O programa do candidato do PSDB à Presidência da
República, Aécio Neves, é um |cavalo de Troia| para a saúde pública. A
avaliação é dos médicos sanitaristas Ana Maria Costa, presidenta do Centro
Brasileiro de Estudos de Saúde, e Heleno Rodrigues Corrêa Filho, diretor da
entidade.
De acordo com os especialistas em saúde pública, que
trabalharam pela criação e implementação do Sistema Único de Saúde (SUS),
enquanto a candidatura Dilma propõe duas linhas programáticas principais ?
levar adiante a expansão de clínicas de especialidades e melhorar a assistência
de frente no SUS, com reforço ao Serviço de Atendimento Móvel de Urgência
(Samu) ?, o programa de Aécio reúne praticamente tudo o que os movimentos da
saúde coletiva e de saúde pública veem defendendo, a começar pela destinação de
10 da receita bruta da União para a área.
|Pelo programa apresentado pelo deputado federal Marcus
Pestana (PSDB-MG), em reunião de entidades de saúde coordenada pelo Cebes no
sábado (18), no Rio de Janeiro, o programa é um brilhante, enorme e lustroso
cavalo para veicular a propaganda, especialmente agora que o governo aprovou
junto ao Congresso a destinação de grande margem do lucro do pré-sal para saúde
e educação|, diz Ana Maria Costa. |O cavalo de Troia contém nas páginas 19 a 20
duas pequenas armas infalíveis de privatização do SUS em caráter definitivo,
que será revigorado por um orçamento que faz inveja às seguradoras privadas que
financiam a campanha de Aécio.|
Conforme ressalta Corrêa Filho, a proposta vem associada
com uma |mudança radical na forma de gestão do SUS| e a |um reforço às linhas
de gestão pelas parcerias público-privadas| ? as PPPs: |Quando o dinheiro do
pré-sal baixar nas burras de um eventual suposto governo demotucano, encontrará
esses dois soldados escondidos dentro do cavalo, enquanto a pátria-mãe dormirá
seu sono tranquilo à espera de um SUS forte, nacional, público, solidário, não
discriminador. Acordará de manhã cedo com as portas do SUS arrombadas pelas
concessões para consórcios privados que colocarão fatores de cobrança para
|moderar| as necessidades de contato dos cidadãos com os serviços de saúde|.
Para os dirigentes do Cebes, a cesta básica primária do
Banco Mundial estará garantida. Isso porque, segundo eles, quando o paciente
necessitar de exames e consultas de especialidades, passará às mãos privadas,
que vão avaliar, de forma eficiente, efetiva e eficaz, se deve ou não pagar
taxas adicionais tal como hoje acontece no sistema público espanhol, que já foi
gratuito e universal.
|Destinar muito dinheiro para quem pretende repassá-lo a
mãos de seus financiadores de campanha não parece uma atitude saudável nem
parece defender o SUS|, ressalta Ana Maria. |Os princípios de universalidade,
equidade e integralidade estão na linha de tiro do canhão de Aécio que é movimentado
pelo deputado que controlou a arrecadação do caixa dois de Minas Gerais e
recebeu público desviado por representantes em Minas do Conselho Federal de
Medicina, segundo denúncia documentada em fontes reconhecidas em cartório e
repassada à mídia de internet que não pode ser filtrada pelos editores da
grande mídia.|
Ainda usando de metáforas para explicar seus temores, os
médicos alertam que o cidadão que |votar contente porque Aécio finalmente
assumiu a palavra de ordem de refinanciar o SUS descobrirá em seguida que
alimentou o monstro privado que vai retirar seus direitos|.
|O SUS nacional corre o perigo de tornar-se a malha
privatizada implantada no estado de São Paulo nos últimos vinte anos de
administração demotucana. As clínicas de especialidade são privadas. As
centrais de vaga e marcação de consultas de especialidades funcionam
precariamente entre os Centros de Saúde e as referências em policlínicas|,
aponta a presidenta do Cebes. |Os centros diagnósticos são eminentemente
privados, financiados pelo setor público, e os gastos sobem de maneira estratosférica
sem melhora para os que trabalham nos centros de saúde, sem mais policlínicas
para especialidades nos bairros e regiões mais pobres|.
