A pesquisa Opinião dos Policiais Brasileiros sobre Reformas
e Modernização da Segurança Pública revela que 27,1 dos policiais, entre
21.101 entrevistados, são favoráveis à criação de uma polícia única, de caráter
civil. Apenas 14,22 acreditam na manutenção do atual modelo de corporações
estaduais, sem alteração da divisão de atribuições entre Polícia Militar
(ostensiva) e Civil (judiciária). O estudo foi elaborado pelo Centro de Estudos
de Pesquisas Jurídicas da Fundação Getúlio Vargas, pela Secretaria Nacional de
Segurança Pública (Senasp/MJ) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública
(FBSP), que realiza hoje (30) e amanhã (31) debates durante o 8º Encontro
Nacional, em São Paulo.
A cientista social Silvia Ramos, da Universidade Cândido
Mendes, do Rio de Janeiro, e do FBSP, no entanto, acredita que há várias
interpretações em relação à desmilitarização e que a dos policiais, não
necessariamente, é a mesma das manifestações que têm ido às ruas com esse
objetivo.
Um PM pode ser julgado e punido por um tribunal militar
se estiver com a bota mal-lustrada ou barba por fazer. As penas chegam à
prisão. Eles também não podem formar e participar de sindicatos para
reivindicar melhores salários e outros benefícios trabalhistas. O cenário
justificaria a concordância de 53,4 dos entrevistados, incluindo os civis, de que
não deve haver julgamentos pela Justiça Militar.
Atualmente, há duas portas de entrada, tanto na PM
quanto na Polícia Civil. Soldados, cabos e sargentos são praças, enquanto
tenentes, capitães, majores e coronéis são oficiais que entram nas corporações depois
de passarem por uma escola militar. As diferenças de patente se refletem em
injustiças, segundo relatos dos próprios agentes. ?Eles se sentem muito
oprimidos por tudo isso?, diz a pesquisadora, que também faz parte do FBSP.
Entre os civis, delegados e inspetores realizam
concursos diferentes. Um inspetor com 30 anos de carreira, por exemplo, pode
ser comandado por um delegado que nunca esteve nas ruas. ?Essa é uma deformação
muito grande que acontece no Brasil e não se repete em quase nenhum outro lugar
do mundo?, garante Silvia.
Os policiais se mostraram bastante insatisfeitos com a
gestão das corporações por entenderem que privilegiam a hierarquia em prejuízo
da competência. Segundo 80,1 deles, há muito rigor em questões internas das
corporações e pouco rigor em questões que afetam a segurança pública. 58 dos
participantes concordam com a afirmação de que essas hierarquias provocam
desrespeito e injustiças profissionais no ambiente de trabalho.
?A maior surpresa da pesquisa é que os próprios
policiais querem mudar a polícia?, destaca a cientista social. ?Em várias
perguntas entre ?fica como está ou muda?, ganhou o ?muda?. A gente sempre pensa
na polícia como corporativa, defensiva, mas ela demonstrou interesse em mudar?,
comenta.
Um exemplo disso seria o índice de 54,9 dos
entrevistados que consideram a ?ênfase desproporcional das políticas de
segurança na repressão ao tráfico de drogas? como fator que dificulta o dia a
dia de trabalho. Atualmente, a maior parte das pessoas presas em todo o país é
enquadrada como traficante, enquanto crescem os debates pela legalização das
drogas. Enquanto isso, 64,8 concordam que há atenção insuficiente na contenção
do tráfico de armas.
A maioria dos agentes de segurança (70,3 ) também aponta
a corrupção policial como fator que atrapalha o trabalho, assim como a falta de
integração entre o combate à criminalidade e outras políticas públicas, citada
por 65,9 dos participantes. Entrevistados (80,6 ) também consideraram a
formação deficiente um fator mais decisivo no dia a dia de trabalho do que a
falta de verbas para armas, citada por 76,8 deles. Os salários baixos foram
mencionados por 84,7 .
?O que vemos é que os policiais também não estão
satisfeitos com as políticas de Segurança Pública, com as polícias e as formas
como elas estão organizadas?, avalia Silvia. ?Mas nem sempre essas mudanças
estão de acordo com uma agenda democrática. Tem muitas coisas
preocupantes”, alerta a socióloga.
Os policiais rodoviários federais representam 4,1 dos
participantes da pesquisa; os da polícia federal, 10,4 ; os profissionais da
perícia técnica e científica 2,3 ; os bombeiros, 8,4 ; os policiais civis, 22 ;
e os militares, 52, 9 .
Cerca de 88 dos participantes são homens, 47,3 , atuam
em capitais, 48,2 são brancos, 62,7 são casados, 39,1 têm nível superior e
14,5 , o nível médio. Cerca de 27 recebem entre R$ 5.001 e R$ 10 mil e 26,2
recebem entre R$ 1.001 e R$ 2 mil. (RBA)