[SEM REFORMA DA PREVIDÊNCIA, É ESPERAR PELO PRECIP͍CIO], DIZ DELFIM NETTO

O economista Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda,
afirma que a aprovação da reforma da Previdência é fundamental para evitar que
o Brasil fique insolvente e volte a ter crescimento econômico. O desequilíbrio
das contas fiscais brasileiras é [brutal] e não há mágica que resolva este
problema, é preciso fazer o ajuste e avançar com as reformas. Se a sociedade
não quiser mudanças na aposentadoria, é só esperar pelo precipício, disse ele.

Delfim avalia que o presidente Michel Temer está indo no caminho certo,
mas vai ficar só com o ônus das reformas. O bônus, disse ele, vai ficar para o
próximo presidente, eleito em 2018, e para [nossos filhos e netos]. Leia a
seguir trechos da entrevista:

A reforma da Previdência proposta pelo governo é correta?
Delfim Netto: Eu acho que foi uma boa proposta. Está sendo corrigida no
Congresso e aqui é preciso dizer o seguinte. Quando o Congresso corrige uma
proposta do Executivo, não significa que o Executivo está perdendo, que está
cedendo. O poder supremo de legislação está no Congresso. Portanto, o
Legislativo, que foi eleito legitimamente, representa a sociedade na formulação
destas reformas. O que o Legislativo decidir é o máximo que a sociedade quer.

A reforma da Previdência nos moldes que ficou vai contribuir para
melhorar as contas fiscais?

Sim, sem dúvida. É claro que não terá o mesmo efeito que teria a reforma
original. Mas é aqui que eu digo, a reforma que vai sair é a reforma
consistente com a vontade da sociedade e mais do que isso, se a sociedade
disser, [não quero reforma], não há o que reclamar, é esperar o precipício.
Depois não se queixa na hora que cair. Sem o ajuste fiscal, vai juntar pé com
cabeça, vai destruir tudo, no final nem as aposentadorias serão pagas. Como já
vem acontecendo no Rio. Vamos continuar desregrados e caminhar para a
insolvência. Ou seja, o final de tudo é que a defesa intransigente de uma
Previdência generosa é a morte da Previdência.

Se houver muitas concessões na reforma da Previdência, vai ser preciso
ser feita outra nos próximos anos?

Mesmo com esta reforma, se sair agora como está, daqui a 5 anos vai precisar de
outra. Aqui eu queria chamar atenção para um fato. A aprovação não vai dar
nenhuma bônus para o Temer, pelo contrário, o Temer só vai levar o ônus. O
bônus quem vai levar são os próximos governos e nossos filhos e netos. Você
teve que acomodar a regra de transição, o que é natural, é normal. A regra
feita pelo burocrata era muito dura.

Qual o principal ponto da reforma?
A idade mínima é fundamental. É difícil você entender a histeria do combate à
reforma, porque ela esconde uma única coisa, o interesse dos histéricos. A
oposição é o estamento estatal que se apropriou do poder no Brasil. Pode
observar, a maioria dos opositores são funcionários públicos, bem acomodados e
que não compreendem uma coisa elementar, que aliás o Brasil esqueceu. Para ser
funcionário público você tem que passar por um teste de honestidade, tem um
concurso. Depois do concurso você tem a garantia da estabilidade, dos salários,
a irredutibilidade dos salários, tem a aposentadoria integral. Por que em todo
lugar do mundo é proibida a greve do funcionalismo público? Ele não tem o que
reivindicar. A sociedade deu pra ele tudo o que era preciso.

A reforma da Previdência e outras medidas vão permitir que os juros
reais caiam mais no Brasil?

Ninguém sabe qual a taxa de juros real de equilíbrio no Brasil. É evidente que
esta taxa depende da conjuntura. Ora, a reforma da Previdência junto com o teto
dos gastos, junto com as medidas microeconômicas, vai provocar uma queda na
taxa da taxa de juros real de equilíbrio, se é que ela existe. O custo da
dívida pública vai encolher. Este encolhimento mais os recursos promovidos por
uma correção justa da Previdência vai liberar recursos para a saúde, educação,
investimento em infraestrutura, sem os quais o Brasil nunca mais vai voltar a
crescer.

O Banco Central está agindo corretamente no ciclo atual de corte de
juros?

O que eu vejo com muita alegria é que o BC, que recebeu plena autonomia do
Temer, está agindo com muito cuidado, soube esperar a oportunidade, resistiu,
na verdade, aos apelos afoitos de que reduzisse mais rapidamente a taxa de
juros. Isso não funciona. Isso cria surpresas no mercado financeiro que se
voltam contra você mesmo. Eu acredito que o BC tem consciência deste problema.
Ele tem que ir como está indo.

Porque a retomada da economia está sendo tão lenta?
Na verdade, o desarranjo fiscal é brutal. Nós queremos ignorar este fato e
insistir como se existisse mágica. Você destruiu, na verdade, o equilíbrio
fiscal do Brasil, mas destruiu de maneira muito profunda. As implicações desta
destruição são enormes na economia. Eu acho que a escolha que o Temer adotou é
correta. É corrigir alguns desequilíbrios que são tão visíveis e que têm
implicação global. Um é no nível macroeconômico, que é na verdade o problema da
Previdência, e o outro é no nível micro, que é o problema trabalhista. Os dois
devem conduzir lentamente para melhorar as condições da economia. Por que você
não pode ampliar o investimento hoje? Porque você está consumindo parte
importante do Produto Interno Bruto (PIB) em uma Previdência Social
extremamente generosa.

Como o senhor avalia a reforma trabalhista aprovada na Câmara na semana
passada?

É correta. Você pode ter uma divergência aqui e ali, mas é óbvio que o axioma
da justiça do trabalho, que é ela mesma um pouco extravagante, é de que o
trabalhador é um hipossuficiente e não sabe quais são seus interesses e que
todo empresário é ladrão. Portanto, precisa de um juiz honesto para arbitrar
estas relações. Isto é produto de uma concepção absolutamente equivocada. E no
fundo esta legislação foi avançada para o momento em que ela foi feita, no
tempo do (presidente ) Getúlio (Vargas), mas que hoje obviamente está
(desatualizada), porque mudou a qualidade do trabalho, mudou a natureza do
trabalho. (AE)

Foto: Helvio Romero – Estadao