Por que o mercado rejeita Dilma?

No início do ano, recebi na
minha mesa o resultado de uma pesquisa inédita de intenção de voto da sucessão
presidencial. Eu trabalhava em um site de política e deveria, como em ocasiões
anteriores, selecionar os destaques, escrever um resumo e publicar naquele
mesmo dia. O embargo, como praxe, era até o fim da tarde. Naquele mês, o grande
interesse da maioria dos leitores ainda era se o Brasil seria capaz de sediar
uma Copa do Mundo em seu quintal, e poucos pareciam se preocupar com o cenário
da disputa. Por isso estranhei os telefonemas recebidos durante a tarde.

É mais ou menos assim: conforme
a disputa esquenta, os comandos das campanhas interessadas passam a agir como
lobos para conseguir acesso antecipado aos números e afinar a estratégia e o
discurso antes do fechamento dos jornais. E chovem telefonemas ao repórter ou
redator responsável pelo texto da pesquisa até o fim do embargo ? e com eles a
resposta-padrão para despistar os curiosos e preservar o emprego.

Desta vez, no entanto, o
telefone começou a tocar mais cedo. Do outro lado da linha não estavam os
coordenadores da campanha, ainda em fase de construção, mas colegas de veículos
de economia. A insistência, diziam, era porque o mercado estava em polvorosa à
espera de uma queda das intenções de voto para a presidenta Dilma Rousseff. A
movimentação da Bolsa ao fim de cada pesquisa reforçava essa tendência: as
ações caíam ou subiam em movimento contrário às oscilações da presidenta.

O
comunicado do banco Santander aos seus clientes, revelado na semana passada
pelo jornalista Fernando Rodrigues, escancarou o que nos bastidores já não era
segredo: o mercado apostava contra a petista. A revelação deu nome aos bois ? a
um boi, pelo menos, o maior prejudicado no episódio até aqui. No documento, o
banco afirmava a clientes Vips que a queda da petista nas pesquisas contribuía
para a subida do Ibovespa. Uma mudança nas intenções de voto, no entanto,
provocaria um ?cenário de reversão?, com câmbio desvalorizado, alta de juros
longos e a queda do índice da Bovespa.

Para quem passou as últimas
semanas alimentando a fantasia de que as vaias à presidenta na abertura da
Copa, dentro e fora das arquibancadas da Arena Corinthians, eram uma
manifestação exclusiva da elite, o comunicado foi um prato cheio. O PT acabava
de ganhar um discurso. Ou melhor, acabava de legitimar o que o secretário-geral
da Presidência, Gilberto Carvalho, já apontava como um falso discurso ? para
ele, o sentimento de rejeição ao governo e ao seu partido estava infiltrado em
outras camadas da sociedade por uma série de razões, entre elas os pesos e
medidas distintos da cobertura política. Mas não eram um fenômeno apenas das
áreas Vips dos estádios (e dos bancos, como agora podemos supor).

A fala do ministro, embora
lúcida, desagradou parte dos correligionários. Com o comunicado do Santander,
virou fumaça. Na queda de braço, venceram os que preferem atribuir à elite, e
apenas à elite ? egoísta, reacionária e demofóbica ? a rejeição a um governo
popular. Daí a repercussão em cima do episódio.

Segundo o banco, o texto foi
enviado aos correntistas com rendimento mensal superior a 10 mil reais, que
representam 0,18 de sua base. Dessa pequena conta é possível vislumbrar um
grande dividendo eleitoral: ?o que é bom para a parcela de 0,18 de
privilegiados não é bom para os outros 99,82 ?. E são esses últimos que ganham
uma eleição. Esse raciocínio caiu no colo da campanha petista e deverá ser
sugado até a última gota.

Mas a análise do movimento
escancarado antes do comunicado vir a público mostra uma situação um pouco mais
delicada do que uma queda-de-braço pura entre elite versus povo. Um amigo com
alta rodagem na cobertura do mercado financeiro é quem atesta: ?O mercado não
está contra o PT, mas contra a Dilma?. Tanto que, segundo ele, as especulações
já surgiam quando havia a expectativa de uma queda de Dilma nas pesquisas
significar a volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ? o que explica a
ansiedade dos telefonemas descritos nos primeiros parágrafos.

Isso porque, explica o meu
amigo, a presidenta é vista como excessivamente intervencionista pelo mercado.
Entre outras razoes citadas por ele estão os episódios da renovação das
concessões de energia, o uso da Petrobras como instrumento de controle
inflacionário (?o que impede a empresa de aumentar o combustível para equiparar
a patamares internacionais?), a utilização dos bancos públicos para manobras
fiscais, às desonerações (?meio a esmo?) e a credibilidade mambembe das contas
públicas ? sempre segundo os argumentos do mercado.

Nesse movimento, é possível
identificar exageros e o velho fator especulativo, semelhante ao que acontece
nos Estados Unidos em época de eleição, quando o mercado sopra a favor dos
postulantes republicados. Ainda assim é preciso ter cuidado para não criar
demônios a partir do episódio. ?No fim das contas, mercado não é um bando de
engravatado na Paulista. É a soma de diversas expectativas se manifestando.
Lógico que rola efeito manada, mas no fim das contas eles querem mesmo é se
antecipar aos fatos, porque só assim se ganha dinheiro. E o capital
especulativo é mais volátil mesmo, de curto prazo. O que a gente precisa é
perder a ideia de que especulador é um canalha disposto a ferrar todo o resto.
Ele é fundamental. Sem especulador não tem mercado. Todo mundo ficaria preso
num papel e só esperaria que ele se valorizasse por inércia. Também foi o
especulador que jogou a Petrobras lá em cima no governo Lula.?

E finaliza: ?Há, de todo modo,
fatores de preocupação. Especialmente com erros cometidos na condução da
política econômica. O Santander não disse nada demais. Talvez não devesse fazer
esse tipo de análise em boletim de correntista, mas sim para investidores em
ações. Correntista, por mais rico que seja, quer uma coisa operacional e
procura o gerente para discutir investimento. Não cabia aquilo naquele
boletim?.

Grifo
meu, Dilma Rousseff fez bem em repudiar a nota do Santander, que já se
desculpou e jura ter demitido os responsáveis. Usar a rede de influência, como
no caso, para divulgar simpatias políticas na base do terrorismo econômico é
sempre lamentável ? como é lamentável padre ou pastor que usa o púlpito para
demonizar candidatos inimigos. Ponto. Mas o episódio não é isolado nem
minimizará, pelo constrangimento, o desconforto, agora declarado, dos
empresários em relação à política econômica. Há desconfianças dos dois lados e,
em pleno ano eleitoral, não se sabe até onde cada um está disposto a ceder por
uma mensagem de paz antes do próximo pregão. (Por Matheus Pichonelli Yahoo)