Não é improvável um espectador do telejornal noturno ter o
sono perturbado com vozes soturnas de apresentadores e analistas. Pelo que se
vê e se ouve, não se sabe o que aquele apresentador sério quer dizer com ?boa
noite?. Afinal, a economia do Brasil pode estar à beira da bancarrota. Tampouco
se perdoa o ?bom dia? do apresentador da manhã, pois os jornais do dia também
trarão o apocalipse. Não é para menos.
A preocupação com a economia move o dia a dia das pessoas,
inclusive as que dormem mais cedo que os jornais noturnos. Ninguém passa um
único e escasso dia sem fazer contas. Foi entendendo a importância dessa
ciência, nem sempre exata, que o estrategista James Carville, do Partido
Democrata, eternizou a frase ?é a economia, estúpido!? Era 1992, e com esse
aprendizado Bill Clinton superaria o favoritismo do republicano George Bush, o
pai, demonstrando sintonia com as angústias cotidianas dos norte-americanos
nesse quesito. Eis o segredo do homem que faria história no Salão Oval da Casa
Branca pelos próximos oito anos: saber o que, com quem e por que estava
falando.
O noticiário econômico cumpre vários objetivos. Um deles,
saciar os humores do mercado financeiro, servir de ponte para suscitar apostas
nos cassinos da especulação, detectar (ou criar) o clima do ambiente eleitoral,
entre outros, inclusive informar de vez em quando. Porém, pelo que algumas
pesquisas têm demonstrado, a opinião pública talvez não veja a economia do
Brasil como a veem os especialistas.
Pesquisas do Datafolha apuram o índice de confiança do
brasileiro em relação ao país. Numa escala de 0 a 200, um levantamento feito no
início de julho revelou que a expectativa da situação econômica pessoal é de
160 pontos, sendo um dos ?aspectos para os quais os brasileiros demonstram um
sentimento positivo acima da média?, no relato do instituto. Já a expectativa
da situação econômica do país registrou 102 pontos em julho, alta de 6 pontos
na comparação com maio. Os eleitores brasileiros também foram consultados sobre
a situação econômica pessoal e 48 esperam que ela vá melhorar nos próximos
meses. Outros 38 acreditam que ficará como está. E apenas 12 , que vai piorar.
Pela pesquisa, pode-se constatar que há um grande descompasso entre o
sentimento positivo do brasileiro com relação à economia e o cenário
catastrófico divulgado pela mídia tradicional.
O jornal ou o caixa
O comerciante Mário Paixão da Silva, de 46 anos, tem uma
pequena loja de roupas no centro do Recife (PE) há mais de 20 anos. E diz que
basta conferir as vendas para saber se a economia está bem ou não. ?Você acha
que vou acreditar no jornal ou no meu caixa??, brinca, ainda comemorando as
vendas que fez durante a Copa do Mundo. ?A gente precisa ser criativo e se
reinventar a cada dia. Durante a Copa, por exemplo, troquei as tradicionais
roupas da vitrine por camisas da seleção ou por peças que privilegiassem o
verde e o amarelo. Vendi muito, não posso reclamar. E, nos últimos meses,
minhas vendas estão no mesmo patamar dos anos anteriores?, diz.
Mesma opinião tem a auxiliar de serviços gerais Vilma Silva
de Lima, de 57 anos. O noticiário econômico não é algo que a perturbe, ou
atraia. Moradora de um bairro pobre de Camaragibe, região metropolitana do
Recife, Vilma diz que as principais preocupações são com a saúde pública e a
segurança. ?Aliás, nas próximas eleições, vou prestar atenção no que os
candidatos vão dizer sobre esses problemas?, afirma.
Com a aproximação do pleito, a mídia tradicional começa a
definir candidatos que querem ajudar ou atrapalhar. E, diferentemente de quase
um quarto do eleitorado, parece não estar indecisa, analisa o jornalista e sociólogo
Venício Artur de Lima, professor titular de Ciência Política e Comunicação da
Universidade de Brasília (UnB). Ele analisa o comportamento midiático em
eleições há três décadas e tem vários livros sobre o tema.
Lima avalia que a profusão de informações parciais para
privilegiar uns e prejudicar outros dá o tom. ?Seguem a mesma conduta das
eleições passadas, talvez de forma ainda mais exacerbada.?
