Lula e FHC ensaiam aproximação. O inimigo agora é outro

Deve ser acompanhada com atenção a noticiada (e já negada e
já confirmada) tentativa de aproximação entre os ex-presidentes Luiz Inácio
Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso. A depender dos desdobramentos de um
possível encontro, esta pode ser, noves fora o desfecho policial da Operação
Lava Jato, a notícia mais interessante do mundo político em muito tempo.

Não se trata de uma aproximação entre PT e PSDB, mas de um
aceno de suas maiores figuras em direção a um cessar-fogo que jamais foi
procurado. O cálculo tem, obviamente, um fundamento de oportunidade política:
tanto no PT quanto no PSDB há grupos interessados em barrar o fortalecimento do
grupo do senador Aécio Neves (PSDB-MG). Este fortalecimento não interessa aos
colegas de partido que vislumbram disputar a Presidência em 2018. Daí a aceno
de Lula ao também ex-presidenciável José Serra (PSDB-SP) ? aquele cuja esposa
disse a uma eleitora em 2010 que Dilma Rousseff, defensora da ideia de tratar a
questão do aborto como uma questão de saúde pública, ?mataria crianças? caso
eleita. Mais ou menos na órbita do Planalto, o governador paulista, Geraldo
Alckmin, tem pregado moderação ao falar sobre impeachment, embora tenha elevado
o tom contra o governo na convenção tucana que reconduziu Aécio Neves à presidência
da legenda.

Ao PT, que durante anos agrediu com a mesma fúria com que
foi e agora é agredido, interessa a pacificação do ambiente político por um
motivo óbvio: a palavra impeachment não tem hora para sair da boca de eleitores
e inimigos, e a ala moderada tucana pouco ou nada parece fazer para conter a
hostilidade do grupo do senador mineiro contra um governo na lona. Hoje tucanos
como Aécio Neves e Carlos Sampaio, líder da sigla na Câmara, estão mais
próximos do extremo do DEM, Ronaldo Caiado à frente, do que da ala moderada da
legenda. O cálculo é radicalizar agora ou nunca.

Ao ver a virulência e o palanque dado a essa virulência em
recortes de jornais e carros de som, Lula deve sentir saudade do tempo em que
batia boca publicamente com FHC. Este, a cada crítica ao governo Lula, era
prontamente desautorizado pelo sucessor. Toda vez que FHC dizia que faltava
projeto de nação aos adversários, Lula respondia, em tom de deboche, que
ex-presidente era igual a peito de homem: não serve pra nada. Portanto, deveria
ficar calado. Hoje Lula, ex-presidente que não poupa pitaco ao governo da
sucessora, quer ouvir o que o antecessor tem a dizer. Pudera. Perto da
hostilidade de Aécio, e das rasteiras de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), os bate-bocas
entre Lula e FHC ficam parecendo guerra de almofadas.

Uma pergunta, no entanto, fica no ar. Que Serra (e,
presume-se, Alckmin), tenham interesse em frear o ímpeto de Aécio parece
lógico. Mas e FHC? Que interesse teria em colaborar a essa altura do
campeonato?

Em entrevista recente, o ex-presidente tucano dava pistas a
quem hoje busca resposta a essa questão. A preocupação dele, dizia, não era
ganhar esta ou a próxima eleição e fazer sucessores para povoar o mundo. Sua
preocupação era a História. E se amanhã os historiadores quiserem entender por
que os ex-presidentes levaram tanto tempo para estenderem as mãos, a resposta
estará antes na vaidade que os move do que nos projetos que os distinguem.

De fiador do processo de estabilização econômica e,
consequentemente, democrática do Brasil após a reabertura ? o primeiro eleito
pelo povo a receber e entregar ao sucessor a faixa presidencial desde Juscelino
Kubitschek ? no primeiro mandato, FHC virou espantalho desde o fim melancólico
de um segundo governo turbulento, marcado por escândalos em superintendências,
privatizações contestadas e desajustes econômicos sob a sombra da suspeita da
compra de votos para aprovar a emenda da reeleição, a mudança combinada mas não
muito no câmbio e a pecha de ?estelionatário eleitoral?.

A desidratação biográfica de FHC sempre serviu de munição a
Lula e o PT. Em um dos debates contra Alckmin, em 2006, Lula chegou a franzir e
levar as mãos à testa para, em tom de ironia, procurar o ex-presidente na
plateia: ?Engraçado, não estou vendo o Fernando Henrique aqui?. Depois, quando
começaram a chover prêmios de doutor honoris causa ao ex-metalúrgico, este e
seus apoiadores não perdiam a chance de debochar do antecessor: o príncipe dos
sociólogos, que pouco ou nada contribuiu para a expansão da universidade pública
no país, deveria estar se moendo, provocavam.

O peso histórico de FHC dentro do PSDB sempre foi levado em
conta, mas ele jamais escondeu o ressentimento por ter sido, em ao menos duas
eleições presidenciais, camuflado para não atrapalhar o candidato do partido à
Presidência. Também jamais se conformou pela ausência de deferência com que era
tratado pelos adversários. Esta ausência era parte de uma narrativa, costurada
por anos de marketing político, segundo a qual a demonização de um partido,
mais parecido entre eles do que gostariam seus apoiadores, é condição para o
fortalecimento do adversário.

Na última eleição o apego a esta narrativa beirou o
ridículo. Falou-se mais em fantasmas e riscos de retrocesso do que em soluções
e avanços, num copia-e-cola mal feito do filme ?A Vila?, do qual já falamos
neste espaço.

Nessa brincadeira que durante anos beirou a
irresponsabilidade, Dilma sugeriu ao vivo e em TV aberta que Aécio Neves, já
com chances reais de tirá-la da Presidência, dirigia bêbado. Em eleição vale
qualquer coisa, justificavam os que aplaudiram o golpe baixo. O resultado é que
Aécio nunca engoliu a pedrada, a eleição jamais terminou, hoje tucanos desafiam
a lógica e a própria história ao deixarem passar no Congresso o fim do fator
previdenciário e da reeleição, duas invenções tucanas, apenas para estender o
incêndio contra o governo no Congresso.

Não se sabe como e se de fato haverá encontro entre Lula e
FHC, cujas biografias, em suas respectivas crises políticas, se tornaram objeto
de um duro revisionismo histórico.

FHC teve o seu antes mesmo do fim do segundo mandato. Lula,
de presidente mais aclamado da história, corre o risco de ser lembrado como o
líder político que permitiu a instalação de larápios na maior empresa do Brasil
para obter fontes de recursos ao próprio partido e aliados.

Ambos têm a chance agora de serem lembrados como as duas
maiores referências dos dois maiores partidos do país que deixaram as picuinhas
de lado para, num gesto de espírito público e grandeza, desativaram juntos uma
bomba que os levaria a morrer abraçados. A conferir.

Blog Matheus Pichonelli

Foto: Ricardo Stuckert/PR

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