Ainda segundo Corrêa Filho, a |forma elegante e
primorosa como o resto do programa está escrito faz parecer que cabeças pensantes
da saúde coletiva ajudaram a escrever a obra prima do que deveria ser um
programa com palavras de ordem socialista originado à esquerda do espectro da
política que defende ampliar os direitos sociais|. E sublinha: |Mais uma vez a
direita se apropria das palavras de ordem da esquerda e executa, com a mão
cega, o golpe de misericórdia que mata o desejo. O programa de Aécio é o
exterminador do futuro. Vai sugar o dinheiro que vem do pré-sal e entregá-lo
intacto para mãos privadas. O cavalo de Troia poderá ser aberto na votação
presidencial do dia 26 de outubro. Os que sobreviverem verão|.
A terceirização, por meio de contratação de prestadores
de serviços para a gestão de unidades de saúde, e a extinção dos subsídios
diretos ao setor privado e revisão dos gastos tributários e incentivos fiscais
a planos de saúde e indústria farmacêutica estão entre as propostas do
Movimento da Reforma Sanitária para o debate da saúde. Assinam o documento o
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, as associações brasileiras de Saúde
Coletiva (Abrasco), de Economia em Saúde (Abres) e dos Membros do Ministério
Público em Defesa da Saúde (Ampasa), Rede Nacional, Associação Paulista de
Saúde Pública, Instituto Brasileiro de Direito Sanitário Aplicado (Idisa) e
Sociedade Brasileira de Bioética.
Conheça as propostas do candidato tucano para a saúde
O programa de governo de Aécio Neves registrado no
Tribunal Superior Eleitoral é, na verdade, uma carta de intenções em que define
o Sistema Único de Saúde como |uma das grandes políticas de inclusão social da
história do Brasil|. No entanto, não detalha como fará para realizar suas
políticas. Para os professores Mário Scheffer, da Faculdade de Medicina da USP,
e Lígia Bahia, do Núcleo de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), fica claro que Aécio pretende dar mais espaço para a iniciativa privada
dentro da saúde pública nacional.
Parcerias público-privadas ? O programa deixa claro a
pretensão de ação conjunta entre agentes privados e públicos na saúde ao defender
|implantação do sistema de PPPS ? Parcerias Público-Privadas Sociais ? criando
meios para que o Estado e o setor privado possam financiar projetos e programas
sociais e ambientais de interesse público|. O candidato do PSDB completa que
pretende estabelecer a |integração do sistema de saúde suplementar com o SUS,
para identificar oportunidades de colaboração e investimento e desenvolvimento
de parcerias público-privadas|.
Gestão de postos e hospitais por OSs ? Aécio não assume
posição sobre um ou outro modelo, mas é o único entre todos os candidatos que
disputaram as eleições presidenciais a defender claramente a |implantação de
iniciativas que melhorem continuamente a gestão do setor, como a autonomia de
gestão em todos os níveis das redes de saúde, definição e uso de protocolos,
padrões de qualidade e processos otimizados para os controles internos, e
otimização do modelo assistencial, com iniciativas que incentivem a
desospitalização e a profissionalização do cuidado|.
Financiamento do SUS ? Dúbio, ele fala ao mesmo tempo em
|apoiar a proposta popular dos 10 da Receita Corrente Bruta da União para o
setor saúde| ? do Movimento Saúde + 10 ? e dar força a uma |política similar
que garanta um crescimento progressivo de financiamento para o setor|. Não se
propõe a refazer as contas da saúde, principalmente de levar em consideração a
renúncia fiscal no cálculo de imposto de renda de pessoa física e jurídica,
empréstimos do BNDES, subsídios e isenções tributárias que beneficiam os planos
de saúde privados. E tampouco se refere a brecar desonerações da indústria
farmacêutica e dos hospitais filantrópicos, que favorecem a expansão do setor
privado sem que haja alguma contrapartida ao SUS.
Pacto federativo – Prevê a |adoção de vários meios para
apoiar os municípios na realização de ações de promoção da saúde e de hábitos
saudáveis de vida|, mas não detalha como isso será feito.
Integralidade do atendimento ? Embora anuncie inovação
nas articulações para enfrentar déficits na saúde, ele não esclarece como vai
integrar as propaladas ações de promoção da saúde, prevenção e assistência,
além de garantir a continuidade da atenção nos diferentes níveis de
complexidade do sistema, articulando políticas públicas e ações intersetoriais
sobre os determinantes da saúde. Tampouco diz como promover a equidade nas
condições de saúde diretamente associadas à desigualdade social, ou como
garantirá o acesso e utilização dos serviços ? o que depende de explicitação de
como será estruturado o modelo de atenção a ser adotado para a oferta de
serviços, públicos e privados.