O pesquisador pondera, porém, que o Brasil mudou e o eleitor
está mais capacitado e dispõe de meios diversos de informação para decidir o
voto. ?Tenho uma visão diferente da que tinha quando comecei a estudar
eleições, nos anos 80. As pessoas buscam muito mais informação fora do esquema
da grande mídia. É claro que a TV aberta continua sendo a principal fonte de
informação, mas as fontes alternativas têm peso muito grande desde 2006?,
avalia. Isso não significa, observa Lima, que a mídia convencional não seja
importante para influenciar comportamentos em longo prazo. ?A percepção das
pessoas sobre corrupção e a estigmatização dos partidos ainda é influenciada
pela mídia, mas no comportamento eleitoral em si, o peso do que é publicado nos
principais jornais, na TV e no rádio diminuiu, graças a meios que antes não
existiam?, comenta.
Pessimismo militante
Usar o jornalismo econômico para fazer política no Brasil é
uma estratégia que tem sido bastante criticada por Luis Nassif, jornalista
econômico com 45 anos de experiência e organizador do portal GGN. Para ele, há
muitas críticas à condução da política econômica do governo federal e
vulnerabilidades que precisam ser enfrentadas ? especialmente o desequilíbrio
nas contas externas do país. ?Mas nada que, nem de longe, se pareça com o
quadro pintado nos grandes veículos. Aumentos de meio ponto percentual ao ano nos
índices inflacionários são tratados como prenúncio de hiperinflação;
acomodamento das vendas do varejo, em níveis elevados, como prenúncio de
recessão?, comenta.
O que ele chama de ?pessimismo militante? compromete a
crítica necessária sobre os pontos efetivamente vulneráveis da política
econômica e do processo de desenvolvimento do Brasil. ?Há uma guerra política
inaugurada em 2005, que sacrifica a notícia no altar das disputas partidárias.
É evidente que há muito a melhorar no ambiente e na política econômica, mas
quem está em crise exposta, hoje em dia, é certo tipo de jornalismo que acabou
subordinando os fatos a disputas menores.?
O fotógrafo Alexandre Lombardi, de 38 anos, não gosta de
generalizar uma má conduta da mídia. Ele não duvida que todo veículo favoreça
um lado e prejudique outro. Lê os jornais tradicionais, procura na internet por
blogs, fóruns de discussão e mídias sociais com pensamentos diferentes, mas
desconfia à esquerda e à direita, e procura consistência:
?Gosto da pluralidade de pensamentos?, conta Alexandre, que
mora em Sorocaba, interior paulista. ?A internet deixou tudo muito fácil. É
possível comparar versões. Analiso, converso com os amigos e formo a minha
própria opinião. Não tiro conclusões baseadas em uma única fonte?, explica. Ele
ainda não definiu candidatos para a próxima eleição, mas levará em conta as
propostas, inclusive para a economia.
Transmitir confiança, credibilidade e consistência, com
propostas claras, será o melhor meio de ganhar o voto do eleitor em outubro.
Quem afirma é o publicitário Renato Meirelles, sócio-diretor do instituto Data
Popular ? empresa de pesquisa especializada no conhecimento das classes C e D,
onde se concentra a maioria dos brasileiros. ?O que vai decidir o voto é a
capacidade das candidaturas de entender os problemas reais que o eleitor
enfrenta e de oferecer perspectivas de futuro?, observa.
Para Meirelles, será, antes de tudo, uma eleição sobre o
futuro e não de legado. ?Os eleitores estão mais preocupados em saber o que vai
levar o Brasil adiante e não o que trouxe o país até aqui. Isso coloca a
discussão em outro patamar. Os candidatos devem fazer uma campanha muito mais
propositiva em vez de ficar falando do passado?, explica. A queda na
credibilidade da mídia, as novas tecnologias da informação e a recente ascensão
social no Brasil criaram um novo formador de opinião que terá peso nestas
eleições. Trata-se do jovem da classe C. ?Esses jovens estudaram mais que os
pais, estão mais conectados, contribuem mais com a renda familiar do que o
jovem da elite. Ele é provedor de conteúdo em casa e sua opinião vai ajudar a
definir o voto da família?, afirma Meirelles.