidades. A dupla não dispunha de provas contra o
petista, mas forneceu informações cruciais para que a força-tarefa da Lava-Jato
avançasse sobre as empreiteiras envolvidas no escândalo. Batizada de Juízo
Final, essa fase da operação confirmou que as acusações de Costa e Youssef
procediam. Ao quebrar o sigilo da Camargo Corrêa, uma das empreiteiras
investigadas, as autoridades descobriram valores significativos transferidos à
LILS, a empresa da qual Lula é sócio e pela qual promove suas palestras. Outras
construtoras envolvidas no Petrolão também transferiram milhões de reais ao
ex-presidente, um soma superior a R$ 10 milhões entre 2011 e 2015. Embora o
ex-presidente tenha negado irregularidades nos valores recebidos das
companhias, a Polícia Federal e o Ministério Público passaram a esquadrinhar
tais repasses. Trabalham com a tese de que os valores recebidos por Lula seja
dinheiro de corrupção. Essa apuração está em curso tanto em Brasília quanto em
Curitiba. No Paraná, os investigadores estão fazendo uma comparação entre os
valores repassados pelas empreiteiras à LILS e pedindo para que elas apresentem
documentos que comprovem a realização das tais palestras. A Andrade Gutierrez
foi a única que conseguiu provar todas. As outras empresas não foram bem
sucedidas nesse intento. Entre as pontas soltas está uma suposta apresentação
do ex-presidente na Venezuela, ainda sem comprovação, o que complica a defesa
do petista.
À medida que as investigações avançam, o papel de Lula na
organização criminosa do Petrolão fica cada vez mais evidente para a
Procuradoria-Geral da República. No mensalão, o petista recorreu ao mantra do
[eu não sabia] para se dizer alheio ao que acontecia ao seu redor. Agora, está
claro que aquele era um apêndice do esquema de maior capilaridade, desvendado
pela Lava Jato. Ao dizer que o Petrolão não poderia ter funcionado sem a
participação decisiva de Lula, Janot uniu o petista a dezenas de deputados e
senadores que figuram na investigação conhecida como [quadrilhão], destinada a
apurar o funcionamento da engrenagem que desviou recursos da Petrobras. Em seu
despacho, o procurador-geral escreveu: [Embora afastado formalmente do governo,
Lula mantém o controle das decisões mais relevantes, inclusive no que concerne
às articulações espúrias para influenciar o andamento da Lava Jato, à sua
nomeação ao primeiro escalão, à articulação do PT com o PMDB.] E continuou em
outro trecho: [Já no âmbito dos membros do PT, os novos elementos probatórios
indicam uma atuação da organização criminosa de forma verticalizada, com um
alcance bem mais amplo do que se imagina no início e com uma enorme
concentração de poder nos chefes da organização].
Outra frente de problemas para o morubixaba petista é a
investigação sobre o sítio Santa Bárbara, em Atibaia, no interior de São Paulo.
Há fortes indícios de que as construtoras Odebrecht e OAS pagaram pela reforma
com dinheiro desviado da Petrobras, configurando, nesse caso, crime de
corrupção. O terreno está em nome de dois sócios de Fábio Luís Lula da Silva, o
Lulinha, filho mais velho do Lula. Há uma série de indicativos de que o verdadeiro
dono seja o ex-presidente. Conforme apurou ISTOÉ, a confirmação poderá vir da
delação premiada do executivo da Odebrecht, Alexandrino Alencar. No roteiro da
delação, Alexandrino prometeu entregar detalhes e provas que incriminariam
Lula. A expectativa é que os executivos da OAS também colaborem sobre o mesmo
tema.
Assim como o sítio de Atibaia, a força-tarefa da Lava-Jato
no Paraná analisa denúncia feita pelo Ministério Público de São Paulo contra
Lula no que concerne ao tríplex no Guarujá. Os promotores acusam o petista de
lavagem de dinheiro e falsidade ideológica. Para a MP, a família Lula era a
proprietária, de fato, do imóvel. No papel, o apartamento pertence à
empreiteira OAS, envolvida no Petrolão. O MP desmontou os argumentos do
ex-presidente de que teria apenas uma cota de outra unidade no prédio. Entre as
provas apresentadas pelos promotores estão relatos de funcionários e
ex-moradores que confirmam que a ex-primeira-dama Marisa Letícia, Lula e um dos
filhos do casal vistoriaram as reformas do imóvel. Obras que custaram mais de
R$ 700 mil. Pagas pela OAS e feitas ao gosto da família Lula. Chamou a atenção
das autoridades que uma das visitas ao apartamento foi acompanhada pelo
presidente da OAS, Leo Pinheiro. O executivo chegou a ser preso no Petrolão e
negocia acordo de delação premiada. O caso estava sob a responsabilidade da
juíza Maria Priscilla Ernandes, da 4ª Vara Criminal de São Paulo, mas na semana
passada, o inquérito foi remetido ao juiz Moro, incluindo o pedido de prisão
preventiva contra Lula formulado pelo MP paulista.
Um pedido como este nas mãos do ágil juiz Sérgio
Moro era tudo o que o Dilma e Lula tentaram evitar a todo custo. A ponto de
ensejar sobre eles uma possível investigação pelo crime de tentativa de
obstrução do trabalho da Justiça. A linha de investigação leva em consideração
o ato de nomeação do ex-presidente para a Casa Civil, iniciativa cujo único
propósito foi o de livrar o petista da competência do juiz de Curitiba. Foi um
duplo tiro no pé. Agora, além de Lula ser alvo de um pedido de investigação por
tentar atrapalhar o trabalho da Justiça, crime tipificado na Constituição no
inciso 5 do artigo 6º da Lei 1.079/1950, o destino político do ex-presidente
está definitivamente nas mãos do seu principal algoz. (ISTOÉ)
Foto: EBC