Guerra da Ucrânia: senadores alertam para risco de desabastecimento

A guerra entre Rússia e Ucrânia
completa 30 dias nesta quinta-feira (24) e cresce a preocupação de senadores
com as consequências do conflito para a economia brasileira. O aumento da
inflação, a eventual falta de fertilizantes para a produção de alimentos e um
possível desabastecimento no mercado interno estão entre as principais
inquietações manifestadas por parlamentares durante sessão temática promovida
pelo Senado.

– A inflação é talvez o efeito
mais notório do conflito, ao lado do recuo do PIB [Produto Interno Bruto]
mundial, no que toca à economia. A disparada dos preços do petróleo e de seus
subprodutos, ou mesmo a interrupção do gás proveniente da Rússia, afeta
diretamente a Europa, mas também impacta todos os demais países. De outro lado,
cabe lembrar que a Ucrânia é um grande produtor de grãos – apontou o presidente
do Senado, Rodrigo Pacheco, durante o debate desta quinta-feira. 

Representantes do governo
admitiram que o conflito já gera reflexos no Brasil, mas tentaram tranquilizar
os senadores. A ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza
Cristina, afirmou que a importação de fertilizantes não foi interrompida até o
momento. 

– O Brasil tem recebido esses
fertilizantes. Nós temos acompanhado e monitorado, por meio do Ministério da
Agricultura, todos os dias, os navios que saem do Brasil e que chegam ao país
com esses fertilizantes – declarou ela.

A ministra disse que, mesmo antes
do conflito, o governo já trabalhava para diminuir a dependência do Brasil de
fertilizantes que, de acordo com o senador Esperidião Amin (PP-SC) pode
chegar a 95% em alguns itens. O senador destacou como legado importante o Plano
Nacional de Fertilizantes, lançado neste mês. A meta desse plano é reduzir a
dependência para 50% até 2050. Tereza Cristina ressaltou que trabalha em
visitas técnicas com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa)
para ?racionalizar? o uso de fertilizantes e garantir o plantio. 

– Com isso, nós podemos diminuir
em até 25% o uso de fertilizantes neste ano, diminuindo aí a pressão dos
fertilizantes, que podem vir a faltar. Eu quero dizer: podem. Não estão
faltando hoje – frisou ela.

Segundo a senadora Rose de
Freitas (MDB-ES), que propôs a audiência, os impactos do conflito já são
perceptíveis e têm gerado preocupação entre os brasileiros. 

– Hoje quem está preparando sua
terra para plantar tem medo. Hoje o preço dos combustíveis, mesmo com todas as
atitudes tomadas, nos causa muita inquietação. E é uma cadeia de repercussão que
pode levar o Brasil a ficar num caos de abastecimento muito grave – alertou
Rose.

O senador Chico Rodrigues
(DEM-RR) também manifestou temor de que a produção agrícola seja afetada.

– O que na verdade tem nos
preocupado, ministra Tereza Cristina, é exatamente o que já começa a acontecer
com os produtores que tinham estoque nas suas propriedades. Assustados com o
clima do desabastecimento desses fertilizantes essenciais, a chamada cadeia NPK
(nitrogênio, fósforo, potássio), eles já começam a vender os seus próprios
fertilizantes, porque é mais lucrativo hoje vender com esse diferencial esses
fertilizantes do que fazer o próprio plantio, pelo temor de no próximo ano não
ter em tempo oportuno a disponibilidade desses fertilizantes – relatou
Rodrigues. 

Diante das inquietações dos
parlamentares, a ministra reiterou que é preciso prudência e calma:

– Vamos ter muita calma, muita
prudência nesta hora. Nós temos de colocar as informações de maneira muito
correta, para que o mercado, que já está numa instabilidade danada, também não
aumente essa inquietação. A agricultura brasileira hoje trabalha com várias
alternativas, várias opções, para que não tenhamos descontinuidade no nosso
plantio e na nossa colheita – disse ela.

Trigo

O risco de desabastecimento de
trigo é outro ponto de preocupação. De acordo com a ministra, Rússia e Ucrânia
são responsáveis por 14% da produção mundial de trigo e 28,5% das exportações
mundiais desse item. Mas Tereza Cristina lembrou que o Brasil importa trigo
principalmente da Argentina.

– Esse é um problema que nós não
devemos ter, sob o ponto de vista de abastecimento do nosso país para o nosso
pãozinho, sobre o que nós temos muitas perguntas: “Vai faltar?”. Não.
O nosso problema não é esse; o nosso problema hoje é preço, porque os preços
das commodities são globalizados. Então, o preço já subiu de maneira
exponencial no nosso mercado aí do trigo. Os efeitos serão bastante
significativos se houver problema na produção da Rússia e da Ucrânia – admitiu
a ministra.

Diálogo

Em outra frente, o ministro das
Relações Exteriores, Carlos Alberto Franco França, salientou que a situação
internacional é desafiadora e reforçou que é preciso criar espaços de diálogo
entre Rússia e Ucrânia. A posição do Brasil, segundo ele, é contrária às
sanções à Rússia neste momento. 

– O Brasil não está de acordo com
a aplicação de sanções unilaterais e seletivas. Essas medidas, além de ilegais
perante o direito internacional, preservam concretamente os interesses urgentes
de alguns países, como o fornecimento de petróleo e gás a nações europeias. Por
outro lado, atingem produtos essenciais à sobrevivência de grande parcela da
população mundial. O grande risco das sanções do modo como têm sido
implementadas é que suas consequências recairão, no médio prazo, mais sobre o
mundo em desenvolvimento do que sobre a própria Rússia, enquanto resguardam os
países desenvolvidos de seus piores efeitos ? defendeu o chanceler. 

Durante a sessão, o senador
Randolfe Rodrigues (Rede-AP) elogiou a atuação do Itamaraty sob a gestão do
atual chanceler, mas apontou ?dissonâncias? entre o que defendem embaixadores e
o presidente Jair Bolsonaro, que, segundo o senador, tem buscado se alinhar ao
presidente russo Vladimir Putin.

– Rogo a Deus e rogo à competência
de Vossa Excelência pela teimosia de nossa chancelaria, da tradição da casa de
Rio Branco, para que não se renda aos arroubos autoritários da parte do senhor
presidente da República que subvertem a tradição diplomática brasileira – declarou Randolfe.

Em resposta, o chanceler reforçou
que a posição do Brasil é a de “não abrir mão de ser um ator global” e de
evitar repetir “uma lógica da Guerra Fria”. França também afirmou que o
presidente Jair Bolsonaro tem ouvido as recomendações do Itamaraty. (Agência Senado).

Foto: Roque de Sá/Agencia Senado

 

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