Desafeto declarado da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o
presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), tem à disposição um
verdadeiro pacote de projetos que diminui a autonomia e mina as prerrogativas
da entidade. E parece estar disposto a usá-lo. Em uma das iniciativas
legislativas, o parlamentar fluminense aceitou, na sexta-feira (17) em que
rompeu com o governo, requerimento do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) para
fazer com que um projeto de lei (PL) que elimina a taxa de inscrição do exame
da OAB tramite isoladamente na Casa ? e, assim, seja aprovado mais rapidamente.
Na prática, Cunha determinou que o Projeto de Lei 8220/2014
ande com as próprias pernas. Até a desvinculação, a proposta estava apensada a
outro projeto de lei, o PL 5054/2005, de autoria do ex-deputado Almir Moura
(sem partido-RJ). Essa proposição torna obrigatória a prestação da prova para
quem pretende exercer o ofício da advocacia, como já acontece hoje. O deputado
Ricardo Barros (PP-PR), relator da matéria na Comissão de Constituição e
Justiça (CCJ), já avisou que vai propor o fim da obrigatoriedade do exame,
exatamente na contramão do texto. O parlamentar paranaense já incluiu essa
demanda em medidas provisórias editadas neste ano.
Ou seja: ao invés de se preocupar apenas com o fim da prova
de duas fases para o exercício da profissão, representantes da advocacia têm
ainda de trabalhar para evitar que o Congresso torne o exame gratuito. A
reportagem enviou questionamentos a Cunha sobre o assunto, mas o deputado não
deu retorno ao contato até a publicação desta matéria.
?A OAB é uma instituição respeitadíssima. Temos com ela uma
relação de altíssimo nível. Jamais ela pode ser penalizada por qualquer disputa
aqui dentro. É uma entidade produto da luta democrática. Aliás, devemos muito à
OAB o nível deste Parlamento?, disse ao Congresso em Foco o líder do governo na
Câmara, José Guimarães (PT-CE), que é advogado por formação.
Dizendo não concordar com qualquer iniciativa que tire
?poderes da OAB?, Guimarães criticou o fato de Eduardo Cunha, em plena crise
político-institucional, tenha tomado decisões como as referentes à entidade da
advocacia. ?Acho que o que nós temos de discutir é o país. Discutir a retomada
do crescimento, quais medidas a serem tomadas. A OAB é a OAB, uma entidade
reconhecida nacionalmente. Deixa a OAB funcionar, que é bom para a democracia?,
acrescentou o petista.
Outra proposição que Cunha tem às mãos contra a OAB é o
Projeto de Lei 804/2007, que aguarda parecer na CCJ da Câmara. De autoria do
vice-líder do PR, Lincoln Portela (MG), a matéria institui a eleição direta e o
voto secreto para a diretoria do Conselho Federal da OAB, com a participação de
todos os advogados registrados na entidade.
?Sem advogado não há democracia ? este é um dos lemas da
Ordem dos Advogados do Brasil. Entretanto, o que causa estranheza,
principalmente ao cidadão comum, é o fato da [sic] OAB viver pregando eleições
diretas para os cargos eletivos, em todos os níveis e instituições, e não
fazê-las dentro da própria instituição?, diz trecho da justificação do projeto.
Parceria condicionada
Membro licenciado do Conselho Federal da OAB, o deputado
Rodrigo Pacheco (PMDB-MG) deixou de lado a boa relação que diz ter Cunha para
defender a classe. ?No que toca a esse conflito de interesse havido com a OAB e
com a própria classe dos advogados, eu vou ficar em defesa da OAB. Sou contra a
extinção do exame de ordem e contra qualquer projeto que restrinja o trabalho
da Ordem ? seja o trabalho de defesa corporativa dos advogados, seja o trabalho
desenvolvido em prol da sociedade brasileira?, disse Pacheco ao Congresso em
Foco.
