Aécio retoma FHC com reforma tributária que não taxa fortunas e não desonera pobres

As propostas para reforma tributária do candidato à
presidência da República pelo PSDB, Aécio Neves, não produzirão efeitos no
sentido de tornar a carga tributária brasileira mais justa, reduzindo seu custo
sobre os mais pobres ? a chamada regressividade. Esta é a avaliação do
professor de economia da Universidade de Campinas (Unicamp) Francisco Luiz
Cazeiro Lopreato, para quem uma reforma efetiva deve compreender taxação sobre
renda e patrimônio, incluindo as grandes fortunas, além da desoneração dos
itens de primeira necessidade, como os alimentos.

Aécio propõe a criação de um Imposto sobre Valor
Adicionado (IVA), que teria legislação e arrecadação nacional, substituindo os
atuais Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Imposto sobre
Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), e também as contribuições sociais
e econômicas. A arrecadação seria baseada em alíquota única, depois dividida
com os estados.

Além da estrutura fiscal, a proposta compreende que os
cidadãos brasileiros passariam a receber um registro único e geral, já ao
nascer, que seria utilizado tanto para questões sociais ? previdência, saúde,
educação, segurança ? como para abertura de empresas e pagamento de impostos.
Uma ampliação do que foi proposto em 2009, no segundo mandato do então
presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), quando foi apresentado o Registro
Único de Identidade Civil (RIC), que acabou não sendo implementado.

A discussão sobre o tamanho da carga tributária no
Brasil é uma queixa antiga que vem ganhando força desde os anos 1990. Em 2000,
a Associação Comercial de São Paulo criou o impostômetro, que deve chegar à
marca de R$ 1,3 trilhão arrecadados neste ano, antes do fim deste mês. No
entanto, pouco se fala sobre a redistribuição da carta, que hoje onera os mais
pobres.

|Como está, a proposta terá somente o ganho da
simplificação dos tributos, o que é importante, porque hoje temos muitos
impostos diferentes. Mas é uma proposta tímida e que pode colocar muito peso
sobre um único imposto, dificultando romper a regressividade|, explica
Lopreato. |Isso já foi colocado por Fernando Henrique Cardoso, em 1997. Não tem
nenhuma novidade e não ataca as grandes questões que estão colocadas.?

A proposta de FHC compreendia a criação do IVA,
incidente sobre bens e serviços, com a extinção dos demais tributos (IPI, ICMS,
ISS, CSLL, COFINS e PIS/PASEP). A exemplo de Aécio, o presidente não propunha
qualquer forma de tributação sobre grandes fortunas ou redução tributária sobre
produtos de primeira necessidade. Mas criava outras taxas, como o imposto sobre
vendas a varejo de mercadorias, no âmbito estadual, e o imposto sobre vendas a
varejo de serviços, municipal, não citados no programa atual do PSDB.

O candidato tucano de 2014 admite que, no curto prazo,
não será possível realizar a redução de impostos.

O economista Geraldo Biasoto, também professor da
Unicamp, recebe bem o projeto do PSDB, embora avalie que a ideia é mais interessante
para corporações do que para as pessoas. |A proposta é ousada. O sistema hoje é
ineficiente economicamente. Pode ser difícil operacionalizar quanto às pessoas,
mas para as empresas é interessante.|

Um dos problemas dos impostos no Brasil hoje é que são
|iguais| nos produtos básicos e inexistentes nos artigos de alto custo ou mesmo
de luxo. Um morador da periferia de Diadema, na Grande São Paulo, que compra um
pacote de arroz em um mercadinho paga o mesmo imposto que um empresário que faz
a mesma compra em um supermercado de rede, em Higienópolis, bairro de classe
alta da região central da capital paulista.

Ao mesmo tempo, o dono de um helicóptero ou de uma
lancha não tem impostos a pagar pela propriedade desses artigos, assim como as
pessoas que possuem grandes fortunas, ao passo que donos de automóveis têm
obrigações com o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA).

Apesar disso, a criação de um tributo único federal é
entendida como uma boa possibilidade de enfrentar a guerra fiscal ? quando os
estados fazem modificações em suas legislações tributárias, reduzindo ou
ampliando cargas para atrair investidores. É também elogiada a simplificação do
sistema, já que hoje são inúmeras as regras de taxação e os vários impostos.

Lopreato e Biasoto concordam com outra proposta do
tucano: o fim da tributação sobre exportações, que para eles prejudica as
empresas brasileiras. ?Você pode criar um sistema de IVA no destino, ou seja,
que vai colocar a taxação no local onde o consumo ocorre?, propõe Lopreato.

?Hoje não existe imposto especifico sobre exportações,
mas todos os demais incidem nos insumos e materiais que compõem o produto. E
isso é maléfico para nossa economia?, defende Biasoto.

Aécio também propõe melhorar criar métodos para devolver
os créditos surgidos por impostos cobrados sobre esses insumos que vão
constituir as exportações, possibilitando o pagamento de obrigações de
seguridade social ou quitar dividas de ICMS de outras empresas. Segundo
Biasoto, as empresas levam em média cinco anos para reaver tais valores, que
correspondem a cerca de 3 dos tributos pagos.

No entanto, essa medida também não é nenhuma novidade e
seria resolvida com a aplicação efetiva dos instrumentos legais existentes, que
já compreendem a devolução por outros meios, explica Lopreato.

Outra questão que chama a atenção é que o programa
tucano não apresenta nenhuma proposta no sentido de enfrentar a sonegação de
impostos, que, segundo dados do Sindicato dos Procuradores da Fazenda Nacional
(Sinprofaz), atingiu R$ 415 bilhões em 2013 e deve chegar a R$ 475 bilhões
neste ano. E que, no geral, não pode ser feita no consumo de produtos básico,
mas sim nas tributações complexas.

Para o professor Lopreato, no entanto, existe uma
inversão nas preocupações, ao dar-se tanta ênfase para as propostas de Aécio,
como se o Poder Executivo pudesse resolver tudo sozinho. Propostas de emenda à
Constituição dependem de aprovação de dois terços dos parlamentares na Câmara e
no Senado, em dois turnos, o que é improvável em um Congresso com alta presença
de representação empresarial.

Os ex-presidentes FHC e Luiz Inácio Lula da Silva
fizeram propostas de reformas, mas ambas ficaram paradas no Congresso Nacional.
Para Lopreato reside justamente aí o problema, que ele explica com uma frase
que teria sido dita em 1962, pelo então primeiro-ministro Tancredo Neves, avô
de Aécio. |Ele disse: |Existe um projeto de reforma tributaria tramitando nesta
casa [o Congresso] há 25 anos. E se depender de nós, congressistas, não sai.
Porque não interessa a ninguém. Essa é principal resistência a ser vencida
ainda hoje, conclui. RBA