Em um discurso contundente, o decano do Supremo Tribunal
Federal (STF), ministro Celso de Mello, disse nesta segunda (12), que a Corte
se depara com [gravíssimos desafios], não devendo perder a condição de [fiel
depositário da permanente confiança do povo brasileiro]. Ao comentar o cenário
político nacional, Celso de Mello atacou a [criminalidade organizada] e a [delinquência governamental], ressaltando que a corrupção enfraquece as
instituições e compromete a sustentabilidade do Estado.
O discurso de Celso de Mello foi proferido na solenidade de
posse da ministra Cármen Lúcia, que presidirá STF pelos próximos dois anos. Em
2006, Cármen foi indicada à Corte pelo então presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, que acompanhou a solenidade em Brasília.
Além de Lula – que está na mira da Operação Lava Jato -, o
duro discurso anticorrupção de Celso de Mello foi ouvido pelo presidente do
Senado Federal, Renan Calheiros (PMDB-AL), pelo governador de Minas Gerais,
Fernando Pimentel (PT), e pelo senador Edison Lobão (PMDB-MA), que também estão
na mira de investigações de corrupção.
[Ninguém ignora que o Brasil enfrenta gravíssimos desafios,
que também repercutem nesta Corte Suprema, a quem incumbe superá-los por efeito
de sua própria competência institucional, sempre, porém, com respeito ao
princípio essencial da separação de poderes], disse Celso de Mello.
[O Judiciário não pode perder a gravíssima condição de fiel
depositário da permanente confiança do povo brasileiro, que deseja preservar o
sentido democrático de suas instituições e, mais do que nunca, deseja ver
respeitada, em plenitude, por todos os agentes e Poderes do Estado, a
autoridade suprema de nossa Carta Política e a integridade dos valores que ela
consagra na imperatividade de seus comandos, sob pena de a instituição
judiciária deslegitimar-se aos olhos dos cidadãos da República], discursou o
ministro.
Ao mencionar o escritor Tobias Barreto, o ministro disse que
[um País em que o povo não é tudo, o povo, então, não será nada].
Aliança
Sem mencionar diretamente a Operação Lava Jato, que apura um
bilionário esquema de corrupção na Petrobras, Celso de Mello destacou [fatos
notórios veiculados pelos meios de comunicação social, geradores de justa
indignação popular, revelariam que se formou, em passado recente, no âmago do
aparelho estatal e nas diversas esferas governamentais da Federação, uma
estranha e perigosa aliança entre determinados setores do Poder Público, de um
lado, e agentes empresariais, de outro, reunidos em imoral sodalício com o objetivo
ousado, perverso e ilícito de cometer uma pluralidade de delitos profundamente
vulneradores do ordenamento jurídico instituído pelo Estado brasileiro].
Na avaliação do ministro, tais práticas delituosas afetam a
estabilidade e a segurança da sociedade, [enfraquecem as instituições,
corrompem os valores da democracia, da ética e da justiça e comprometem a
própria sustentabilidade do Estado Democrático de Direito, notadamente nos
casos em que os desígnios dos agentes envolvidos guardam homogeneidade, eis que
dirigidos, em contexto de criminalidade organizada e de delinquência
governamental].
[A corrupção traduz um gesto de perversão da ética do poder
e de erosão da integridade da ordem jurídica, cabendo ressaltar que o dever de
probidade e de comportamento honesto e transparente configura obrigação cuja
observância impõe-se a todos os cidadãos desta República que não tolera o poder
que corrompe nem admite o poder que se deixa corromper], completou o ministro.
Dirigindo-se aos cidadãos brasileiros, Celso de Mello
afirmou que o STF [não transigirá nem renunciará ao desempenho isento e
impessoal da jurisdição, fazendo sempre prevalecer os valores fundantes da
ordem democrática e prestando incondicional reverência ao primado da
Constituição, ao império das leis e à superioridade ético-jurídica das ideias
que informam e animam o espírito da República]. O ministro foi bastante
aplaudido pelas autoridades ao final do discurso.
Pacote
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, também
aproveito seu discurso para falar sobre o combate à corrupção e defender o
pacote de 10 medidas legislativas sobre o tema, encaminhado ao Congresso pelo
Ministério Público.
Janot afirmou que a Lava Jato demonstra [cabalmente a
falência do nosso sistema de representação política]. Ele disse ainda que o
Brasil se vê diante de duas saídas: a tentativa de abafar progressos, calando [os
que bradam a verdade inconveniente, promovendo mudanças cosméticas], ou a [autodepuração
na busca de um novo arranjo democrático].
[Sinto que chegamos ao ponto do nosso processo em que
precisamos escolher com desassombro o caminho a seguir], disse Janot. (AE)
Foto: Wilson Dias ABr