O Tribunal de Justiça de São Paulo registrou 4.018 ações de despejo liminar protocoladas nos dois primeiros meses de pandemia, segundo dados inéditos obtidos pela Fiquem Sabendo via Lei de Acesso à Informação (LAI). O período analisado vai de 20 de março, semana em que foi decretada calamidade pública para enfrentamento da pandemia no Estado, até 20 de maio deste ano. As principais motivações foram falta de pagamento e falta de pagamento cumulado com cobrança.
Apesar do número total de ações de despejo protocoladas ser 31% inferior ao observado no mesmo período de 2019, quando 5.832 ações do mesmo caráter foram registradas, o despejo de famílias durante a pandemia do coronavírus levanta preocupações.
Para o professor de Arquitetura e Urbanismo e coordenador do laboratório de políticas públicas da Universidade Mackenzie, Valter Caldana, os despejos são mais uma faceta do fracasso do plano de ação brasileiro ao enfrentamento da emergência sanitária. “Não houve clemência dos poderes políticos constituídos e do sistema econômico como um todo para com a população”, afirma.
O especialista acredita que o poder público e o sistema financeiro deveriam ter se unido nesse momento de crise, garantindo um “aparato de socorro”multilateral para a sociedade. Ao despejar as pessoas liminarmente, “existe um agravamento da situação daquela família e não se resolve o problema do proprietário que precisa daquele dinheiro para sobreviver. É um jogo de perde-perde”, argumenta.
Nesta segunda-feira (29), o comediante John Oliver, líder de audiência no cenário dos Late Night Shows americanos, publicou um episódio inteiramente dedicado às consequências dos despejos nos Estados Unidos durante a pandemia.
Em abril, começou a tramitar no Congresso uma proposta que poderia reverter este cenário. De autoria do senador Antonio Anastasia (PSD/MG), o Projeto de Lei 1179/2020 prevê a flexibilização de algumas leis do direito privado, estabelecendo um regime jurídico emergencial por conta da pandemia. O texto inicial, entre outros itens, visava impedir a concessão de liminares de desocupação de imóveis urbanos até 30 de outubro. No começo de junho, entretanto, Bolsonaro vetou trechos do texto, incluindo o que tratava das ações de despejo. Na mesma ocasião, foram vetados também os artigos que permitiam aos síndicos de condomínios restringir a utilização de áreas comuns.
Três meses depois do início da pandemia, ainda estão sendo avaliadas no Legislativo outras propostas que visam à proteção dos locatários durante a crise, como o Projeto de Lei 1112/2020, de autoria dos deputados Marcelo Freixo (PSOL/RJ) e Túlio Gadêlha (PDT/PE). Se aprovada, a medida suspende o cumprimento dos mandados de despejo referentes a imóveis residenciais, além de instituir direito a descontos no valor do aluguel em alguns casos.
Para Caldana, essas medidas precisam pensar na proteção não apenas dos inquilinos, mas também dos proprietários dos imóveis. “Nossas políticas colocaram vítima contra vítima. Colocaram o dono da casa, que de modo geral depende vitalmente daquele aluguel, contra o inquilino que está passando por momentos difíceis em função da pandemia. Ambos são vítimas de uma circunstância emergencial inesperada”.
Março foi o mês com o maior número de ações de despejo deferidas, conforme indica o levantamento. No total, foram 1.398 pedidos deferidos em diferentes níveis, sendo 1096 referentes a despejo por falta de pagamento cumulado com cobrança, 218 a despejo por falta de pagamento e 84 a despejo. Nos casos em que o proprietário ingressa com uma ação desse tipo em caráter liminar, conforme explica o advogado Guilherme Feldmann, proprietário do escritório Feldmann Advocacia Especializada em Direito Imobiliário, o inquilino tem 15 dias para quitar a dívida ou pode ser despejado.
Pequenos negócios na forca
“Me sinto extremamente desamparada”, desabafa a psicóloga Marília Siqueira, de 28 anos, sobre a falta de proteção legislativa em casos de despejo nesse período. Junto a uma sócia, ela investiu em uma clínica de saúde – o Espaço Integrale – na região de Diadema, no ABC paulista, onde atuava desde o começo do ano, atendendo pacientes em seu consultório de psicologia e alugando espaços para diversos profissionais da saúde. Com o início da pandemia, elas viram as atividades desaceleraram em março. (Sophia Lopes – Yahoo Noticias)
Foto: Marcelo Carmargo/Agencia Brasil