Depoimento de Augusto Heleno à Polícia Federal preocupa Planalto

Os depoimentos dos 3 ministros militares palacianos nesta
terça-feira (12) tensionou ainda mais o clima no governo, já pesado desde a instauração do inquérito que investiga as acusações do
ex-ministro Sergio Moro a Jair Bolsonaro. A maior preocupação é com a oitiva de
Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), uma das poucas vozes que
o mandatário costuma escutar.

A inquietação é tamanha porque o general teria aconselhado o
presidente sobre os limites dos relatórios de inteligência da Polícia Federal a
que Moro acusou Bolsonaro de querer ter acesso. Como testemunhas não podem
ficar caladas em depoimentos em inquérito policial, o general terá que dar sua
versão sobre as acusações do ex-ministro da Justiça.

Além de Heleno, serão ouvidos os generais Walter Braga Netto
e Luiz Eduardo Ramos – os 3 no Palácio do Planalto e no mesmo horário, às 15h.
A ideia de ouvi-los todos ao mesmo tempo é para que nenhum saiba o que o outro
disse à PF e não possa, assim, balizar o que vai falar sobre o depoimento do
colega. 

Segundo Moro, todos participaram de conversas nas quais
Bolsonaro o pressionou pela troca do comando da PF e da superintendência da
corporação no Rio. Isso, além da fatídica reunião do dia 22 de abril,
cuja gravação foi entregue ao STF (Supremo Tribunal
Federal) na sexta passada e será exibida apenas à PGR (Procuradoria-Geral da
República), AGU (Advocacia-Geral da União), que defende o presidente, e a Moro
e seus advogados nesta terça, a partir das 8h. 

Acontece que o general Augusto Heleno, chefe da Abin
(Agência Brasileira de Inteligência), teria advertido o mandatário de que há um
limite sobre as informações da Polícia Federal às quais ele poderia ter acesso.
Como vítima, por exemplo, ele poderia requerer dados das investigações sobre o
ataque a faca que sofreu em setembro de 2018 por Adélio Bispo. Seria legítimo
ainda solicitar algo que tangenciasse segurança nacional. Não poderia, porém,
requisitar notícias de operações ou investigações sobre terceiros. 

A insistência de Bolsonaro em ter acesso a informações da PF
poderia significar tentativa de interferir na corporação, mas ainda não está
claro até que ponto constitui crime. É isso que se quer esclarecer com os
interrogatórios. 

Delegados da PF também são peças-chave

O clima de preocupação pelos depoimentos já começou nesta
segunda-feira (11). O ex-diretor-geral da Polícia Federal Maurício Valeixo foi
ouvido em Curitiba por quase 6 horas. Segundo fontes da PF e interlocutores da
PGR, este era um depoimento considerado essencial para as investigações, já que
podia esclarecer, por exemplo, como e há quanto tempo ele vinha sendo
pressionado para trocar a Superintendência do Rio de Janeiro.  

Segundo Moro afirmou no depoimento que prestou à PF, também em Curitiba, no último
2 de maio, Bolsonaro teria dito que o ex-ministro tinha 27 Superintendências
enquanto ele [o presidente] só queria uma, a do Rio de Janeiro

Também nesta segunda falaram à PF Alexandre Ramagem, atual
diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), e Ricardo Saad,
ex-superintendente da PF no Rio – também depoimentos considerados importantes
no inquérito. 

Ramagem segue como o nome predileto do presidente Bolsonaro
para assumir a diretoria-geral da Polícia Federal, mas foi impedido de tomar
posse no dia 29 de março por uma liminar do ministro do STF Alexandre de Moraes, que viu na
indicação ?desvio de finalidade?. Ramagem é próximo da família Bolsonaro e
esteve, inclusive, no Palácio da Alvorada na manhã deste domingo (10). 

Saad foi diretor da PF no Rio na primeira vez que o
mandatário mostrou publicamente disposição de trocar o comando da instituição
no estado, em agosto de 2019. Na ocasião, houve grande mal-estar na corporação,
que reagiu, e se contornou a situação. Jair Bolsonaro, contudo, afirmou por
diversas vezes após o episódio que é “ele quem manda”.