Dizendo alimentar ?estima? por Cunha, por quem trabalhou na
eleição para a Presidência da Câmara, em 1º de fevereiro, Pacheco diz não
acreditar que haja relação entre as recentes decisões do correligionário e o
fato de ele estar no foco das investigações da Operação Lava Jato. ?São coisas
independentes, diferentes. Esse problema da Lava Jato é algo que diz respeito a
ele, pessoalmente, e ele fará a defesa no campo próprio. Ele não deixa de ser
presidente da Casa por conta disso. E, como presidente da Casa, ele entende
que, se há projetos de lei, eles têm de ser pautados?, acrescentou o
parlamentar fluminense.
Pacheco disse ainda respeitar a posição do colega, mas
promete resistência. ?Vamos para o debate e para a votação na Câmara, cada um
com seus próprios interesses. Não quero apontar uma causa para esse problema do
presidente com a OAB. Eu prefiro acreditar que é uma convicção pessoal,
política, ele querer extinguir o exame da Ordem. Há uma série de deputados que
são contra a extinção?, arrematou.
?Cartel?
A rixa entre Cunha e OAB é antiga e promete novos
desdobramentos. Como este site mostrou em outubro de 2012, Cunha recorreu ao
expediente dos enxertos de texto em medidas provisórias para tentar emplacar
emenda propondo o fim do exame. Então vice-líder do PMDB na Câmara, Cunha
emendava toda e qualquer medida ? sete das que foram protocoladas àquela época
receberam o mesmo dispositivo (MP 576/2012; MP 577/2012; MP 578/2012; MP
579/2012; MP 580/2012; MP 581/2012; e MP 582/2012). Em abril deste ano, revelamos
que o deputado ganhou reforço em sua ofensiva contra a entidade.
?Um dos objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil é a ?livre expressão da atividade intelectual?, do ?livre exercício de
qualquer trabalho, ofício ou profissão?. A exigência de aprovação em Exame da
Ordem […] é uma exigência absurda que cria uma avaliação das universidades de
uma carreira, com poder de veto?, disse Cunha, na justificativa de sua emenda.
No último dia 06 de julho, Cunha classificou a OAB como
?cartel? e como entidade ?sem credibilidade?. Na ocasião, o peemedebista
repercutia pesquisa de opinião encomendada pelo Conselho Federal da OAB
apontando que a maioria do povo brasileiro é contra o financiamento empresarial
de campanha. Cunha, favorável ao uso do dinheiro de empresas nos pleitos
eleitorais, trabalhou para que o tema fosse aprovado na recente votação da
reforma política.
Resistência
Três dias depois do bate-boca público, Cunha desarquivou o
PL 5062/2005, que submete a OAB ao controle do Tribunal de Contas da União
(TCU). O procedimento foi executado de maneira célere e em meio ao calor das
declarações de Cunha contra a entidade: em 7 de julho, dia seguinte à acusação
de ?cartel?, um deputado do Solidariedade, único partido a manifestar apoio ao
rompimento de Cunha com o governo, apresentou o pedido de desarquivamento. Dois
dias depois, em 9 de julho, o já estava formalizado o desarquivamento pedido por Wladimir Costa
(SD-PA).
Segundo o projeto, movimentações financeiras ?e demais
procedimentos? da OAB passariam a ter controle externo. ?As prestações de
contas e demais procedimentos a serem adotados pela OAB, inclusive suas
Seccionais, serão estabelecidos nas Resoluções e demais normas expedidas pelo
TCU?, diz o artigo 3º da matéria. ?[…] não parece razoável que a OAB pretenda
fugir aos controles legais ou considerar-se de natureza diversa daquela de
todas as entidades congêneres?, diz a justificação do texto.
?A OAB é uma entidade de natureza jurídica sui generis, não
sei se é o caso de se submeter ao TCU. Preciso fazer um estudo a respeito da
constitucionalidade, da pertinência de um projeto dessa natureza?, comentou
Pacheco. (Congresso em Foco)