A CARTA DE DILMA

Cabeçalho: Brasília, (__) de agosto de 2016. Destinatário:
Ao Povo Brasileiro. [Desculpem qualquer coisa. Sei que estou sendo
afastada pelo conjunto da obra e de minha teimosia, que acabaram desenhando os
acontecimentos que vivemos. Grata pela compreensão, e um pedido: não gostaria
que se associasse isso tudo ao fato de eu ser mulher. Não tem nada a ver.
Apenas me uni a um projeto de poder político que se mostrou patético e falido].
Assinado, Dilma.

Pronto, estava dito.

Mas não. Quer porque quer causar. Sair batendo o pé. Agora a
coisa está piorando e a tal missiva ameaça até ser uma espécie de
carta-testamento, tipo a de Getúlio Vargas – sem o suicídio, esperamos, claro,
que ninguém quer sangue. Dá para acreditar? Mais, a ameaça continua: poderá não
ser só uma carta, mas duas! Mais ainda: ameaça listar as lutas da esquerda
brasileira que acredita encarnar contra os contrários ao Deus Supremo Lula.
Coisa mais antiga, démodé. Fico preocupada se ela não vai acabar fazendo logo
um livro capa tão dura quanto sua cintura. Novela a história toda já virou.
Toques venezuelanos emocionantes.

Mártir de si mesma, a presidente afastada sugere que não viu
que foi quem montou o jogo que perdeu, o mundo se desmoronando à sua frente em
erosão constante, promessas e mentiras desmascaradas. Que não ouviu os
primeiros berros à sua porta em junho de 2013. Não admite que a cada passo que
se revela da mangueira de sucção instalada na Petrobras vem à tona sua
cegueira, incompetência de gestão. Ou, o que tem hora que até eu acredito, que
foi feita de otária – e o que deve ser duro para a valenta admitir – as coisas
correram ali nas suas barbas. Barbas, não, melenas caprichosamente cultivadas
na sua visível transformação nos últimos anos.

O mesmo com relação ao partido, o PT e seus radicais livres,
muitos que inclusive agora não mais o são, e estão ou foram presos, com o quais
ela nunca pareceu ter afinidade mesmo, mas fazer o quê? Vivem ranhetando entre
si. Mas poste não tem vez, nem voz. O problema maior é que caiu a lâmpada que
iluminava o poste e o fazia imprescindível.

Igual soluço, a palavra golpe está até cansada de tanto
senta e levanta, de tanto que entrou e saiu dessa tal carta que já marcou
várias datas para nascer de cesariana, e deu para trás até agora em todas.
Parto difícil, alto risco.

Outro dia dessa semana, pelo que se deu a entender, Lula foi
até Brasília para conhecer a tal pecinha. Vocês conhecem o Lula? Conseguem
imaginar o que é que ele realmente pensa dessa ideia de escrever cartinha, como
deve se referir com desdém, o que será que acha? Do papelzinho? O intuitivo
Lula deve achar uma papagaiada, entre outros termos menos airosos.

Fora que pelo que se ouve por aí, na tal epístola ela quer –
e se voltar, garante que o fará – chamar o povo – esse arrepiante coletivo –
para opinar em plebiscito. Um eufemismo para admitir sua própria derrota.

Não quero ser chata, tinha até pensado em ajudar a escrever
uma minuta completa para abreviar a angústia que essa carta, ao fim e ao cabo a
nós endereçada, deve causar a Dilma. Será que ela levanta de madrugada pensando
nela? Será que é ela mesma que a está escrevendo sentada em sua penteadeira,
com caneta bico de pena (imagem romântica)? Qual a cor da tinta? Ou escreverá a
lápis, apagando detalhes com borracha cheirosa? Usará branquinho?

Se perde pensativa, desenha casinhas no papel? Escreve os
palavrões que pensa? Ou teclará catando milho palavra por palavra? Tira cópias?
Parece a carta mais vazada e aberta do mundo, mais que obra de Umberto Eco.
Imprime para ler? Destrói no triturador as partes que despreza? Deixa guardada
em um pendrive que mantém junto a si, amarrado em uma corda no pescoço?

Escreveu não leu, o pau comeu.

Marli Gonçalves, jornalista do chumbogordo.com.br – A melhor de todas é
a carta branca, que nos deixa decidir o que queremos. Mas que não damos a
governo algum em nosso nome.

Imagem: Cartunista Spon Holz