Rumores sobre a participação de membros do Poder Judiciário
nos esquemas ilegais desmascarados pela Operação Lava Jato tornaram-se intensos
desde que veio a público a delação premiada do ex-líder do governo no Senado
Delcídio do Amaral (MS).
Delcídio disse que a nomeação do ex-procurador da República
e ex-desembargador federal Marcelo Navarro Ribeiro Dantas para o cargo de
ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ocorreu com o fim expresso de
obstruir as investigações da Lava Jato. Segundo o ex-senador, cassado na semana
que passou, Navarro foi nomeado por força de uma verdadeira conspiração
judicial, envolvendo a presidente afastada Dilma Rousseff, o então ministro da
Justiça José Eduardo Cardozo e o presidente do Superior Tribunal de Justiça,
Francisco Cândido de Melo Falcão Neto.
O principal objetivo da operação: tirar da cadeia o
empresário Marcelo Odebrecht, do Grupo Odebrecht, e o principal executivo do
grupo Andrade Gutierrez, Otávio Azevedo, ambos presos preventivamente em
Curitiba pela força-tarefa comandada pelo juiz Sérgio Moro.
Toda a imprensa brasileira também publicou que, em razão da
delação de Delcídio, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediria
investigação de Dilma, Cardozo e Navarro. Informou ainda que o inquérito
proposto ao Supremo Tribunal Federal (STF) por Janot tem outro alvo poderoso, o
ex-presidente Lula. No último caso, pelo que já é de conhecimento público, em
razão da denúncia de que o líder máximo petista foi o verdadeiro mentor da
manobra destinada a calar, mediante corrupção, o ex-diretor da Petrobras Nestor
Cerveró.
Definidos o contexto e os principais personagens da trama,
aqui começam as novidades, apresentadas com exclusividade pelo Congresso em
Foco:
1) O pedido de abertura de inquérito tramita no STF como
procedimento [oculto], formalizado por Rodrigo Janot no último dia 27, conforme
comprova imagem destacada nesta reportagem.
[Oculto] é o processo que sequer entra para os registros
oficiais da instituição, publicados no portal do Supremo, dado o sigilo que o
envolve.
2) Na peça, a Procuradoria-Geral da República (PGR) deixa
clara a necessidade de investigar Navarro e o próprio presidente do STJ,
ministro Francisco Falcão (que no documento chega a aparecer, incorretamente,
como Joaquim Falcão, confusão feita com o nome de celebrado jurista do Rio de
Janeiro).
Com o pedido ao Supremo para apurar fatos expressamente
atribuídos a Falcão e Navarro, mergulha definitivamente nas águas sulfurosas da
Lava Jato o único poder (o Judiciário,
claro) que até então vinha se mantendo à margem da crise política, econômica e
moral que engolfou o Executivo e o Legislativo ? seja pela ação de Moro, seja
pela ação do STF, a despeito de eventuais críticas a excessos cometidos por
ambos.
3) A PGR levou bastante a sério as informações de Delcídio
sobre a ação dos personagens citados. [Trata-se de testemunho direto, de visu e
de auditu, com indicação precisa de tempo, local e interlocutores. Não há recurso
ao rumor nem ao ouvir dizer]. Acrescenta que o ex-líder do governo extrato da
sua agenda oficial e a relação de telefonemas recebidos de Navarro, para
confirmar seus encontros com Dilma (que nega ter tratado com o ex-senador da
questão) e Navarro.
De acordo com o ex-senador, sob as ordens de Dilma, ele
próprio ficou de negociar com Navarro enquanto o ex-ministro Cardozo teve
tratativas com Francisco Falcão para fechar a nomeação do ministro e sua
indicação para a 5a Turma do STJ, onde eram julgados os recursos referentes à
Lava Jato.
4) A PGR constata, no documento, que houve [interlocução
densa] entre Delcídio e Navarro e que o depoimento prestado por Diogo Ferreira
Rodrigues, assessor do ex-senador, se harmoniza perfeitamente com o do
congressista e veicula pormenores das tratativas anteriores à nomeação de
Marcelo Navarro Ribeiro Dantas.
Com efeito, como você pode verificar no original, Diogo
fornece detalhes até agora desconhecidos sobre o tema, além de mensagens
trocadas pelo celular com Navarro, que não deixam dúvidas quanto ao fato de que
Delcídio, na condição de líder do governo Dilma, participou ativamente dos
entendimentos para viabilizar a aprovação do seu nome pelo Senado.
Os personagens
Esta reportagem não tem a pretensão de esclarecer todos os
fatos relativos ao enredo aqui descrito, mas é fundamental levar em conta o
apito que toca cada um dos personagens (pessoas ou instituições) abaixo indicados:
Supremo Tribunal Federal (STF) ? é a única corte judicial
brasileira com poder para mandar para a prisão autoridades que estão no topo da
cadeia de poder nacional, tais como presidente e vice-presidente da República,
ministros de Estado, ministros de tribunais superiores e parlamentares
federais.
