Odebrecht financia fornecedor de obra do porto de Cuba

Uma das maiores empreiteiras do país e de
propriedade de uma das dez famílias mais ricas do Brasil, a Odebrecht financia
fornecedor das obras do porto de Mariel, em Cuba, um investimento orçado em US$
957 milhões, dos quais US$ 692 milhões (R$ 1,52 bilhão) bancados com dinheiro
público brasileiro por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social (BNDES).

Documentos e informações obtidas pelo Congresso
em Foco
 mostram que, dois anos depois de iniciar a modernização do
terminal portuário, a construtora fez um empréstimo de R$ 3 milhões à empresa
de consultoria de projetos Noronha Engenharia. Em 2013, sem terminar de pagar a
dívida, essa empresa assinou um contrato pelo qual receberia mais R$ 3,6
milhões da Odebrecht para certificar a qualidade das estruturas do porto. De
acordo com a construtora e com a própria Noronha, o empréstimo de dois anos
atrás não foi quitado até hoje.

As explicações das duas empresas foram prestadas ao Congresso
em Foco
 depois de a reportagem questionar sobre mensagem de correio
eletrônico (ver abaixo), obtida pelo site e
supostamente enviada por funcionários da Odebrecht, para a Noronha Engenharia.
Nela, um economista do setor financeiro da construtora lista os pagamentos
feitos à Noronha motivados pela inspeção na obra e, ao lado de cada um,
relaciona ?pagamentos-espelho? que a consultoria deveria fazer à empreiteira
responsável por modernizar o porto cubano.

Há duas semanas, a reportagem apresentou essa mensagem eletrônica à
empreiteira ? que, no primeiro momento, não explicou a natureza dos pagamentos
? e narrou seu conteúdo ao diretor da Noronha, o engenheiro Bernardo
Golebiowski. Uma assinatura semelhante à do engenheiro está anotada à caneta na
reprodução do email, informando pagamentos que sua empresa fez à construtora do
porto de Cuba.

Em nota ao site, Golebiowski disse que
a referência à obra do porto na mensagem se deu porque sua empresa se
comprometeu a pagar o empréstimo com ?ingressos relativos a serviços prestados
ao próprio grupo Odebrecht, o que inclui o contrato para (?) Cuba?. A
reportagem também exibiu o documento ao secretário-executivo do Conselho de
Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Ricardo Liáo, que achou a situação
estranha e merecedora de mais esclarecimentos, para ser afastada qualquer
suspeita de ?desvio de recursos públicos?.

Somente depois disso, na semana passada, a Odebrecht se manifestou
novamente. Disse que ?não reconhece a autenticidade do suposto email?.
Confirmou a versão do empréstimo para justificar os pagamentos da Noronha,
desassociando-os da obra em Cuba. Afirma que tudo foi legal, ou seja, que os
serviços de consultoria foram efetivamente prestados. A assessoria da
empreiteira forneceu cópia da transferência bancária de R$ 3 milhões para a
conta da Noronha, em 2012, que seria o financiamento concedido à fornecedora de
serviços. Sem dar cópias, a Odebrecht exibiu um contrato de empréstimo e um
aditivo, com datas de 2012 e 2013, mas sem registros ou firmas em cartório.

Já de acordo com as mensagens de email, não reconhecidas pela Odebrecht,
dos R$ 3,6 milhões pagos pela construtora à Noronha pela certificação das
estruturas, R$ 2,5 milhões deveriam retornar à Odebrecht. O montante
equivale a 70 do combinado, descontando-se apenas o imposto pago pela
consultoria. De acordo com o email e as anotações feitas à mão, supostamente de
Golebiowski, foram pagos à construtora entre R$ 1,26 milhão e R$ 1,46 milhão
até dezembro do ano passado.

Empréstimo e sigilo

Procurados pelo Congresso em Foco, o
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e o Banco Nacional do
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), representantes do governo
brasileiro no acordo com Cuba, não comentam a operação da empreiteira com a
consultoria. O MDIC decretou sigilo por 25 anos de todos os financiamentos
concedidos para projetos no exterior, a exemplo de Mariel.