Outros depoimentos marcados pela PF esta semana são: Carlos
Henrique de Oliveira Souza (ex-superintendente no Rio de Janeiro), Alexandre da
Silva Saraiva (ex-superintendente no Amazonas), Rodrigo de Melo Teixeira
(ex-superintendente em Minas Gerais). Todos falam nesta terça às 15h. As
oitivas dos 2 primeiros será na Superintendência da PF em Brasília. Já a de
Teixeira ainda não foi definida.  

A aliada que preocupa

Há ainda o interrogatório da deputada Carla Zambelli
(PSL-SP), uma peça à parte. Sempre disposta a defender o presidente Jair
Bolsonaro com unhas e dentes, a deputada Carla Zambelli acabou também no centro
das atenções após Sergio Moro mostrar ao Jornal Nacional uma troca de mensagens com ela, na
qual a parlamentar sugere que trabalhará pela indicação do ex-juiz ao Supremo
junto ao presidente.

“Por favor, ministro, aceite [Alexandre] Ramagem [diretor da
Abin]”, disse a deputada na troca de mensagens com Moro. “E vá em setembro para
o STF, me comprometo a ajudar a fazer JB [Jair Bolsonaro] prometer.” Em
seguida, Moro responde: “Não estou à venda”.

Ao se defender das acusações feitas por Moro em seu discurso
de despedida com cara de delação, o mandatário disse que seu ex-ministro da
Justiça teria condicionado aceitar trocar o comando da PF com uma indicação ao STF: ?Compromisso com o ego?. Até o ano
que vem, Bolsonaro terá o direito de indicar 2 nomes para a Corte: um para a
vaga de Celso de Mello, outro, após a aposentadoria de Marco Aurélio
Mello. 

Em entrevista publicada no site da revista Marie Claire, a deputada disse que Moro e Bolsonaro
tinham “incompatibilidade completa”, que não havia ?”iga entre eles”. Afilhada
de casamento do ex-juiz, afirmou que ele “teria saído maior, se não tivesse
feito tanta picuinha”. 

O temor do governo é pelo tanto que a parlamentar pode revelar.
Ela é presença constante em encontros no Planalto e no Alvorada com outros
parlamentares, tem interlocução com ministros. Zambelli fala na quarta-feira
(13). Em nota, ela disse: “Não temos nada a esconder. Está claro para todos que
minha intenção sempre foi buscar a pacificação de qualquer conflito e que em
momento algum tentei oferecer um cargo ao ex-ministro, até porque não tenho
qualquer prerrogativa para fazê-lo’.

Discurso único

Nenhum depoimento é minimizado. E nenhum detalhe pode ser
deixado de lado. Por isso, a equipe jurídica do governo tem trabalho para
tentar “unificar” os discursos. Ramagem, Heleno, Braga Netto, Ramos,
Zabelli. 

Além da AGU, os ministros Jorge Oliveira (Secretaria-Geral
da Presidência) e da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, também tomam
conta do processo no âmbito jurídico. Conforme relatado ao HuffPost por fontes
palacianas, os 2 estão responsáveis por essas conversas com os personagens mais
próximos do governo numa tentativa de não ?gerar provas contra o presidente?,
nas palavras de um interlocutor, por meio dessas oitivas. 

Segundo o advogado criminalista Davi Tangerino, professor da
FGV-SP, é uma “zona cinzenta” no Direito a legitimidade de advogados combinarem
com as testemunhas uma versão para o depoimento. 

“Testemunha tem o dever de dizer a verdade. Logo, não pode
haver combinação sobre mentiras ou omissões, mas a defesa técnica pode
conversar com a testemunha, explicar quais são os fatos sob investigação e até
mesmo alertar para o risco criminal de mentir”, destacou. Falso testemunho
é crime punido com 2 a 4 anos de prisão. (Debora Alvares – Yahoo Noticias).

Foto: EVARISTO SA via Getty Images