Superior Tribunal de Justiça (STJ) ? formada por 33
ministros, é a segunda corte judicial mais importante do Brasil. É a última
instância para o julgamento de todas as ações que não envolvam matéria constitucional
controversa (hipótese em que a palavra final é do STF) ou assuntos da alçada de
tribunais específicos (como o Tribunal Superior Eleitoral, para questões
eleitorais, e o Tribunal Superior do Trabalho, para questões trabalhistas). É o
tribunal competente para processar e julgar crimes cometidos por governadores,
desembargadores estaduais e outras autoridades com foro privilegiado.
Procuradoria-Geral da República (PGR) ? é a instituição
encarregada de apurar e denunciar crimes contra autoridades com foro no
Supremo. Seu chefe, o procurador-geral da República, também é a principal
autoridade do Ministério Público da União (MPU), que é constituído por quatro
[braços]. Os três primeiros têm como escopo atividades já evidenciadas pelos
seus nomes: Ministério Público do Trabalho, Ministério Público do Distrito
Federal e Territórios e Ministério Público Militar. Todas as demais questões
são da órbita do Ministério Público Federal (MPF). O pedido do procurador-geral
é para a primeira fase de um processo criminal no Supremo, que é a do
inquérito. Nessa etapa, reúnem-se elementos de provas para a formação de culpa
(ou não) dos envolvidos, abrindo assim espaço para o momento seguinte, que é a
apresentação da denúncia. Os implicados só se tornam réus depois que a denúncia
é aceita pelo STF.
Francisco Falcão, presidente do STJ ? os assinantes da
Revista Congresso em Foco sabem mais a seu respeito do que a grande maioria das
pessoas que se julgam bem informadas. Em reportagem publicada em junho de 2015,
mostramos os laços políticos entre Falcão e a cúpula do PMDB no Senado. A
reportagem revelou que senadores peemedebistas como Romero Jucá (atual ministro
do Planejamento), Vital do Rêgo (atual ministro do Tribunal de Contas da União,
TCU) e Eunício Oliveira (líder do partido na Casa) apresentaram emendas para
retirar R$ 175 milhões de outras áreas federais em favor do plano de saúde do
STJ, cujo conselho deliberativo Falcão comandou por cinco anos. Auditoria
constatou várias irregularidades no plano de saúde. O ministro, que completará
64 anos no próximo dia 30, é pernambucano e é filho do falecido ex-ministro do
STF Djaci Falcão.
Marcelo Navarro ? Mestre e doutor em Direito pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), tem 53 anos. Foi promotor de justiça
no Rio Grande do Norte, seu estado natal, e depois procurador da República e
desembargador federal, lotado no Tribunal Regional Federal da 5a Região. Tomou
posse como ministro do STJ em 30 de setembro de 2015. Na 5a Turma do STJ,
substituiu o ministro Newton Trisotto na relatoria das questões relativas à
Lava Jato. Em 24 de novembro e em 3 de dezembro de 2015, respectivamente, votou
(como relator) favoravelmente a habeas corpus que beneficiaria Marcelo
Odebrecht e Otávio Azevedo ? nomes, não custa lembrar, ligados às duas mais
poderosas empreiteiras do país. Seu voto foi isolado e vencido. A repercussão o
levou a abandonar a relatoria de processos relativos à Lava Jato.
Defesa
O Congresso em Foco manteve contato, ao longo deste domingo
(15), com a assessoria de comunicação do STJ, que disse não ter conseguido
localizar Falcão e Navarro. Sem a manifestação dos dois ministros sobre os
fatos aqui reportados, fiquemos com nota divulgada pelo ministro Marcelo
Navarro em março, quando a revista IstoÉ divulgou em primeira mão a delação de
Delcídio:
[Em relação à
reportagem publicada hoje pela revista IstoÉ ? e repercutida por vários
veículos da mídia e nas redes sociais ?, com supostas declarações do Senador
Delcídio do Amaral, algumas das quais pertinentes a meu nome, tenho a
esclarecer que, na época em que postulei ingresso no Superior Tribunal de
Justiça estive, como é de praxe, com inúmeras autoridades dos três Poderes da
República, inclusive com o referido parlamentar, que era então o Líder do
Governo no Senado. Jamais, porém, com nenhuma delas tive conversa do teor
apontado nessa matéria. Os contatos que mantive foram para me apresentar e
expor minha trajetória profissional em todas as funções que exerci: Professor
de Direito, Advogado, Promotor de Justiça, Procurador da República e
Desembargador do Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Nunca me comprometi a
nada, se viesse a ser indicado. Minha conduta como relator do caso conhecido
como Lavajato o comprova: em mais de duas dezenas de processos dali
decorrentes, não concedi sequer um habeas corpus monocraticamente, quando
poderia tê-lo feito. Nos apenas seis processos em que me posicionei pela
concessão da soltura, com base em fundamentação absolutamente jurídica,
levei-os ao Colegiado que integro (5ª Turma do STJ). Voto vencido, passei a
relatoria adiante, e não apenas naqueles processos específicos: levantei
questão de ordem, com apoio em dispositivo do Regimento Interno da Corte, para
repassar também os outros feitos conexos, oriundos da mesma operação. Tenho a
consciência limpa e uma história de vida que fala por mim.]
Congresso em Foco