A reportagem questionou ao BNDES se certificações de qualidade eram
exigências do banco para a concessão de empréstimo, mas a assessoria disse que
deveriam ser observadas apenas as regras ambientas, trabalhistas e ?legais?.
?Em todo e qualquer projeto de financiamento a exportações de bens e serviços
brasileiros, quem cabe avaliar qualidade de projeto executado pela empresa
exportadora é a empresa que contrata o serviço de execução das obras. Esse
papel não é do BNDES.? O banco afirma ter feito vistorias técnicas em Cuba para
aferir os pagamentos feitos pela Odebrecht e, assim, garantir o repasse das
parcelas 
do financiamento bilionário na conta da empreiteira brasileira.

Fase

No final de janeiro, a presidente Dilma Rousseff inaugurou a primeira
etapa da reforma do porto ao lado de Raúl Castro e do presidente da Odebrecht,
Marcelo Odebrecht. O sigilo nesse tipo de financiamento é contestado pela
oposição, que reclama da destinação de dinheiro público brasileiro para outros
países. A empreiteira brasileira foi escolhida pelo governo cubano, segundo o
BNDES. As obras em Mariel começaram em 2010.

Contratada para certificar as obras do porto de Mariel, a Noronha
Engenharia é uma consultoria conhecida no mercado. Com 82 anos de atuação no
Rio de Janeiro, fez o estudo de viabilidade da ponte Rio-Niterói, em 1968.
Atualmente, porém, enfrenta dificuldades financeiras, segundo sua própria
diretoria.

Vaivém de dinheiro

O contato entre as duas empresas previa que a
Odebrecht-COI, subsidiária da empreiteira baiana, pagaria R$ 3,6 milhões à
consultoria ? divididos em 12 parcelas, de abril do ano passado até março de
2014. O serviço era conferir a qualidade de nove pontes que dão acesso ao terminal
portuário e também do edifício administrativo de Mariel. De acordo com o
contrato COI-Cuba-Prodi 05.13 e seu aditivo, aos quais o Congresso em
Foco
 teve acesso, ?o pagamento dos 


serviços executados? seria feito
?sob amparo do financiamento concedido pelo governo
brasileiro?. O acordo entre as duas firmas
prevê o repasse de três parcelas iniciais de R$ 466 mil, nove de R$ 233 mil,
além de dois pagamentos de R$ 55 mil cada.

As propostas, os aditivos, o contrato, as notas fiscais e os recibos de
pagamento vinculados a depósitos bancários obtidos mostram que o serviço
feito pela Noronha em Cuba foi pago pela Odebrecht normalmente. Mas, em 18 de
dezembro do ano passado, uma mensagem de correio eletrônico da área financeira
da Odebrecht, revela que os valores estavam voltando para a empreiteira na
mesma velocidade com que eram pagos à consultoria. A construtora nega a
autenticidade desse email.

Encontro de contas

A mensagem ?Encontro de contas? revela um fluxo de
pagamentos. Sua autoria é creditada a José Roberto dos Santos, economista que
trabalha na área financeira da Odebrecht. Pela versão à qual o Congresso
em Foco
 teve acesso, a mensagem é endereçada a outro funcionário da
construtora, Marcos Grillo, que trocaria correspondências com o diretor-técnico
da Noronha, o engenheiro Bernardo Golebiowski.

No email, cuja veracidade é contestada pela
Odebrecht, Roberto questiona Grillo por que a empreiteira só havia recebido
seis parcelas de volta da Noronha. ?Essa informação não fecha com os ingressos
recebidos esse ano e registrados (?). Nós recebemos 6 parcelas de R$ 210.000,00
conforme o quadro a baixo [sic]?, pergunta o economista. Ou seja, a Noronha
teria repassado R$ 1,2 milhão à empreiteira responsável pelas obras do porto de
Mariel.

