A Operação Lava Jato e seus desdobramentos colocam em xeque
legislações aprovadas no Congresso Nacional durante os governos Luiz Inácio
Lula da Silva e Dilma Rousseff. São 29 medidas provisórias com suspeita de
terem sido elaboradas ou alteradas na conversão para lei por pressão de
empresas mediante o pagamento de aproximadamente R$ 625,1 milhões em propina.
Além das MPs, há três projetos de lei e dois decretos
presidenciais, um deles de Michel Temer, citados nas investigações.
Em valores corrigidos, a soma é resultado de um levantamento
feito com base nos acordos de delação premiada homologados pelo Supremo
Tribunal Federal, nas denúncias oferecidas pela Procuradoria-Geral da República
e nos relatórios produzidos pela Polícia Federal. O montante pode representar
apenas uma parte da corrupção, uma vez que nem todos os pagamentos supostamente
realizados a deputados e senadores estão discriminados e relacionados à votação
acertada.
As investigações também não determinaram ainda quanto
exatamente o País deixou de arrecadar em impostos com a aprovação dessas leis –
a maioria delas concedeu incentivos a setores da economia a partir de isenções
tributárias temporárias. O que se sabe, por meio de dados coletados nos sites
da Câmara dos Deputados e do Senado, é que a previsão de renúncia fiscal
assumida pelo governo em somente dez MPs sob suspeita foi de R$ 165 bilhões –
maior do que o rombo no Orçamento deste ano, de R$ 159 bilhões.
Porém, de acordo com o economista Gustavo Fernandes,
professor do Departamento de Gestão Pública da FGV-SP, essa conta não pode ser
classificada de forma simplista como prejuízo para o País. [É difícil dizer que
não saiu nada de bom das políticas de incentivo concedidas por meio de MPs
agora sob suspeita. Por outro lado, está claro que esse investimento feito pelo
governo custou caro e pode até ser questionado judicialmente], diz.
A União dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco),
por exemplo, finaliza um levantamento das normas ainda vigentes para ingressar
com uma ação na Justiça pedindo a anulação das leis e o ressarcimento aos
cofres públicos. Especialistas apontam que, para evitar essas práticas
suspeitas, o Brasil precisa regulamentar o lobby e evitar a criminalização da
política.
Propina
O mesmo levantamento ainda mostra que há pelo menos 27
políticos citados, investigados ou acusados em esquema suspeito de pagamento
por legislações. A lista inclui o presidente Michel Temer, os ex-presidentes Lula
e Dilma, a cúpula do PMDB no Senado ? os senadores Romero Jucá, Renan Calheiros
e Eunício Oliveira -, além do atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e do
ex-presidente da Casa Eduardo Cunha. Todos negam participação em
irregularidades.
Em sua delação, o ex-diretor de Relações Institucionais da
Odebrecht, Cláudio Melo Filho, listou 15 iniciativas supostamente compradas ?
duas delas (a MP 252/2005 e o PL 32/2007) sequer foram aprovadas, apesar de a
empresa ter pago propina, segundo ele, durante o processo de debate. [As
contribuições eleitorais eram medidas, definidas e decididas de acordo com a
relevância dos assuntos de nosso interesse defendidos pelo parlamentares],
disse Melo Filho à PGR.
As MPs sob investigação foram apresentadas entre 2004 e 2015,
com destaque para o ano de 2012, que teve oito das propostas suspeitas (veja
quadro nesta página). A medida mais cara, de acordo com delações de executivos
da Odebrecht, foi a MP 627, de 2013. A empresa teria pago R$ 100 milhões, em
valores da época (o equivalente a R$ 129 milhões atualmente), para ver aprovada
uma alteração nas regras de tributação sobre o lucro de empresas brasileiras no
exterior. Propina que, segundo Marcelo Odebrecht, virou caixa 2 para a campanha
de reeleição de Dilma.
Condenações
Algumas investigações já renderam denúncias da PGR e até
condenações. Em maio do ano passado, a Justiça Federal condenou nove pessoas
pela compra de duas MPs, a 471, de 2009, e a 512, de 2010. Os lobistas
considerados líderes do esquema receberam penas por formação de quadrilha,
corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Transformadas posteriormente em leis
pelo então presidente Lula, ambas concederam incentivos fiscais ao setor
automotivo nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
No mês passado, o petista virou réu no caso da MP 471.
Segundo o Ministério Público Federal, o PT, via Lula, recebeu R$ 6 milhões pela
edição da norma, acusação contestada por sua assessoria.
Na semana passada, uma das legislações sob investigação, o
Decreto 9.048/2017, conhecido como Decreto dos Portos, rendeu ao presidente
Michel Temer uma convocação para depor. A procuradora-geral da República,
Raquel Dodge, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) autorização para ouvi-lo
no inquérito que apura suposto favorecimento a uma empresa que atua no Porto de
Santos, em São Paulo.
Defesas
Todos os políticos procurados pela reportagem negaram as
acusações de envolvimento com o suposto pagamento de propina apontado pela Lava
Jato.
A defesa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ),
afirmou que o deputado está seguro de que a investigação vai comprovar sua
inocência.
Em nota, o senador e líder do governo no parlamento, Romero
Jucá (PMDB-RR) alegou que as Medidas Provisórias só são levadas adiante se
aprovadas pela equipe econômica do governo, [pois, se não há aprovação das
áreas econômicas dos governos, as mesma são vetadas, uma vez que o presidente
da República é quem sanciona qualquer alteração em leis.]
A assessoria do senador Renan Calheiros (PMDB-AL) disse que
o parlamentar já prestou depoimento sobre as acusações – e que mostrou não ter
feito articulação em defesa das propostas. [Apresentou todas as provas,
documentos e até notas taquigráficas de todas as discussões dessas MPs], diz a
nota.
O advogado Délio Lins e Silva Júnior, que representa o
ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, preso em Brasília, se limitou a negar as
acusações contra o ex-parlamentar. A equipe do presidente do Senado, Eunício Oliveira
(PMDB-CE), não foi encontrada no dia do fechamento da reportagem. A defesa da
presidente cassada Dilma Rousseff e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
não responderam aos questionamentos até a conclusão desta edição. (Diário do
Poder)
Foto: Andre Dusek – Estadão