Modelo assistencial ? |Porta de entrada do SUS,
garantindo que atenda a todas as necessidades de promoção, prevenção e atenção
básica da população brasileira| (Aécio Neves);
Saúde da Família – Como na TV, defende a estratégia de
atenção básica à saúde pelo |fortalecimento e ampliação do Programa Saúde da
Família ? PSF ? para todo o território nacional, qualificando e ampliando a sua
cobertura, incorporando mais profissionais e profissões|. Só não diz como
fazer.
Complexo Industrial da Saúde ? Ignora que o
desenvolvimento do complexo requer investimento na política industrial e
qualificação da atuação do Estado, com intensificação do uso de seu poder de
compra de medicamentos e insumos, assim como o estabelecimento de parcerias de
transferência de tecnologia e investimento prioritário nos laboratórios
públicos nacionais. O tucano fala genericamente em |fortalecimento e ampliação
do complexo produtivo da saúde no Brasil, investindo no desenvolvimento de uma
política de ciência, tecnologia e inovação e no fortalecimento da indústria
farmacêutica nacional e dos laboratórios farmacêuticos|.
Patentes – Outra polêmica que ele ignora é a da revisão
da lei de patentes, criada no governo Fernando Henrique Cardoso e nociva ao
país, no sentido de tornar a legislação mais eficiente na defesa dos interesses
de saúde pública e permitindo ampliar o acesso público a medicamentos e outras
tecnologias.
Álcool e drogas ? Aécio prevê a |implantação de política
de prevenção ao consumo de drogas, inclusive álcool, em articulação, quanto a
drogas ilícitas, com a segurança pública e de instituição de rede de atendimento
aos dependentes, em parceria com estados, municípios e terceiro setor|. Mas não
apresenta uma política de atenção integral em saúde mental ou voltada,
especificamente, a usuários de álcool e outras drogas. A política
antimanicomial, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), os lares abrigados e
residências terapêuticas, a internação compulsória e involuntária, o combate ao
crack, dentre entre outros temas e embates atuais da saúde mental, foram
omitidos ou abordados de maneira superficial.
Mais Médicos ? Ele não se opõe à continuidade do programa,
mas propõe mudanças, como a |oferta de cursos preparatórios a médicos
estrangeiros para permitir a realização do exame Revalida, com padronização de
remuneração|. Reproduz, assim, posições das entidades médicas, que defendem a
necessidade de aprovação no Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos
expedidos por instituições de educação superior estrangeiras, como requisito
para atuação, no Brasil, de médicos formados no exterior, incluindo os que atuam
na atenção primária via Mais Médicos; e a isonomia no valor recebido pelos
intercambistas.
Planos de carreira – A instituição ou reformulação de
Planos de Carreiras, Cargos e Salários no âmbito do SUS, um dos assuntos mais
destacados em diversas conferências nacionais de saúde e conferências setoriais
de recursos humanos, é defendido por Aécio apenas para os médicos, por meio da
|instituição da carreira nacional de médicos|. Para os demais profissionais de
saúde, prevê a |implantação de programas de valorização, apoio, qualificação e
aperfeiçoamento dos profissionais da área de saúde|.
Participação e controle social ? Afirma que o governo
federal deve estimular o debate e a busca de consensos por meio da participação
social de grupos, coletivos, organizações não-governamentais, movimentos
sociais e populares. |A participação do cidadão também se manifesta por meio
dos Conselhos Nacionais de políticas públicas, que devem ser prestigiados e
fortalecidos.| A participação no campo da saúde é mencionada pelo programa de
Aécio Neves: fortalecimento do controle social do setor saúde, por meio de
distintas instâncias de participação, de mecanismos de controle e de avaliação
da satisfação dos usuários|. Em nenhum dos programas a participação social é
apresentada como componente essencial para a preservação do direito universal à
saúde.
Fonte: A saúde nos programas de governo dos candidatos a
Presidente da República do Brasil nas eleições de 2014: notas preliminares para
o debate ? Mário Scheffer e Lígia Bahia