Abaixo do texto, a mensagem atribuída a José Roberto apresenta uma
planilha que lista os pagamentos feitos pela Odebrecht à Noronha, exatamente
nos valores previstos pelo contrato COI-Cuba-Prodi 05.13. Ao lado de cada
cifra, inclui o desconto de 1,5 do Imposto de Renda que a consultoria deveria
arcar. Assim, a cada pagamento à Noronha, correspondia um pagamento ?líquido?
de R$ 210 mil para a Odebrecht.

Coaf

O fluxo de pagamentos entre a Odebrecht e a Noronha desperta dúvidas no
secretário-executivo do Coaf. Segundo Ricardo Liáo, as movimentações
financeiras registradas entre a Odebrecht e a Noronha precisam ser
esclarecidas.

Em entrevista ao Congresso em Foco,
Liáo disse ver ?uma relação financeira com uma via, mas que, na verdade, sugere
duas?. Para ele, é preciso saber, com absoluta segurança, por que a consultoria
pagou à empreiteira. Seria necessário uma documentação farta e robusta para
dizer, cabalmente, que tudo não passou de um empréstimo ou outra operação
legal. Além disso, é preciso considerar que a origem de todos os negócios é um
financiamento do BNDES, um banco estatal que concede crédito a juros
subsidiados. ?A título de quê? Tem bom contrato ou é por fora? Se for por fora,
aí é propina ou suborno. Não deixa de ser uma forma de desvio de recursos
públicos?, afirmou Liáo.

Como fornecedora costumeira da Odebrecht, a Noronha vem recebendo
diversos repasses financeiros da construtora em projetos pelo mundo nos últimos
anos. Mas, segundo representantes da empreiteira, o comprovante de
transferência de R$ 3 milhões se refere, sim, ao contrato de empréstimo de
2012. Um contrato sem aval de cartório.

Resumo da planilha (ver fac-símile
acima)

Plano/ Pagto

Valor para a Noronha

Custo Noronha (impostos)

Valores líquidos para a Odebrecht

Data de pagamento

abr/13

R$ 466 mil

R$ 23 mil

R$ 210 mil

mai/13

mai/13

R$ 466 mil

R$ 23 mil

R$ 210 mil

jun/13

jun/13

R$ 466 mil

R$ 23 mil

R$ 210 mil

ago/13

jul/13

R$ 233 mil
+R$55mil

R$ 23 mil

R$ 210 mil

out/13

ago/13

R$ 233 mil
+R$ 55mil

R$ 23 mil

R$ 210 mil

nov/13

set/13

R$ 233 mil

R$ 23 mil

R$ 210 mil

dez/13

out/13

R$ 233 mil

R$ 23 mil

R$ 210 mil

nov/13

R$ 233 mil

R$ 23 mil

R$ 210 mil

dez/13

R$ 233 mil

R$ 23 mil

R$ 210 mil

jan/14

R$ 233 mil

R$ 23 mil

R$ 210 mil

fev/14

R$ 233 mil

R$ 23 mil

R$ 210 mil

mar/14

R$ 233 mil

R$ 23 mil

R$ 210 mil

Total

R$ 3,6 milhões

R$ 2,5 milhões

Conforme exigências

A planilha atribuída à Odebrecht mostra que, dos R$ 3,6 milhões pagos,
nada menos que R$ 2,5 milhões deveriam ser pagos de volta, ou por outro motivo,
à própria empreiteira responsável pelo porto. No momento, a construtora acusava
ter recebido R$ 1,26 milhão.

Ao receber a mensagem de Roberto, o engenheiro Bernardo Golebiowski, da
Noronha, imprime o documento e assina anotações à mão, nas quais contabiliza
ter pago sete, e não seis, parcelas à Odebrecht ? R$ 1,46 milhão. Só restaria
uma parcela pendente, a de novembro.

Em notas ao site, a Odebrecht destacou
o bom relacionamento com a Noronha e disse que ?todas as relações comerciais e
financeiras entre as duas empresas são realizadas conforme as exigências
legais?. Representantes da empresa que conversaram com o site afirmaram
que o empréstimo é motivado por um histórico de parcerias entre as duas
empresas.

(Congresso em Foco)

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